Pesquisar
Pesquisar
Após massacre em Pataz, Dina Boluarte optou por medidas que atingem trabalhadores (Foto: Presidência do Peru / Flickr)

Paramilitarismo, Governo Boluarte e conivência: a tríade da violência crescente no Peru

Atuação débil e omissa de Boluarte no manejo da segurança pública nutre o paramilitarismo e submete comunidades do Peru ao terror e à repressão

Gustavo Espinoza M.
Diálogos do Sul Global
Lima

Tradução:

Beatriz Cannabrava

Se no futuro um peruano fosse perguntado sobre como terminou a gestão “governativa” de Dina Boluarte, poderia responder prontamente: envolta em sangue. Porque sangue ela derramou desde 7 de dezembro de 2022, quando colocou a “faixa presidencial” por um acordo sujo com a ultradireita; e sangue foi o que derramou com inusitada frequência em diversos rincões do país — e ainda derrama, para espanto da cidadania.

Hoje mesmo, o sangue dos peruanos corre nas ruas de Huancavelica, Ayacucho, Juliaca, Abancay, Loreto e outros lugares. Também, aliás, em La Libertad, no distrito de Pataz, onde recentemente apareceram os cadáveres de trabalhadores anteriormente sequestrados por bandos criminosos dedicados à mineração ilegal e a outros negócios escusos.

No cúmulo da impudência, Boluarte informou ao país que esses trabalhadores haviam “falecido”, o que foi absolutamente falso. Faleceram outros em distintos lugares da pátria, por diversas enfermidades que não puderam ser atendidas; mas esses 13 não faleceram — foram assassinados. O que não é a mesma coisa.

Conivência do Estado

Todo o país sabe que em Pataz foi declarado o Estado de Emergência há 40 dias. E, para essa circunstância, foi determinada a intervenção policial e militar. Em outras palavras, havia custódia permanente sobre pessoas e locais. Para todos os efeitos, as autoridades estavam em “estado de alerta” e podiam exercer funções de controle em todos os âmbitos da vida cidadã. No entanto, esse crime — e outros delitos — se consumaram da mesma forma, como ocorria antes, quando grupos paramilitares, criados por empresas ilegais que extraíam ouro a mancheias, operavam com total impunidade. Hoje, eles continuam em ação e gozam — como há de ser comprovado — da mais absoluta impunidade.

Cabe questionar como tudo isso é possível, a quem beneficia esse negócio e de que maneira ele pode ser impulsionado sem sofrer as consequências da barbárie que se semeia pelo caminho.

É possível, em primeiro lugar, pela anuência do Estado. Uma atuação assim não pode prosperar por iniciativa própria e decisão privada. Porque não é apenas dinheiro o que se requer para sua concretização. São mecanismos formais que precisam ser encobertos — e esses só se encontram nas mãos das autoridades formais. Sem sua cumplicidade, não é possível avançar. E não se pode confiar no velho aforismo — “o dinheiro compra tudo” — porque isso não é verdade. Às vezes, há funcionários probos que não aceitam qualquer “negócio” se este não cumpre os requisitos estabelecidos.

Sob Boluarte, polícia do Peru extorque criminosos, desvia armas e faz barra de ouro desaparecer

Os benefícios desse “negócio” são múltiplos. Mas o “maior pedaço do bolo” fica com os seus impulsionadores — os que têm, como se diz, “a panela pelo cabo”, ou seja, os recursos do Poder no mais alto nível. O negócio depende deles para prosperar e deve beneficiar igualmente os donos do capital. Em última instância, trata-se de um negócio redondo da classe dominante. Por essa razão, ele goza da maior impunidade.

Só é possível impulsioná-lo contando com a aquiescência daqueles de quem depende o assunto. E esses estão distribuídos em diversas instâncias da estrutura do Estado. Fato é que se requerem leis que protejam o comércio ilegal — o Registro Integral de Formalização de Mineração (REINFO), por exemplo — que está normatizado por leis e decisões parlamentares, mas também de ações executivas que exigem disposições pontuais.

No caso, foram constatados fatos clamorosos: os trabalhadores foram sequestrados em 25 de abril e, nos dias 27 e 28, surgiram as primeiras denúncias públicas, porque a delegacia local não aceitou as denúncias formais. Mas, no dia 30, o primeiro-ministro disse que “duvidava da veracidade dos fatos”. Provavelmente, já nesse dia, os reféns haviam sido assassinados. Onde estiveram as autoridades encarregadas do “Estado de Emergência” em Pataz durante todos esses dias?

Os corpos das vítimas foram localizados e recuperados pelos próprios trabalhadores e seus companheiros de ofício. Por que a polícia não cumpriu essa função? Dois acusados de suposta autoria do crime foram capturados pelos “ronderos”, civis organizados em Comitês de Segurança Cidadã criados por eles mesmos, sem a menor participação oficial.

