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77 anos de Auschwitz: Um povo que não conhece sua história corre o risco de revivê-la

Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto é relembrado mundialmente nesta quinta-feira (27)
Lu Sudré
Brasil de Fato
São Paulo (SP)

Tradução:

NOTA DA REDAÇÃO | Matéria publicada originalmente em 27 de janeiro de 2020, às 18:20 e atualizada em 27/01/2022, às 16:30.

Há 75 anos, as tropas da União Soviética chegavam a Auschwitz, campo de concentração onde mais de um milhão de judeus foram exterminados pela Alemanha nazista durante a 2ª Guerra Mundial (1939-1945). 

A libertação do principal centro genocida de Adolf Hitler, considerado um símbolo do Holocausto, é relembrada mundialmente neste 27 de janeiro – data que marca o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto.

Do holocausto aos crimes de guerra: “não há um único genocídio que não tenha sido precedido por discursos de ódio”

Localizado na Polônia ocupada pelo Terceiro Reich, o local onde judeus chegavam amontoados em trens, trabalhavam até a exaustão, eram mortos por experimentos médicos e assassinados em câmaras de gás, se tornou o Museu Estatal Auschwitz-Birkenau em 1947.

Ao falar sobre a preservação da memória das vítimas da tragédia mundial, Anita Efraim, judia brasileira que viajou duas vezes ao campo de concentração, recorda-se de uma frase gravada em um dos pavilhões de Auschwitz: “Um povo que não conhece sua história corre o risco de vivê-la de novo”. 

Neta de judeus perseguidos pelos regime nazista, ela considera que essas palavras resumem o motivo pelo qual, 75 anos depois, ainda é essencial falar sobre o genocídio do povo judeu, que vitimou milhares de homens, mulheres e crianças.

Apesar de considera como data mais importante para o calendário judeu o Yom HaShoá – data do calendário judaico que significa “Dia da Lembrança do Holocausto”, Efraim ressalta a importância do dia 27 de janeiro.

“O Holocausto é uma possibilidade de aprender do que o ser humano é capaz. De identificar o que é a opressão em níveis assustadores. Acho que é muito relevante que se tenha um dia universal para lembrarmos disso”, afirma Anita, atuante no movimento juvenil judaico.

Enquanto judia e jornalista, ela também se enxerga responsável por ajudar na construção dessa memória. Hoje atua como colaboradora do Instituto Brasil Israel, onde produz um podcast que visa mostrar a comunidade e o judaísmo de uma maneira progressista.

Como trabalho de conclusão de curso, produziu em parceria com uma amiga o podcast Nenhuma ideia vale uma vida, no qual cinco sobreviventes do Holocausto que passaram por campos de concentração foram entrevistados.

“Precisamos ouvir essas pessoas enquanto tivermos oportunidade. Elas estão idosas, estão morrendo. Já tivemos sobreviventes do Holocausto que felizmente morreram pela idade e não nas câmaras de gás nos campos de concentração”. 

Efraim ressalta ainda que o Holocausto matou 6 milhões de judeus mas também exterminou milhões de homossexuais, negros, deficientes físicos, mentais, e comunistas, que foram os primeiros a irem para os campos de concentração.

Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto é relembrado mundialmente nesta quinta-feira (27)

Autor desconhecido/Wikimedia Commons
Mulheres judias capturadas para trabalho forçado em Auschwitz

Nazismo à brasileira 

No dia 17 de janeiro, o até então secretário da Cultura Roberto Alvim, publicou um vídeo no qual copiou trechos de um discurso de Joseph Goebbels, ministro da Propaganda na Alemanha Nazista, sobre as artes. O vídeo postado pela própria Secretaria Especial da Cultura do governo de Jair Bolsonaro divulgava o Prêmio Nacional das Artes. 

Além das frases quase idênticas, a estética do vídeo, o tom de voz, assim como a trilha sonora, levaram a uma imediata comparação do discurso com a propaganda nazista.

Até mesmo a música de fundo utilizada é um trecho da ópera “Lohengrin”, de Richard Wagner, descrita por Hitler em sua autobiografia como uma obra decisiva em sua vida. No dia seguinte, após repercussão negativa ao nível nacional, Alvim foi exonerado do cargo.

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Na opinião de Maria Fiszon, integrante do grupo Judeus pela Democracia, por mais absurda que seja, a fala de Alvim não é uma surpresa dentro do governo Bolsonaro. 

“Não é uma coisa que acontece isolada do resto. Vem de um governo que é permeado por um discurso nacionalista, por um discurso contra a laicidade, que desrespeita as minorias e a diversidade. Ele não foi secretario desse governo por acidente, foi colocado ali. Então, é parte do governo, assim como o discurso dele. Não podemos separar uma coisa da outra”, critica Fiszon, descendente de judeus russos e poloneses.

