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ToggleAo sobrevoar Pernambuco ainda arrasada pelas fortes chuvas dos últimos dias que deixaram mais de 90 mortos e mais de seis mil desabrigados, o presidente Jair Bolsonaro se esquivou da responsabilidade: “Infelizmente, essas catástrofes acontecem.
Um país continental tem seus problemas”. A crise climática, porém, já não permite que a chuva seja a única culpada e situações como essa, insistem cientistas, serão – e estão sendo – cada vez mais frequentes.
Urbanista e professor da Universidade Federal de Minas Gerais, Roberto Andrés lembra que o que aconteceu na Região Metropolitana do Recife nesta semana não é nenhuma novidade nas cidades brasileiras, que sofrem com a falta de um trabalho estruturado de política habitacional e de drenagem urbana.
A própria capital pernambucana é apontada pelo IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima] como a 16ª cidade do mundo mais ameaçada pela emergência climática e pelo avanço do nível do mar.
Evitar tragédias, defende, “demanda de fato um trabalho estruturado de médio e longo prazo, realocação de famílias que estavam em áreas de risco, políticas habitacionais efetivas”, deixado de lado pelas últimas administrações.
O solo das cidades ficou muito impermeabilizado nos últimos anos por causa do nosso modelo viário que “dedica o espaço público ao asfalto”, explica. E o resultado direto disso é a intensificação e a gravidade das enchentes.
O urbanista lembra ainda a indissociável questão social relacionada às chuvas em Pernambuco e em outros estados brasileiros em que quem sofre mais são os mais pobres, moradores das periferias.
“Se nós quisermos reduzir o impacto da crise climática, isso não ocorre sem olhar social e sem tentar corrigir as injustiças territoriais históricas que continuaram no nosso território, de modo que os mais pobres sempre pagaram a conta.”
Confira abaixo os principais trechos da entrevista
Agência Pública | O Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) emitiu um boletim geo-hidrológico na última quarta em que alertou para o “risco alto” de chuvas intensas e de deslizamentos na região metropolitana do Recife. Mesmo com o alerta, a prefeitura da capital pernambucana só acionou o plano de contingência na sexta. Essa situação em Pernambuco e em Recife, especialmente, poderia ter sido evitada?
Roberto Andrés | O que ocorreu no Recife nesta semana não é nenhuma novidade nas cidades brasileiras. O risco de tragédias como essa vem sendo apontado por organizações que acompanham a crise climática, por institutos meteorológicos, faz tempo. Como você colocou, o Cemaden já havia apontado na quarta-feira (25) o risco de tragédias ocorrerem e a cidade demorou a colocar o seu plano de contingência para funcionar de modo que diversas pessoas foram impactadas.
Quem morre e quem mata nas tragédias brasileiras “provocadas pelas chuvas”?
Agora é possível evitar completamente os impactos? Isso já é mais difícil. Demanda de fato um trabalho estruturado de médio e longo prazo, realocação de famílias que estavam em áreas de risco, políticas habitacionais efetivas. É algo que vinha sendo feito na cidade de Recife na gestão do João Paulo Lima e Silva (PT) [prefeito da capital entre 2001 e 2008] e que nos últimos anos não foi continuado.
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Política habitacional adequada e política de drenagem urbana adequada não se faz de um dia para o outro. É possível remediar, reduzir os impactos com planos emergenciais de proteção a pessoas que estão em áreas de risco em momentos de grandes chuvas e nesse sentido, tanto no trabalho mais estrutural, quanto no trabalho mais urgente, os governos em Pernambuco e no Recife parecem ter sido menos ágeis do que deveriam para proteger a população.
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Recife é uma cidade cortada por canais. Isso não deveria atenuar a situação?
A impermeabilização do solo urbano continua sendo um problema relevante em diversas cidades brasileiras, inclusive nas cidades com canais como Recife. Eles representam uma parte ínfima do território. A grande área das cidades está majoritariamente impermeabilizada de modo que, quando a água cai, ela escorre pelas bacias com muito mais velocidade e aí chega nos canais, nos córregos, etc.
De fato a gente tem três problemas principais que se somam neste momento. Um é a grande impermeabilização do solo, que faz com que a água corra rapidamente pros fundos de vale. Outro é a crise climática, que faz com que as chuvas sejam cada vez mais fortes e intensas. E por fim temos as pessoas morando em áreas de risco. Nas beiras de córregos ou em morros muito íngremes, áreas com risco de deslizamento o que faz com que essas sejam as primeiras vítimas quando os impactos vêm.
