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Márcio Moreira Alves (Foto: Memorial da Democracia)

Os traços históricos de paulistas em “Gostei do século”, de Márcio Moreira Alves

Até hoje, São Paulo é uma grande cidade, nossa verdadeira metrópole, esbanjando atrações culturais. No entanto, um defeito notório e singular: é uma cidade voltada para o próprio umbigo
Ceci Juruá
Diálogos do Sul Global

Tradução:

Márcio Moreira Alves nos deixou um belíssimo livro de crônicas, com o título Gostei do século (editora Nova Fronteira, 2001). Recordando esta figura histórica, um intelectual brilhante, amigo a quem chamávamos carinhosamente de Marcito, folheei com prazer este livro. Despertou meu interesse, neste outono da vida, o texto A chave: São Paulo (p.207). 

Até hoje, para mim, São Paulo é uma grande cidade, nossa verdadeira metrópole, esbanjando atrações culturais. No entanto, um defeito notório e singular: é uma cidade voltada para o próprio umbigo, consciente do seu poder sobre o Brasil, poder que os paulistas não sabem ou não gostam de dividir, à exceção claro do compartilhamento “frutífero”, portador de vantagens, com as poderosas entidades transnacionais que escolheram São Paulo como sede nacional neste nosso imenso Brasil. Além disso, desde os fatídicos anos 1990 somos governados por paulistas. E mal governados, no meu entendimento, pois empobrecemos desde então, material e culturalmente.

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Discorrendo sobre o primeiro governo paulista da era neoliberal, presidido por Fernando Henrique Cardoso, Márcio observou a predominância acintosa de cabeças apaulistadas na equipe governamental, mais próximas de um governo internacionalista do que provinciano, e com duas características particulares. 

Em primeiro lugar, Márcio apontou para o fato de se tratar de um governo que aprecia demonstrar distância de problemas vistos como miúdos ou fisiológicos, vindos de regiões mais pobres e menos industrializadas. Em seguida, para entender as reações a manifestações oposicionistas, por parte de governantes paulistas ou de cabeça apaulistada, é necessário, ou muito útil, conhecer a história política de São Paulo. Observação que logo ampliou minha curiosidade. Sobretudo porque nós, brasileiros do Chuí ao Amapá, estamos há trinta anos governados por paulistas e semi paulistas, caso do atual presidente, nosso bravo Lula. 

Orgulho paulista

Entre suas características históricas, os paulistas orgulham-se do fato de a cidade de São Paulo haver sediado uma das duas primeiras faculdades de Direito do Brasil, dividindo este privilégio com Olinda, no estado de Pernambuco (ambas foram institucionalizadas por projeto de agosto de 1826, convertido em lei em 11 de agosto de 1827)

Márcio nos relembra que na histórica primeira Faculdade de Direito de São Paulo “havia uma organização secreta fundada por volta de 1834 por um alemão da Saxônia, Júlio Frank“, cujo túmulo fica no pátio desta faculdade. Foi ele que organizou, com outros colegas, uma associação secreta “de nome Burschenschaft e conhecida por Bucha.” Seus membros eram denominados “bucheiros”, praticantes de ajuda mútua . Alguns membros dessa associação tornaram-se presidentes da República: Afonso Pena, Rodrigues Alves, Campos Sales , Venceslau Brás, Washington Luís e Artur Bernardes. Também a ela pertenceram Rui Barbosa, o barão de Rio Branco, o governador João Pinheiro (MG) e Cândido Mota (advogado, professor, jornalista, ensaísta e político, 1897-1977).

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Entre os fundadores do Partido Democrata, uma dissidência do Partido Republicano Paulista, havia muitos bucheiros que vieram a participar da Revolução Constitucionalista de 1932 e se tornaram membros da UDN, em 1945.

Em oposição política ao grupo de bucheiros, houve uma outra sociedade secreta formada por alunos da Faculdade de Filosofia: a célula do Partido Comunista, na qual se destacou o jovem Fernando Henrique Cardoso, mas também Arthur Gianotti e alguns companheiros do célebre Seminário Marx. Observa Marcito a respeito desse grupo: “É curioso notar que o estudo aprofundado de Marx fez com que todos os participantes do seminário abandonassem o PCB.

Observação obviamente tendenciosa, aponta nosso autor. “Mas o fato de ela ser o objeto de conversas ociosas de fim de semana reforça a ideia que tenho sobre a importância da luz que a história política de São Paulo projeta sobre o presente.”

Relembrando crônica de 27-05-1997 de Marcio Moreira Alves.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Ceci Juruá

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