Sua avó por parte de mãe fugiu da Polônia em 1936, após a invasão nazista, mas seus bisavós e uma tia-avó não conseguiram deixar o país a tempo. Os três morreram em Auschwitz.

A exemplo do dia 27 de janeiro, Fiszon destaca que o Holocausto deve ser considerado uma tragédia humana mundial e não apenas dos judeus. 

Devido à gravidade dos acontecimentos da Alemanha de Hitler, para ela, o desligamento de Alvim foi necessário, mas não é suficiente. Para Fiszon as inspirações nazistas e a cultura de ódio por parte de outros integrantes do governo Bolsonaro também devem ser combatidas. 

Um povo que não conhece sua história corre o risco de revivê-la

“Uma coisa é demitir um secretário que teve um discurso escancarado e fingir que o restante não está acontecendo. Toda vez que isso é feito, e se coloca ele [Alvim] como o único problema, se ignora todos os outros acontecimentos que temos vivido. Não é porque eles não estão escancarados ou não são tão óbvios, que devemos deixá-los de lado. Muitas vezes vemos traços nacionalistas em outros eventos, vemos a perseguição às minorias, vemos perseguição à diversidade”, denuncia a arquiteta. 

Em nota, a Federação Israelita do Estado de São Paulo, representante da comunidade judaica paulista, repudiou a fala do ex-secretário da Cultura.

“O uso de discurso nazista é inadmissível. Jamais ficaremos calados e rejeitamos a banalização de um episódio trágico para a Humanidade, responsável pelo Holocausto, com a morte de 6 milhões de judeus, e o assassinato de dezenas de milhões de outros inocentes, como ciganos, negros, homossexuais, comunistas, entre outros”, registra o texto, reiterando nota emitida pela Confederação Israelita do Brasil.

“Emular a visão do ministro da Propaganda nazista de Hitler, Joseph Goebbels, é um sinal assustador da sua visão de cultura, que deve ser combatida e contida. Quem recita Goebbels e o nazismo não pode servir a governo nenhum no Brasil”, diz o posicionamento.

Críticas

Com a grande repercussão do vídeo de Alvim, uma suposta aproximação de judeus com o governo Bolsonaro foi amplamente criticada nas redes sociais. Porém, as fontes entrevistadas pelo Brasil de Fato apontam que há uma grande pluralidade dentro da comunidade judaica, assim como em todo o país. 

“O que me assustou mais foi ver a reação das pessoas dizendo que os judeus praticamente mereceram isso porque apoiaram Bolsonaro. Colocar a comunidade judaica nesse mesmo saco é um preconceito. É uma mentira que todos os judeus apoiaram Bolsonaro. Isso mostrou um anti-semitismo muito forte que está sim dentro de muita gente e não só do Alvim, que fez esse vídeo”, comenta Anita Efraim. 

Auschwitz por Carlos Russo Jr

Em 2017,  quando Bolsonaro visitou o Clube Hebraica no Rio de Janeiro, centenas de judeus se manifestam do lado de fora contra o evento. Na ocasião, o presidente afirmou que, caso fosse eleito, não haveria um centímetro de terra indígena e quilombola demarcada. 

Na avaliação de Efraim, a relação de Bolsonaro com Israel é motivada por outras razões. “Israel é muito importante para os evangélicos, principalmente para os neopentecostais, que em grande parte apoia Bolsonaro. Esse apelo de Israel tem duas grandes vertentes: Os evangélicos neopentecostais e o alinhamento aos Estados Unidos”, avalia.

Ela acrescenta ainda que “Israel é uma coisa e judeus são outra”, e que existem judeus que não são sionistas e que não apoiam incondicionalmente a existência do Estado de Israel. 

Em relação à declarações de representantes de direita que relacionam o nazismo à esquerda e ao comunismo, Maria Fiszon acredita ser uma tentativa de revisionismo histórico que objetiva afastar a direita de qualquer evento ou fato que tenha um conotação negativa.

“Contudo, não há discussão histórica séria que coloque o nazismo como um movimento de esquerda, mas sim atrelado à extrema direita. Não posso dizer que não haja desconhecimento, mas me parece haver uma recusa em adquirir e respeitar o conhecimento acadêmico quanto ao tema”, diz a integrante dos Judeus pela Democracia, criado em outubro do ano passado após o ato #EleNão.

O grupo realizará um ato na próxima sexta-feira (31), na Cinelândia (RJ), em razão do Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto. O evento Triângulos do Holocausto – Uma tragédia humana, contará com a presença de diferentes vítimas do nazismo.

Lú Sudré, para a Brasil de Fato

Edição: Leandro Melito 


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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