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Um futuro incerto para o Peru

Gustavo Espinoza M.

Tradução:

Não deveria surpreender ninguém dizer que, no Peru, o futuro é incerto. Em geral, o futuro é sempre incerto em toda parte. Ninguém pode prever o que vai acontecer. Porém se está é uma verdade abstrata, resulta particularmente claro que no país a única certeza é de um futuro incerto.

Gustavo Espinoza M.*
Gustavo-Espinoza-M.-03-150x150Diversos acontecimentos ocorridos nas últimas semanas advogam em favor desse “presságio”. Porém este, os mais recentes, deixaram um rastro maior de incertezas que ameaçam seriamente o cenário nacional.
Nos últimos anos as autoridades desenvolveram compreensíveis esforços para educar a população ensinando um comportamento definido para o caso de um terremoto. Tais práticas foram alimentadas por certas especulações a respeito da predisposição sísmica do território e ao “silêncio” verificado aqui sobre a matéria nos últimos lustros.
PeruForam consignados muitos orçamentos e elevadas somas de dinheiro já se gastou ensinando as pessoas como fazer para abandonar os edifícios no caso de um terremoto; além de cobrir os imponderáveis que podem resultar de uma catástrofe como essa.
Porém a ninguém ocorreu o que poderia acontecer não seria propriamente um terremoto, mas um conjunto de aluviões –que no Peru se chamam “haicos”- ocasionados por chuvas, virtualmente desconhecidas em boa parte do litoral e outras partes do território peruano.
Um terremoto pode provocar danos bastante severos, mas em geral ocorrem em um lugar determinado, na zona em que se dá o fenômeno. E podem prejudicar vidas humanas e bens materiais nas regiões afetadas pela onda sísmica. Contudo, os aluviões que ocorrem no território peruano se mostram piores que qualquer sismo.
Ocorrem virtualmente em todo o território e com as mais variadas expressões. Regiões tão dissimilares como Ica, Arequipa, Lima, Piura, Huancavelica, Tumbes, Chiclayo ou Trujillo, foram seriamente prejudicadas. Porém o mesmo ocorreu na Amazônia: Iquitos, Pucallpa ou Moyobamba, sofreram os efeitos das chuvas e outras calamidades derivadas.
Na capital, bairros inteiros como Chosica, Chaclacayo, Vitate, an Juan de Lurigancho, ou o Rímac sofreram terríveis danos: perda de vidas humanas, casas derrubadas, deslizamento de morros, destruição de pistas, como a Carretera Central e outras; inundações e perdas de difícil reposição.
O deslocamento de pessoas e veículos bloqueado em diferentes pontos do país; e os danos materiais sobre as populações ribeirinhas e comunidades, ultrapassaram as expectativas.
Alguém preparou a população para enfrentar essa catástrofe?
Realizaram algum simulacro para essa finalidade? Previram orçamentos para essas situações? Claro que não, contudo e com certeza, a partir de agora, haverá dinheiro e orçamento anual. Mas os fenômenos desse tipo não ocorrem sempre. O anterior, bastante moderado, ocorreu em 1998, isto é, há 19 anos. Porém a burocracia entrará como aprovar orçamentos que servirão para enriquecer alguém.
Dissimuladamente se poderia dizer que os fatos, fizeram variar substancialmente o conteúdo dos noticiários televisivos. Já não há mortos, ninguém matou ninguém. Não há uma mulher estuprada, nem um cidadão esquartejado. Tampouco um assalto, um roubo ou um sequestro. As gangues de bandidos evaporaram das notícias ou iniciaram um período de férias. Os informativos passam a cada instante cenas da tragédia em um ou outro rincão do país.
Não obstante, as perturbações não são só climáticas. Um legislador do Partido do Governo se fez conhecer com um obscuro pedido num evento sobre educação. Moisés Guia Pinto assegurou que era partidário de declarar, imediatamente, vaga à presidência da República. A insólita proposta ganhou primeiras páginas na grande imprensa e na televisão; enquanto que a opinião pública ficou conhecendo a existência desse quase anônimo político.
A proposta não caiu como um raio em céu sereno. Formou parte de um pacote político certamente mais complexo. Nos últimos dias se acirraram as tensões entre o Executivo e o Congresso –vale dizer, entre o governo e a Máfia- ao mesmo tempo que começaram a cair os primeiros peões do “caso Odebrecht”: funcionários intermediários do governo de Alan Garcia, caracterizados como “receptores” de propinas e subornos repartidos a esmo entre diferentes segmentos da classe dominante.
Pareceria que esse tema aparece como tela de fundo de outros: quando os congressistas “exigem” que procuradores e promotores compareçam ao legislativo e informem sobre o avanço das investigações judiciais para colocar bem protegidos os personagens seriamente comprometidos com essas práticas.
E é que fica claro que os que “caíram” –“as ratazanas”, como diz García- não poderia ter atuado por conta própria nem administrado só as somas que receberam, algumas ainda escondidas atrás dos bastidores.
A propósito disto, a criatividade popular continua fazendo piada: assegura que as ratazanas é o pseudônimo usado pelos apristas quando são pilhados com a mão na massa. Antes eram chamados simplesmente de “companheiros”.
A essa gente interessa incentivar outros temas: a presidência vaga, por exemplo. E há os que se prestam a isso e iniciam um debate que só beneficia a Keiko Fujimori. O diário Peru 21 –da rede de El Comercio- situa Pablo Kucinski  em “queda livre” mencionando presumidas pesquisas enquanto multiplicam informes sobre a suposta incapacidade mental ou a demência senil do mandatário, quando não discursos “patrióticos” de servilismo diante de Chile, tudo apontando ao mesmo fim.
Caso se repetisse no Peru a experiência de novembro de 2000 –a vacância da presidência da República- a titular do Congresso – Luz Salgado- poderia colocar a faixa presidencial por alguns meses para convocar novas eleições e, entregar o governo a…. Keiko Fujimori!. Alguém duvida?
É que os meios, quando falam de corrupção, a situam nos governos de Toledo, Garcia e Humala, mas nunca no de Fujimori. E quando se veem forçados a fazê-lo, aludem a Alberto Fujimori, e não a Keiko. Nela não tocam.
Acreditam que desse modo poderão manter limpa a imagem da “carta política da máfia”, para colocar-se a seu serviço no mais alto nível. Fracassaram em 2011 e em 2016, mas pretendem chutar o pau da barraca e não esperar mais: a impaciência de Keiko não resistiria esperar até 2012
Claro que tudo isso ocorre num cenário estático em que o que conta é só a vontade e a atuação da classe dominante. Mas como no Peru sopram novos ventos, o povo está falando, e o faz com habilidade e astúcia, sobretudo com força. O que ocorreu em Conga foi um primeiro passo, e mais recentemente os acontecimentos como Puente Piedra ou no Cusco  – a respeito do Aeroporto de Chincheros- indicam o caminho independente das massas.
Mesmo com o futuro incerto no Peru de hoje nada está perdido. Tudo está por ser definido.
*Colaborador de Diálogos do Sul, de Lima, Peru.
 


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Gustavo Espinoza M. Jornalista e colaborador da Diálogos de Sul em Lima, Peru, é diretor da edição peruana da Resumen Latinoamericano e professor universitário de língua e literatura. Em sua trajetória de lutas, foi líder da Federação de Estudantes do Peru e da Confederação Geral do Trabalho do Peru. Escreveu “Mariátegui y nuestro tiempo” e “Memorias de un comunista peruano”, entre outras obras. Acompanhou e militou contra o golpe de Estado no Chile e a ditadura de Pinochet.

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