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Pablo Marçal: ensaio sobre a estupidez, a burrice e a preguiça da turba

O que explica Pablo Marçal já abraçar quase 25% das intenções de votos, na maior cidade da América do Sul, sendo que jamais expressou uma só ideia para geri-la?
Carlos Russo Jr
Diálogos do Sul Global
Florianópolis (SC)

Tradução:

Qual a explicação de um marginal que se tornou milionário pelas redes sociais, um estelionatário golpista já condenado pela justiça, um indivíduo totalmente boçal e mentiroso como Pablo Marçal, de um partido político totalmente desconhecido e com vínculos detectados com o crime organizado, já abraçar nas pesquisas quase 25% das intenções de votos, na maior cidade da América do Sul, sendo que jamais expressou uma só ideia para geri-la?

O objetivo desse ensaio é lançar luz sobre esse escândalo!

A burrice não é inócua; ela pode mesmo se tornar extremamente perigosa e isso tanto mais quando se mistura ao ressentimento e ao ódio, pais da estupidez. Na verdade, a burrice é um fenômeno histórico, sendo múltipla, multifacetada e chega a se travestir de “forma de uma adulta sabedoria” e a distribuir frases feitas nas redes sociais, elaboradas precisamente por aqueles que desejam despertar nas massas os preconceitos e o ódio. Tanto a burrice, quanto a estupidez, a truculência e preguiça são sempre expansivas, com o advento das redes sociais, tornaram- se tentaculares, avassaladoras mesmo.

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Se os pobres de espírito, por outro lado, são as principais vítimas da retórica agressiva, há uma legião daqueles também aqueles dotados de uma forma de preguiça interessada! Por isso, a preguiça não pode ser subestimada em nossa sociedade.

A estupidez é na multidão que ela melhor se propaga. As propagações do medo, do ódio, da violência juntam as mãos ao ressentimento, ao consumismo e ao egoísmo. Por seu lado, a burrice odeia a solidão, ela sempre requer ressonância e reverberação, busca sempre as multidões.

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De uma maneira geral, todos os estúpidos se acham visionários; pensam ter descoberto a chave que abre todas as portas do universo, o segredo que revela todos os pontos mais sombrios da alma.

E a inveja é um dos maiores corrosivos da personalidade de um estúpido! Aliás, prima irmã do ódio e não há combustível mais incendiário para o ódio que o medo! O medo da fome, o medo dos fenômenos naturais, o medo do vizinho, medo de Deus e de Satanás, o medo da solidão.

O mundo líquido e gosmento da internet

No mundo líquido da internet, tem se a combinação bombástica de opiniões sem conhecimento, da mentira proposital. Da mentira que se traveste de “ponto de vista”. Da combinação de opinião sem cabimento, da distorção da realidade com a ausência de experiência, surge o caos.

E os líderes dos estúpidos acometem os borbotões. O que significa a chupeta usada por um Nikolas Ferreira em sua campanha eleitoral, que o tornou o deputado federal mais votado no Brasil? Ele procura-se caricaturar para destruir, mentir, enganar e distorcer a realidade o que é, muitas vezes, a melhor forma de se mostrar na mídia sem controle.

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Qual a explicação de um marginal milionário pelas redes sociais, um estelionatário golpista já condenado pela justiça, um indivíduo totalmente boçal e mentiroso como Pablo Marçal, de um partido político totalmente desconhecido e com vínculos detectados com o crime organizado, já abraçar nas pesquisas quase 25% das intenções de votos, na maior cidade da América do Sul? Pablo Marçal jamais expressou uma só ideia para gerir São Paulo!

O fascismo sempre se nutre da estupidez, da burrice e do ódio! Do “amor a Deus e à pátria”

“É preciso maltratar a estupidez” (Nietsche), porque ela sempre se renova e se estabelece. Essa é principal missão da lucidez: Como vencer a turba enfurecida dos estúpidos! Por isso, muitas vezes, a única saída ante a tolice é o silêncio e a certeza de que o tempo traz consigo o esquecimento. Contra a estupidez orgulhosa não há argumentos. Um falso moralista é falso, antes de tudo porque a moralista.

Já burrice age em escaramuças, pronta a se fazer presente! De certa forma, ela se aproxima e às vezes entrelaça suas mãos com a loucura. Mas não se trata de qualquer tipo de “loucura”, mas sim, em sua versão torpe, na sua capacidade de corrosão de tudo que é correto.