O IPCC aponta que Recife está entre algumas das cidades mais impactadas pela crise climática no mundo e a cidade talvez não esteja fazendo o trabalho necessário para reduzir esses impactos. Como eu dizia, em gestões anteriores a política habitacional já foi mais efetiva no sentido de realocação de pessoas em áreas de risco, de prover novas moradias para essas pessoas.
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Depois essas políticas foram se enfraquecendo e hoje a cidade tem muitas e muitas pessoas em áreas de risco. A cidade precisa, sim, trabalhar de forma estrutural para de um lado aumentar a drenagem urbana e reduzir o impacto da a velocidade da chegada das águas nos fundos de vale e também com políticas habitacionais para que as pessoas morem em áreas seguras.
Estamos caminhando para um planeta cada vez mais quente, como mostram os dados mais recentes do IPCC. Quais seriam os principais riscos enfrentados pelas cidades brasileiras com esse aquecimento?
Já estamos vivendo esses riscos e a gente vai vê-los potencializados. De um lado, as enchentes. Nas nossas cidades a gente enquadrou os rios, construindo nas bordas dos rios, não respeitou a margem, a área das cheias e hoje com as chuvas cada vez mais intensas, os eventos climáticos extremos, a gente tem também um acentuamento das enchentes e inundações que tiram vidas, destroem imóveis.
Por outro lado, temos essas chuvas extremas que geram deslizamentos e mortes, a perda de moradias. Tantas tragédias como a gente viu em Recife na última semana, em Petrópolis e tantas cidades brasileiras nos últimos anos. Há ainda esse impacto do calor. A gente já tem cidades que são ilhas de calor, que são alguns graus mais quentes do que o entorno delas, e com o aquecimento do planeta isso tende a ficar mais acirrado.
E aí são impactos na saúde coletiva, né? Idosos, pessoas que morrem mesmo de calor. Isso vem aumentando nos últimos anos. Essas são três situações que ficam muito agudas com a crise climática e que as cidades precisam se adaptar para mitigar.
Que mudanças urbanas são necessárias para que as cidades não ampliem, mas mitiguem a crise climática?
Essa é uma questão porque as cidades estão nas duas pontas da crise climática. De um lado, as cidades são responsáveis por grande parte das emissões que geram a crise climática. Segundo a ONU Habitat, 60% dessas emissões são geradas nos centros urbanos.
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No Brasil, a gente tem essa situação mais específica em que a Amazônia é um grande foco de emissões. No entanto, não é que as nossas cidades emitam menos. É que a destruição da Amazônia emite muito e precisamos interromper a destruição da floresta amazônica. Quando isso acontecer as cidades passam a ser o principal emissor também no Brasil.
As cidades são grandes emissoras, isso é ligado ao modelo de mobilidade urbana, o automóvel tá muito na raiz disso, mas também a como produzimos energia, como tratamos o lixo.
As duas coisas estão ligadas justamente porque são também os automóveis e a demanda de espaço pelos automóveis que ocupa muito espaço da cidade e que tira o espaço da beira do rio, que tiram o espaço que a gente deveria dedicar a drenagem urbana, para que a água das chuvas se infiltre no solo e não corra rapidamente.
O solo das cidades ficou muito impermeabilizado nos últimos anos por esse modelo viário de dedicar o nosso espaço público ao asfalto. E com isso a gente intensifica a gravidade das enchentes. Uma coisa alimenta outra. A quantidade de tráfego motorizado gera muitas emissões e também transforma o território da cidade de modo a tornar o impacto da crise climática mais grave.
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Eu costumo dizer que o automóvel, esse modelo de mobilidade, é um certo pivô da crise climática nas cidades. Enquanto a gente não puder rever esse modelo a gente não consegue nem reduzir as emissões nem mitigar os seus impactos.
Há como pensar as metrópoles brasileiras sem carro ou sem essa centralidade do carro?
A gente tem um passivo grande a resolver até chegar nesse ponto, mas já deveríamos trabalhar com essa meta. As cidades brasileiras cresceram enormemente durante o século 20, principalmente no período da ditadura cívico militar. Entre 1940 e 1980 a população vivendo em cidades no Brasil passou de 12 milhões para 80 milhões de pessoas.
