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Foto: Jogos Olímpicos Oficial / X

Paris 2024: espetáculo, poder político e sacrifício nos Jogos Olímpicos

Países mais desenvolvidos seguem dominando quadro de medalhas, utilizando os Jogos Olímpicos como plataforma para demonstrar sua hegemonia econômica e política
Jorge Rendón Vásquez
Diálogos do Sul Global
Lima

Tradução:

Ana Corbesier

Sexta-feira, 26 de julho, ao cair da tarde, teve lugar a Cerimônia de Abertura dos Jogos Olímpicos de Paris com um maravilhoso espetáculo cujo cenário foi o majestoso rio Sena entre as pontes de Austerlitz e Trocadero, separadas por cerca de seis quilômetros.

O ato começou com a explosão de uma nuvem com as cores da bandeira francesa, vermelho, branco e azul, em uma das pontes; continuou com o desfile de 6.800 esportistas em 68 embarcações, as famosas vedettes destinadas a passear os turistas, enquanto em várias pontes e edifícios se apresentavam números de dança a cargo de várias dezenas de bailarinos de todas as raças e canções executadas por grandes intérpretes; concluiu com o galope de um cavalo mecânico e eletrônico sobre as águas do Sena, substituído em terra por outro natural, cujo ginete entregou a bandeira olímpica para ser içada em uma esplanada diante da Torre Eiffel.

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Foi algo tão grandioso que deixou atrás, de longe, as inaugurações dos jogos olímpicos precedentes em estádios e permitiu a assistência de várias centenas de milhares de espectadores situados às margens do Sena. Simultaneamente, a televisão levou este espetáculo a centenas de milhões de pessoas.

Polêmica “católica” e atentados

A concepção foi de Thomas Jolly, um diretor de teatro, que o Comitê Olímpico nomeou diretor artístico das cerimônias de abertura e encerramento dos Jogos Olímpicos. A Municipalidade de Paris e sua prefeita, Anne Hidalgo, apoiaram entusiasmadas. Uma parte do espetáculo consistiu em uma cena representativa de uma alegre bacanal presidida por uma artista desmesuradamente obesa e um artista vestido com uma peça azul que mal cobria sua nudez, representando Dionísio, o deus do vinho.

Certos jornalistas e alguns personagens que se declaram católicos censuraram esta cena em que acreditaram ver uma caricatura da última ceia de Cristo, como a pintura Leonardo da Vinci em seu mural da Igreja de Santa Maria delle Grazie, de Milão. Alguns dos mais exaltados destes críticos chegaram a ameaçar de morte Jolly e o artista central da cena, intolerância que só admite suas crenças e que para alguns de seus cultores se sacia com sangue ao tentar impô-las.

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Ali estão como antecedentes os autos da fé ditados pela Inquisição contra os judeus e certos livres pensadores e cientistas para queimá-los vivos ante povos embrutecidos e ansiosos de entretenimento; a noite de São Bartolomeu de 23 de agosto de 1572 em Paris, durante a qual os grupos armados católicos assassinaram uns 4.000 huguenotes seguidores de Calvino; e mais recentemente na França a matança de 12 pessoas no local do semanário Charlie Hebdo em janeiro de 2015, de 130 pessoas em um estádio, um bar e uma sala de concertos de Paris na noite de 13 de novembro de 2015, de 86 pessoas em Nice em julho de 2016 e outros atentados cometidos por grupos islâmicos. Um destes assassinou onze atletas israelenses nas olimpíadas de Munique em 1972.

Exposições nos Jogos Olímpicos e história

Como parte da preparação dos jogos olímpicos em Paris apresentam-se duas exposições nesta bela cidade: uma no Palácio de la Porte Dorée com fotografias e relatos sobre as 33 olimpíadas precedentes em 130 anos e as proezas, vidas e perseguição dos esportistas; e outra no Memorial de la Shoah denominada Paris 1924-Paris 2024, o esporte, espelho de nossas sociedades, em que se mostram os preconceitos e a discriminação contra determinados atletas judeus e negros. 

Os Jogos Olímpicos surgiram na cidade de Olímpia, na Grécia, 776 anos a.C. para competir a cada quatro anos em paz e com segurança para os atletas. Duraram até 393 de nossa era quando foram suprimidos pelo imperador Teodósio de Roma, como uma aplicação do Edito de Tessalônica de 380 que ele emitira para impor o cristianismo como a religião única e oficial do Império Romano. Por volta do fim do século primeiro de nossa era estas competições foram desvirtuadas em Roma com a criação dos coliseus onde competiam até a morte gladiadores escravizados para entretenimento do povo. O poeta Juvenal referiu-se a elas com a expressão pão e circo.

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Em 1894, o francês Pierre Fredy, barão de Coubertin relançou a ideia de realizar os jogos olímpicos, como uma expressão da convivência internacional em paz, e promoveu a criação de um Comitê Olímpico. Este organizou os primeiros jogos contemporâneos que se realizaram em Atenas, em abril de 1896. Em 1924, tiveram como sede Paris. Só foram suspensos pela Primeira e Segunda Guerras Mundiais.

