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A Lei 13.467 acaba de completar cinco meses, acompanhada na maior parte desse tempo da Medida Provisória (MP) 808, já sem validade. Prometia a “modernização” da legislação trabalhista, conforme o discurso do governo. Para o juiz e professor Jorge Luiz Souto Maior, trouxe ainda mais insegurança jurídica e “balbúrdia” no meio jurídico, empresarial e do trabalho. Ele acredita que só há uma solução para o problema: revogar a lei e retomar uma discussão “séria e profunda” sobre um novo código do trabalho.
Vitor Nuzzi*
“É uma obra legislativa de extrema má qualidade. Não há conserto técnico para essa lei. É um mundo de confusões quase insuperável”, afirma o juiz, para quem mesmo os empresários, prováveis beneficiados (“Está explícito na lei, todas as preocupações, os anseios, interesses jurídicos deles, transformados em lei”), não escapam dos riscos e da insegurança jurídica que a 13.467 proporciona, ao contrário do anunciado durante sua tramitação no Congresso. “É uma lei péssima até para seus objetivos. Aumentou a insegurança jurídica, e muito”, diz Souto Maior, lembrando que o projeto foi aprovado em curto espaço de tempo, aproximadamente dois meses.
“Esse tempo recorde é incompatível com o tamanho da lei. Do ponto de vista técnico, é muito mal elaborada. E não estou nem falando das intenções. O que temos aí é um processo atabalhoado, confuso, açodado.” O juiz também critica o Senado, que não alterou o texto para apressar sua aprovação. “É uma afronta ao próprio processo legislativo. Não está nas mãos dos senadores decidir se eles devem ou não cumprir sua função de legisladores.”
Problemas
Para que isso acontecesse, o governo acenou com uma medida provisória, que “corrigiria” alguns itens considerados mais polêmicos. A MP 808 entrou em vigor poucos dias depois da implementação da Lei 13.467, que passou a valer em 11 de novembro, mas não foi votada e caducou na última segunda-feira. “O tamanho da MP já é demonstração dos problemas da lei”, afirma Souto Maior, observando que a medida recebeu 967 emendas parlamentares. “Voltamos a ter a Lei 13.467, com todos aqueles problemas.”
Que problemas? De todos os tipos, sustenta o magistrado. Para ele, não se pode falar em “má vontade” dos juízes trabalhistas diante do cenário trazido pela mudança legal. “(A lei) altera parágrafo de artigo que não foi alterado. O que eles alteram está em confusão com aquilo que não foi alterado. O parágrafo está em confusão com o caput. Isso acontece em diversos dispositivos”, comenta. “Você tem uma CLT que foi alterada ao longo dos anos e uma lei que tenta desdizer a CLT.”
O fim da validade da MP 808 trouxe à tona novamente questões mais controversas, como o trabalho intermitente e a possibilidade da presença de mulheres gestantes e lactantes em locais insalubres. Teoricamente, esses dois itens podem ser adotadas sem ressalva, mas o juiz tem outra interpretação. “Prevalece a lei (13.467)? Me parece que não. A existência da MP revela os defeitos da lei. Alguns alterações da MP 808 já constavam de enunciados da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) na jornada de 2017″, diz Souto Maior, referindo-se a evento da entidade em que se discutiu a “reforma” trabalhista. “Um grande balbúrdia, um labirinto, cada vez mais longe da saída”, define.
Reversão
Qual seria a saída, então? Para o juiz, apenas uma: “A revogação da lei. E a retomada dessa discussão mais profunda, mais séria.” Com as centrais sindicais, academia, médicos, sociólogos, advogados, juízes. “Tudo isso foi desprezado por ideia de alguns iluminados. O caminho tem de ser a reversão. Mas o que se vê é um caminho de aprofundamento do erro.”
Ele observa ainda que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) formou uma comissão para tentar aprovar uma regulamentação da lei. O presidente do tribunal, ministro Brito Pereira, prorrogou o prazo para a conclusão do colegiado. “Como essa lei, elaborada em dois meses, pode ser minimamente razoável?! É um mundo de confusões quase insuperável.” Segundo Souto Maior, mesmo um empregador que queira aplicar a lei visando a reduzir custos pode sucumbir à lógica da insegurança jurídica.
O juiz conta ainda não ter recebido nenhum caso relativo à lei, mas faz a ressalva de que o entendimento, até agora, é que as novas regras são válidas apenas para contratos a partir de 11 de novembro, quando a 13.467 entrou em vigor – algo que a MP 808tentava mudar. “Esses contratos não se transformaram ainda em reclamação trabalhista”, diz, já antevendo mais confusões, na medida em que a lei permitirá a existência de situações de trabalhadores com a mesma atividade e direitos distintos.
Mas, até agora, houve redução do número de ações no Judiciário. Souto Maioracredita que a mídia teve papel importante, ao divulgar com destaque alguns casos em que o trabalhador teve de pagar custas do processo. Segundo ele, foram poucas decisões nesse sentido, em termos proporcionais, mas isso faz com que alguns sintam receio da procurar a Justiça. Mas o juiz lembra que o que provoca reclamação trabalhista é, principalmente, descumprimento de direitos. “E essa prática não tende a diminuir com a Lei 13.467. Pelo contrário. Muitos empregadores acham que agora podem fazer isso”, afirma, prevendo um aumento não só do número de ações, “mas a intensidade do conflito”.
Um perigo, observa, é alguns acharem que a “solução” de todos os problemas é a extinção da Justiça do Trabalho, como já se defendeu, inclusive no Legislativo. “O pior é as pessoas que fizeram isso (a lei), esses irresponsáveis, acusarem os agentes (da lei) por impedir a ‘modernidade’. Vão continuar acusando a quem resiste à barbárie.”
Os tais “juízes ativistas”, como alguns editoriais da mídia comercial já definiram, ao criticar magistrados críticos à nova legislação. “Não é juiz ‘ativista’ que vai causar problemas à Lei 13.467. São os juízes que aplicarem a lei literalmente.”
A reportagem é de Vitor Nuzzi, publicada por Rede Brasil Atual – RBA, 25-04-2018.