Quer dizer, multiplica por 7 a população urbana em quatro décadas e esse crescimento foi feito não na base de um trabalho de planejamento e infraestrutura, mas na base do laissez faire [do francês deixe estar].
São cidades de pouca densidade e muito espraiadas territorialmente, de modo que elas têm uma demanda muito maior de deslocamento. A gente precisa de uma revisão dessas cidades, desse modo de ocupação, criando cidades mais densas em torno de corredores no transporte público, para poder reduzir a demanda por automóvel.
A gente reduz a demanda por automóvel melhorando a qualidade do transporte público, melhorando a qualidade da mobilidade ativa – calçadas, ciclovias –, integrando esses dois elementos, transporte público e mobilidade ativa, e também revendo o modo de ocupação do território de modo a fazer cidades mais densas.
Em São Paulo há uma discussão grande em torno do adensamento ou não do centro, com uma parcela grande da população que faz longos deslocamentos diariamente para trabalhar e/ou estudar na área central.
A gente vivenciou nas últimas décadas o esvaziamento dos centros urbanos. Inclusive por essa degradação ambiental dos centros. Foi um ciclo vicioso. Tivemos a explosão de frota de automóveis desde os anos 1960, que cresceu enormemente depois que a indústria automobilística foi instalada no país.
Então veio a ditadura militar e vieram as obras que foram adaptar as cidades a essa explosão de frotas, o minhocão em São Paulo é um marco desse período. E tudo isso, essa explosão de frota, poluição, grandes viadutos, avenidas, etc, tornou os centros degradados.
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Então houve uma fuga dos grandes centros a partir dos anos 60, em outras cidades dos anos 1970 e 1980, que fez com que hoje você tivesse uma quantidade muito grande de espaço ocioso, apartamentos vazios, terrenos vazios, nos centros que são as áreas mais providas de infraestrutura.
Reocupar esses centros, principalmente com política de habitação social, é um mecanismo importante para conseguir trazer pessoas que hoje moram nas bordas da cidade, deslocando, gastando duas, três horas por dia, em transporte público, para regiões em que estão servidos de infraestrutura, de emprego, comércio, escola, etc, e que permitem que essas pessoas tenha uma redução de demanda de deslocamento.
No fim do ano também tivemos fortes chuvas com grande quantidade de mortos na Bahia. No começo do ano foi a vez de Minas Gerais, depois São Paulo. As mortes no geral se concentraram em espaços da periferia, com moradias mais precárias. Qual é a relação entre essas moradias precárias e esses desastres?
É o nosso modelo perverso. Ao deixarmos que a população pobre não fosse servida por política habitacional, o Brasil tolerou desde todo o século 20 e até hoje, que os mais pobres – e há muito uma segregação racializada, a gente sabe bem – fossem fazer seus bairros em loteamentos informais, irregulares, sem infraestrutura adequada ou até mesmo ocupando áreas que não tiveram nenhum loteamento.
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Porque aquela pessoa não tem outra alternativa e essa foi a maneira dela se inserir numa cidade onde ela tem oportunidades. Mas isso faz com que essas pessoas fiquem mais vulneráveis aos eventos climáticos extremos. Se nós quisermos reduzir o impacto da crise climática, isso não ocorre sem olhar social e sem tentar, vamos dizer assim, corrigir as injustiças territoriais históricas que perpetraram e continuaram no nosso território, de modo que os mais pobres sempre pagaram a conta.
O problema é que agora a conta vai aumentar com a crise climática e esses desastres também. Se nós tivermos uma perspectiva social, para um governo de esquerda ou para a esquerda do Brasil, a reforma urbana é urgente.
Vemos várias áreas da periferia de Pernambuco muito afetadas. Podemos falar em racismo ambiental por parte do poder público tanto na capital quanto em outros desastres recentes relacionados às chuvas que tem acontecido pelo país?
Os mais impactados pela crise climática são os mais pobres. Porque são os mais pobres que foram morar nas encostas íngremes com risco de deslizamento, nos fundos de vale, na beira dos rios que agora estão sofrendo com as enchentes.
A gente ocupou as cidades brasileiras sempre deixando o risco para a população mais pobre. E agora o impacto climático, a crise climática, cobra esse preço sobretudo dessa população.
O termo racismo ambiental é adequado porque, principalmente no Brasil e em muitos lugares, essa segregação social é operada pela racialização. De modo que os grupos que ficaram à margem do estado, que foram morar em territórios precários, tem um corte racial que permitiu inclusive que a nossa sociedade organizasse essa segregação.
