O governo chileno acusou o golpe que está causando à sua imagem internacional o levantamento social engatilhado há dias na capital e que se estendeu a todo o país, sem vislumbre de deter-se, e solicitou à Organização das Nações Unidas (ONU) o envio de observadores que constatem a situação de direitos humanos, após evidências de que as forças policiais e militares estão cometendo abusos sistemáticos.
O chanceler Teodoro Ribera disse que o presidente, Sebastián Piñera se comunicaria diretamente com a Alta Comissionada das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, para solicitar a ela a presença de verificadores. Ribera negou que corra risco a realização em Santiago de duas grandes reuniões internacionais (APEC e COP 25) previstas para novembro e dezembro. “Seguimos adiante com o planejamento das reuniões, mas logicamente adequando-nos às circunstâncias”, disse.
Bachelet respondeu imediatamente via Twitter: “Após monitorar a crise desde o começo, decidi enviar uma missão de verificação para examinar as denúncias de violações aos Direitos Humanos no Chile. Parlamentares e o Governo expressaram seu interesse em receber uma missão de @UNHumansRights”.
A quase uma semana desde que na sexta-feira (18) começaram os protestos, o saldo é de 18 mortos, 376 feridos (173 por disparos) e 2128 detidos.
O pedido se produziu depois que o Instituto Nacional de Direitos Humanos (INDH) anunciou a apresentação de denúncias da morte de cinco pessoas em mãos de militares e carabineiros, por impactos de bala, golpes maciços e por atropelamento com veículo militar, ocorridas nas cidades de La Serena, Santiago, Coquimbo, Talcahuano e Curicó.
O diretor do INDH, Sergio Micco, encabeçou uma inspeção a delegacias e hospitais para constatar o estado dos detidos e feridos e disse que: “El INDH registrou relatos de desnudamentos, torturas, disparos contra civis, maus tratos físicos e verbais, golpes, e demora da polícia em conduzir as pessoas detidas à delegacia, mantendo-as nos furgões, com má ventilação e apinhadas durante horas”.
Os ministros de Defesa e da Justiça, Alberto Espina e Hernán Larraín, respectivamente, em uma entrevista a jornalistas defenderam irrestritamente e justificaram as atuações dos fardados.
Mas é testemunhos impactantes das vexações que têm sofrido os jovens nas delegacias. Rodrigo Bustos, chefe jurídico do INDH, explicou que apresentaram 37 denúncias e 9 recursos de amparo. Além das cinco por homicídio, há 8 por violência sexual e 24 por aprisionamentos ilegítimos ou torturas.
“Também soubemos de cinco casos de desnudamento a mulheres e um perpetrado contra uma criança que se encontrava detida junto com seu tio. Além disso, tomamos conhecimento de casos de mulheres vítimas de ameaças de violação, uma por parte de militares, e outro por carabineiros que inclusive a tocaram”, agregou..
Governo do Chile
O pedido veio depois que o Instituto Nacional de Direitos Humanos (NHRI) anunciou a apresentação de queixas criminais
Sem solução à vista
O conflito social detonado no Chile continua ativo e de imediato não se visualiza uma saída, em parte porque a mobilização não têm rostos que a liderem, portanto o governo não tem interlocutores. As multitudinárias marchas transcorrem sem discursos, só consignas, cantos e manifestações de diversidade cultural e social, expressões de alegria e de ira acumulada que explodiu. Não há bandeiras dos partidos políticos, mas sim de clubes de futebol ou de coletivos sociais alternativos.
A classe política, desacreditada e desprezada pela cidadania, é vista como o símbolo vivente da corrupção e dos privilégios, exemplificados pelos cerca de 12 mil dólares mensais que embolsam deputados e senadores, mais uma soma similar para gastos operativos, em um país onde 80 por cento da população tem renda mensal inferior a 800 dólares e onde o 1% mais rico se apropria da metade do PIB. Há parlamentares que exercem mandatos ininterruptamente desde 1990 e buscam continuar; além do mais em suas regiões o controle é exercido por prefeitos, vereadores e chefes de serviço, configurando redes de clientelismo eleitoral e de negócios.
Qualquer parlamentar ou dirigente político que pretenda, por exemplo, marchar junto aos manifestantes, se for reconhecido, corre o risco de ser repudiado e expulso.
Daniel Mansuy, diretor do centro de estudos Signos, da conservadora Universidade dos Andes, diz que é evidente a desconexão que as pessoas sentem da elite que toma decisões. Em uma entrevista disse: “Essa é a parte fundamental do problema; há uma classe dirigente – e isto não se refere apenas à classe política – que vive em outro país, em outra realidade, e que não tem a mínima empatia nem vontade de compreender que para as pessoas 30 pesos (0.04 centavos de dólar, equivalente ao aumento no transporte que foi o gatilho do protesto) é muito dinheiro, que Santiago é uma cidade cara e custa caro locomover-se, que não há aposentadorias dignas, que a saúde é má ou é cara. A elite, como vive em um situação muito cômoda, tem muito trabalho para ver essa realidade”.
Uma pesquisa da consultoria Activa Research efetuada entre a terça-feira 22 e a quarta-feira 23 a 2900 pessoas, mostra que 83.6% está de acordo ou muito de acordo com as manifestações dos últimos dias; que 84% compartilha totalmente as motivações dos últimos dias (salários dos trabalhadores, preços dos serviços básicos, aposentadorias e desigualdade econômica, segundo identificam). 50,3% acredita que as manifestações são majoritariamente pacíficas e 46,2% que são atos delitivos e vandálicos. 72% rechaça a violência.
O governo, em uma tentativa de dar sinais de normalização, começou a reduzir as horas do toque de recolher, de acordo com a situação das cidades onde é aplicado.
Para esta sexta-feira, quando se completa uma semana dos protestos, está sendo convocada pelas redes – sem convocadores – uma manifestação no centro de Santiago sob a consigna “a maior marcha do Chile”, que pretende reunir mais de um milhão de pessoas
*Aldo Anfossi, Especial para La Jornada, Santiago do Chile
**Tradução: Beatriz Cannabrava
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