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De certa forma, tanto a loucura, quanto o ódio e a estupidez têm um enorme poder de sedução sobre a burrice! Assim é o fascismo em suas mais diversas manifestações! Um ao germe sempre latente, invencível da estupidez humana. O medo o faz expandir-se! Na realidade, os fascistas só pensam em poder, em dinheiro, nada respeitam, destroem o país, aviltam as crianças e os adolescentes, degradam a família.

Atenção: Para os fascistas, o indivíduo inteligente é sempre um perigo! Quanto mais idiotizado alguém se mostra, tanto mais é vítima e algoz, pois facilmente manipulável. E terá orgulho de sua estupidez, de sua burrice!

Fé e violência

Nossa burrice é marcada antes de tudo por uma aliança entre e violência, entre uma população brasileira entregue a uma tendência cada vez mais intensa de combate ao esclarecimento e por uma incapacidade de buscar qualquer unidade propriamente dita com seu povo.

A combinação clássica brasileira é da religião com a violência, nesse sentido quando Euclides da Cunha acompanha com devoção a comédia de erros que resultam nas três expedições contra Canudos e na derradeira destruição do total do Arraial, o que o comove é como engenhosidade militar máxima dos que defendiam os casebres pobres do assentamento convivia com ingenuidade igualmente cativante e uma fé inquebrantável na força visionária de um lunático. Isso sem falar nos equívocos organizacionais, que tornam as primeiras duas expedições um desastre completo para os regimentos do exército.

O cristianismo chegou ao Brasil desde o princípio como uma religião imposta, como um fenômeno marcado a ferro na alma brasileira. Temos o famoso quadro de Victor Meirelles de 1860, chamado “A primeira missa”; neste quadro o bispo português Henrique de Coimbra aparece celebrando uma missa diante do altar improvisado, com índios com fisionomias claramente europeizados, calmamente dispostos em torno do altar, e alguns em cima das árvores para receber a palavra sagrada.

Tudo parece acontecer na mais plena harmonia, sem qualquer presença de tensões, com uma congregação moldada no melhor espírito da Comunidade Cristã. E, no entanto, a evangelização dos índios foi tudo menos uma experiência de paz e compreensão. Além de todos os efeitos nefando do contato dos missionários cristãos com os índios, doenças, a exploração, desenraizamento cultural, a falsificação de hábitos, a catequização se deu a partir da premissa devastadora de os índios não passavam de seres primitivos que precisariam se salvar por meio da revelação, o espaço civilizatório do ser humano europeu. Os negros escravizados também se viram constantemente sujeitos à violência impositiva do horizonte europeu de concepção do que constitui propriamente o centro de alguém.

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Por mais que as contribuições culturais e artísticas dos negros sejam inestimáveis no Brasil, as manifestações continuam ainda hoje marginalizadas e mantidas no espaço esporádicos daquilo que não merece senão o nome de curioso.

Religiões de matriz africana estão sempre sujeitas à violência e um cristianismo, cada vez mais invasivo, marcado sobretudo pelo crescimento desmedido do neopentecostalismo. A conclusão é simples: “os brasileiros odeiam ser brasileiros”, como disse Nelson Rodrigues. Não por acaso, quando Presidente, Bolsonaro bateu continência à bandeira norte-americana.

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O ser humano, a servidão e o ressentimento

O problema é que aliança entre o ser humano e a servidão é uma aliança mais profunda do que seu anseio por liberdade. De bom grado os seres humanos se entregam a servidão, contanto que ela lhe permita uma existência que os satisfaçam. A liberdade, em contrapartida, sempre sobrecarrega e assola. Por isso, “Cristo precisa ser uma vez mais condenado, ele precisa uma vez mais morrer. Não para salvar os homens de uma existência sem sentido, mas para libertá-los de todo e qualquer busca por sentido”. (Dostoiévski)

Dostoiévski ainda afirmou que o homem é um animal de duas patas e ingrato. “Na medida em que não há qualquer sentido no sofrimento, sofre sempre vão. Logo é preciso que haja um sentido para o sofrimento e a loucura que nasce da ingratidão”.

E Religião é o nome dessa força. Ressentimento e servidão sua essência. Religião é ressentimento e servidão.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Carlos Russo Jr Carlos Russo Jr., coordenador e editor do Espaço Literário Marcel Proust, é ensaísta e escritor. Pertence à geração de 1968, quando cursou pela primeira vez a Universidade de São Paulo. Mestre em Humanidades, com Monografia sobre “Helenismo e Religiosidade Grega”, foi discípulo de Jean-Pierre Vernant.

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