Isso foi visto historicamente no Brasil como algo um pouco natural. É urgente que a gente desnaturalize a desigualdade territorial se não quisermos seguir repetindo essa dinâmica de racismo ambiental e de maiores impactos na população mais pobre e majoritariamente negra.
Num texto para a revista Piauí, você fala que é possível enxergar a história das metrópoles brasileiras como uma versão micro territorial da crise climática que hoje vivemos em escala planetária. Poderia elaborar melhor essa ideia?
Como nós lidamos com o meio ambiente nas cidades ao longo do século 20 no Brasil. Vamos pensar já desde quando se começou a difundir o automóvel nas cidades, a partir de São Paulo, a partir dos anos 1920, 1930, depois com a explosão a partir dos anos 60.
Os impactos que vieram, de poluição do ar, sonora, congestionamentos, foram sempre renegados, como se eles não fossem importantes, ou como se eles fossem solucionáveis no futuro por alguma tecnologia que iria vir. Se pensava, ‘isso aqui é o progresso, isso é necessário. Vamos continuar vendendo automóvel mesmo, construir viaduto, alargar avenida’. Quer dizer, nunca foi colocado em questão o modelo, né? Esse modelo foi tomado como se ele fosse bom.
E vamos nos aprofundando na tentativa de soluções para isso que só agravam o problema. Vamos construir mais viaduto, vamos cobrir os fios, encaixotar, aumentar o asfaltamento das ruas, criar mais impermeabilização do solo, aumentando as enchentes, aumentando a gravidade disso, e atraindo mais ao automóvel, porque ao fazer isso você diminui a qualidade da vida do pedestre, do transporte público etc.
Então você induz a mais automóvel. Há uma certa fantasia de que vai vir uma solução tecnológica que vai resolver aquele problema. Enquanto ela não vem você continua ali convivendo com o problema e eles vão se agravando. De alguma maneira foi um processo similar que a nossa sociedade viveu e vive com a crise climática.
Nós fomos vendo o problema do aquecimento do planeta, os cientistas alertaram, e a sociedade continuou, a humanidade continuou, na sua inércia suicida, como se aquele problema não demandasse mudança de hábitos e sempre com essa fantasia que continua aí, inclusive, de que nós vamos ter alguma solução tecnológica miraculosa que deve resolver essa questão. Ou, como alguns têm pensado, que nós vamos ter alguma solução tecnológica miraculosa que vai permitir que alguns poucos fujam do problema. Até essa fuga a gente já viveu nas cidades brasileiras.
A partir da degradação ambiental dos centros e da violência, que veio em seguida nos anos 70, 80, a gente viveu uma fuga das elites para os condomínios. Hoje essas elites querem fugir para outros planetas com seus foguetes, as elites do planeta todo. Mas o movimento é o mesmo. É como se você fosse para um outro lugar, deixa o problema lá, e eu não vou me importar mais com ele.
No começo da semana, Bolsonaro falou que “Infelizmente, essas catástrofes acontecem. Um país continental tem seus problemas”, ao sobrevoar Recife. Em 2020, o ex-prefeito de Belo Horizonte Alexandre Kalil disse algo parecido ao afirmar que “a água vem do céu, não vem de incompetência administrativa” e que, “em desastres, não há responsabilidades” após ser cobrado pelas mortes após fortes chuvas na capital mineira. Até que ponto as administrações públicas podem ser cobradas pelos eventos extremos?
Não faltam gestores públicos que colocam a culpa nas vítimas. As gestões municipais têm muito a fazer. Elas precisam lidar com esse problema. A chuva pode ter surpreendido quem não estuda o tema, mas isso não te tira a responsabilidade de conhecer esse tema.
As chuvas serão mais fortes a cada ano. O gestor público tem que lidar com isso, que é uma informação já muito comprovada, muito evidente, do nosso debate científico, de que as chuvas serão mais intensas, que o calor será mais intenso, e que portanto precisamos mudar as cidades. E como podemos mudar as cidades?
A gente precisa primeiro fazer política habitacional direito, para que não tenhamos mais pessoas morando em situação de risco. Segundo, a gente tem que fazer uma política de mobilidade urbana baseada no transporte público e na mobilidade ativa para redução de automóvel nas cidades mesmo, para reduzir emissões e essa demanda de espaço.