Governo aproveita a crise para se apoderar do que puder no tempo que lhe resta de gestão e quase triplica o salário de Dina Boluarte (Foto: Presidência do Peru / Flickr)

Resposta de Boluarte atinge trabalhadores

Os que conhecem o tema afirmaram que “as medidas” anunciadas por Boluarte não terão incidência nos fatos. Suspender as atividades de mineração por 30 dias “prorrogáveis” prejudica os trabalhadores das empresas formais. Essas empresas suspenderão o pagamento de salários a seus empregados porque “não estão trabalhando”. Como irão alimentar suas famílias? Além disso, as empresas já anunciaram que “não terão receitas”. Tudo isso explica a Marcha de Sacrifício realizada pelo prefeito de Pataz para o dia 14 de maio, que conta com ampla aceitação popular.

Entretanto, decidir pela intervenção militar ou policial não resolve nada — assim como não resolveu em San Juan de Lurigancho, San Martín de Porres ou Villa María. Todos sabem que, sob os narizes dos fardados, os delitos são cometidos. Estabelecer uma base militar em Pataz não ajudará. Além disso, é tolice pensar na necessidade de criar bases em cada província onde surjam conflitos desse tipo. Nesse ritmo, vão transformar o país em um imenso quartel e, em contrapartida, criar uma prisão colossal para todos os “descontentes”.

Sugestão: não inserir no começo pois já há uma caixa de cadastro de newsletter no canto direito próximo ao início do texto.

E confundir Pataz com o Vale dos rios Apurímac, Ene e Mantaro (VRAE) não faz sentido. Uma coisa é transportar drogas, outra é fazer circular ouro em barra. Se a inteligência natural não é suficiente para perceber a diferença, não seria má ideia lhes fornecer alguma Inteligência Artificial, para ver se assim conseguem.

Cabe sublinhar, no entanto, que o VRAE está há 20 anos “combatendo o narcotráfico” — inclusive com ajuda ianque. E, em todo esse tempo, o único feito foi acumular imensas fortunas nas mãos de “novos ricos” que hoje possuem casas com piscina nas zonas mais exclusivas da capital. Ou os “serviços de inteligência” não sabem disso?

Paul Flores: por que assassinato do cantor no Peru reacendeu revolta contra Boluarte

Por ora, Dina foi à Pataz, mas não para falar com os moradores ou se reunir com os familiares dos assassinados. Não. Foi se reunir com os 1.000 policiais e militares que enviou para lá, e com a empresa. Aliás, a cada dia ela acelera, passo a passo, sua derrota.

O que é notável é que o governo aproveita a crise para se apoderar do que puder no tempo que lhe resta de gestão. Por isso, quase triplica o salário de Dina e “reinsere” Santivañez no governo por meio da Discamec. Parece que, desta vez, não escapam. O gabinete está em queda e Dina, na véspera de seu colapso, envolta em sangue. Se avizinham dias decisivos.

Nessa circunstância, cabe recordar as sábias palavras de Bolívar na Carta da Jamaica: “O Peru encerra dois elementos inimigos de todo regime justo e liberal: ouro e escravos. O primeiro corrompe tudo; o segundo está corrompido por si mesmo”.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Gustavo Espinoza M. Jornalista e colaborador da Diálogos de Sul em Lima, Peru, é diretor da edição peruana da Resumen Latinoamericano e professor universitário de língua e literatura. Em sua trajetória de lutas, foi líder da Federação de Estudantes do Peru e da Confederação Geral do Trabalho do Peru. Escreveu “Mariátegui y nuestro tiempo” e “Memorias de un comunista peruano”, entre outras obras. Acompanhou e militou contra o golpe de Estado no Chile e a ditadura de Pinochet.

LEIA tAMBÉM

Soraya Maicoño, artista mapuche Milei nos ataca para entregarmos a Patagônia ao extrativismo (3)
Soraya Maicoño, artista mapuche: Milei nos estigmatiza para entregar Patagônia ao extrativismo
Venezuela nova vitória eleitoral do chavismo abre caminho para reforma legislativa
Venezuela: após nova vitória eleitoral, chavismo prepara reforma legislativa
Comandante Zero inabilidade política e autoritarismo detonam aprovação de Dina Boluarte no Peru
“Comandante Zero”: inabilidade política e autoritarismo detonam aprovação de Dina Boluarte
Argentina objetivo do Partido Judicial é castigar Cristina Kirchner por 12 anos de governo popular
Argentina: objetivo do Partido Judicial é castigar Cristina Kirchner por 12 anos de governo popular