As competições nas olimpíadas que têm lugar em Paris agora compreendem 36 esportes e se realizam pontualmente. Como nas anteriores, nas atuais o maior número de medalhas de ouro para o primeiro lugar, prata para o segundo e bronze para o terceiro estão sendo acumuladas pelos países economicamente mais desenvolvidos que participam com numerosos esportistas. Os países menos desenvolvidos, com delegações muito reduzidas, obtêm no máximo algumas medalhas. Todos estes esportistas são os melhores exemplares do gênero humano em suas especialidades. 

Medalhas e poder político

Como vem acontecendo desde que as olimpíadas foram relançadas em 1896, para os países de maior poder econômico, ganhar mais medalhas é uma manifestação de seu poder político e, se poderia dizer, que competem para isso, e em seus esportistas existe a mesma convicção: demonstrar que são superiores e que têm que ganhar, quase que por direito. É evidente que também nos outros esportistas existe essa intenção, ainda que mais em relação a outros de seu país ou de seu continente. Para muitos deles, já é um triunfo participar das olimpíadas e, mais ainda, obter um diploma nelas. 

De que depende o êxito dos esportistas que competem nestas provas? Parece que há quatro fatores: a constituição anatômica e fisiológica; a formação; a intenção de submeter-se a elas; e a vontade de ganhar.

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A constituição anatômica e fisiológica é a base para a prática de uma atividade esportiva e a competição. Cada esporte requer certa configuração corporal como base da força, velocidade e habilidade necessárias que podem aumentar com uma alimentação e um regime de vida e preparação adequados. É evidente que quanto mais pessoas participam da atividade esportiva mais possibilidades de encontrar entre elas as adequadas para um esporte determinado.

A formação, cujos componentes são a direção técnica, os locais e equipamentos necessários, o treinamento, a disciplina, a perseverança e os recursos para sua manutenção, fazem o esportista e o preparam para competir. Nos países mais desenvolvidos o financiamento deste conjunto de requisitos provém, em geral, do Estado ou de algumas entidades privadas; nos países menos desenvolvidos são quase sempre os próprios esportistas que bancam esses gastos até onde sua renda permite.

A intenção de submeter-se às práticas e competições é a base psicológica da atividade esportiva. Se uma pessoa não se interessa por ela será inútil tentar convencê-la ou levá-la à força. Pelo contrário, se se entrega às práticas, treinará com disciplina e constância.

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Finalmente, o propósito de ganhar move o esportista a competir e pode levá-lo até o sacrifício em sua formação e sem reparar nas consequências que para seu corpo possa ter no futuro esse exercício intenso e prolongado. De que depende? É um impulso inato em todos os seres humanos que opera com diversa intensidade. Pode-se ver nas crianças e nos adultos quando participam de atividades competindo com outros. Sua expressão, no nível dos empregos públicos e em muitos privados, é o que se denominou erroneamente meritocracia e cuja denominação mais apropriada é meritonomia. Sua remota origem se encontra na necessidade vital dos animais de chegar primeiro ao alimento escasso que continuou nos seres humanos durante centenas de milhares de anos até tornar-se uma tendência instintiva que se manifesta em todo confronto para alcançar um objetivo que possa trazer-lhe algum benefício ou mesmo só a satisfação de triunfar ou de ver triunfar os grupos e equipes com os quais simpatiza.

Memórias

Para referir-me a algo mais próximo de nós no Peru, lembro minha passagem pelo Colégio Militar Leoncio Prado de 1946 a 1948, três anos de contínua competição com meus condiscípulos nos exames e disputas esportivas. Desde 1946 este Colégio começou a participar dos campeonatos esportivos escolares e ganhou todos. E nos parecia normal que fosse assim. Vivíamos aquartelados, nossa alimentação era excelente, tínhamos os melhores professores de Educação Física de Lima e nos submetíamos à disciplina militar com prazer, ao que se acrescentava a dedicação de cada esportista para treinar por nossa vontade de ganhar, seja por pertencer a este Colégio, seja por orgulho pessoal.

Eu mesmo ganhei uma prova no campeonato interescolar de natação de 1948. Quando estas competições esportivas escolares foram suprimidas, decaiu o surgimento massivo de novos esportistas em nosso país. Os que se formaram depois nos esportes não profissionais o fizeram pessoalmente ou saíram de certos clubes de elite até chamar a atenção da burocracia esportiva para serem incluídos em alguma prova.

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Espera-se com expectativa o que nos oferecerá o diretor artístico dos Jogos Olímpicos de Paris, Thomas Jolly, no encerramento deles em 11 de agosto.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Jorge Rendón Vásquez Doutor em Direito pela Universidad Nacional Mayor de San Marcos e Docteur en Droit pela Université de Paris I (Sorbonne). É conhecido como autor de livros sobre Direito do Trabalho e Previdência Social. Desde 2003, retomou a antiga vocação literária, tendo publicado os livros “La calle nueva” (2004, 2007), “El cuello de la serpiente y otros relatos” (2005) e “La celebración y otros relatos” (2006).

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