Terceiro, a gente tem que fazer uma política de drenagem urbana que conviva com a vida cotidiana. Não é possível pensar que a drenagem urbana vai ser sempre aquelas grandes bacias que se faz. Uma grande obra de engenharia de centenas de milhões de reais que degrada a região em torno dela, e que vai resolver só uma parte do problema, porque em outros rios, outras partes da bacia, o problema continuará. É o que a gente chama de drenagem difusa.
A gente precisa que a água entre no território em cada rua, em cada parte da bacia. Em praças, que a gente tenha sistemas de drenagem com jardins drenantes, a gente tenha cisternas instaladas nos prédios. Isso pode ser feito.
As prefeituras podem, por exemplo, criar um modelo de incentivo no IPTU para cobrar que todos os imóveis tenham um sistema de drenagem próprio, da água penetrar no solo, e para incentivar se eles desenvolverem bem esse sistema. Os municípios tem muito a fazer. O que não é não fazer nada e depois falar que foi pego de surpresa.
Em outros países a discussão sobre a necessidade de adaptação à emergência climática já está bem mais avançada. O Brasil, apesar de ter um Plano Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas, pouco fez a respeito.
De fato, o Brasil está muito mal. A gente tem um governo que praticamente nega esse problema, que está entregando a Amazônia para o garimpo ilegal, para os desmatadores. Um governo que vai legar para as gerações futuras um grande problema e a gente tem que superar esse governo destruidor da nossa vida futura.
O governo de Jair Bolsonaro, que é um governo do garimpo, do desmatamento, da destruição da Amazônia, de negar que problema existe. Aí a gente passa por um outro passo que é, se conseguirmos ter um governo de esquerda, e espero que tenhamos, que esse governo passe a priorizar tanto a adaptação quanto à mitigação, e que a gente coloque esses temas na ordem do dia.
A gente passou por muito tempo dentro do nosso campo político, progressista, das esquerdas, considerando como se tivesse uma contraposição entre o problema social e o problema ambiental. ‘Não vou lidar com problema ambiental porque o foco, o mais importante, é o social.’ No entanto, o que a gente vê é que os mais impactados pela crise climática, pelo problema ambiental, são os mais pobres.
Então o problema ambiental é social e é preciso que a gente dê a ele a importância que ele tem. Você reduzir emissões ou cuidar da cidade ou fazer uma política habitacional digna ou cuidar do transporte público é tão importante quanto o Bolsa Família. É tão importante quanto o programa de cisternas no semiárido. É essa visão que eu acho que a gente ainda tá precisando fazer um esforço para consolidar dentro do nosso campo da esquerda.
Na semana passada, o Comitê Municipal de Mudanças Climáticas e Ecoeficiência de Belo Horizonte aprovou documento em que se opõe à autorização para que a Taquaril Mineração S.A (Tamisa) explore a Serra do Curral, que é um assunto que você tem acompanhado de perto. Quais os impactos ambientais da exploração da serra? E como projetos como eles se encaixam no âmbito de emergência climática? Não é só Belo Horizonte que sofre com essas tentativas de exploração das suas áreas verdes.
São diversos impactos, né? Temos ali um ecossistema, uma fauna e uma flora muito ricos. Belo Horizonte está numa região de transição entre o Cerrado e a Mata Atlântica.
Há um vale nessa região da Serra do Curral, com uma mata muito bonita, com mais de 40 espécies, inclusive várias ameaçadas de extinção. Temos diversos impactos tanto nesse ambiente de nascentes quanto nas espécies, animais que vivem ali. E a gente tem muitos impactos que não são necessariamente ambientais nesse sentido. Por exemplo, o risco hídrico.
No contexto de crise do clima a gente tem alguns problemas. Um deles é um aquecimento muito grande, principalmente das áreas urbanas. Temperaturas muito altas, temperaturas extremas. E essa destruição de área verde no entorno da cidade contribui para aumentar essa ilha de calor que é a metrópole.
Além disso, a gente tem outro problema, que é o problema desse século, que é a escassez hídrica. A gente não deveria se dar o direito de soterrar e destruir nascentes, rebaixar o lençol freático, colocar em risco a segurança hídrica, reduzir a quantidade de água potável circulando nas bacias como a mineração faz. Para dar somente dois exemplos de impactos ambientais muito relevantes em relação à crise climática que os projetos minerários trazem.
Paula Bianchi | Agência Pública
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