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PM age com violência em despejo para construção de megaporto no Maranhão

Ao menos 28 famílias foram removidas, com decisão judicial conflitante, para construção de empreendimento chinês
Catarina Barbosa
Brasil de Fato
Belém

Tradução:

Gás de pimenta nos olhos de quem está perdendo sua casa, tratores e presença ostensiva de forças policiais. É assim que os moradores da comunidade do Cajueiro, na zona rural de São Luis (MA), foram tratados na manhã de segunda-feira (12).

Os fatos, registrados em vídeo, aconteceram durante o processo de remoção autorizado por uma decisão judicial, que beneficia a empresa portuária Tup Porto São Luís S.A.

No local, vivem mais de 500 famílias entre eles idosos e crianças, que vivem da pesca artesanal, da agricultura familiar e do extrativismo, que veem seu modo de vida tradicional ameaçado pela construção de um empreendimento bilionário.

Ao menos 28 famílias foram removidas, com decisão judicial conflitante, para construção de empreendimento chinês

Foto: Ingrid Barros
Moradora protesta contra remoção durante reintegração de posse na zona rural de São Luís

Uma nota enviada pela comunicação oficial do governo do Maranhão ao Brasil de Fato explica que a determinação judicial diz respeito a 28 casas. Em frente ao Palácio dos Leões, sede do poder executivo estadual, outros moradores da comunidade pressionam o governo do Estado por respostas.

Moradores são retirados de suas casas no Cajueiro. (Foto: Ingrid Barros) 

Em resposta à reintegração, o governador disse nesta que “a polícia militar não pode simplesmente se recusar a cumprir ordem judicial. Houve várias tentativas de mediação, infelizmente frustradas. Não cabe ao governador cassar ou suspender decisão de outro Poder. Já expliquei isso em outros momentos”.

Moradores do Cajueiro estão acampados na frente da sede do governo estadual (Foto: Yndara Vasques)  

A briga pelo espaço onde está localizada a comunidade é de interesse da empresa portuária WPR São Luís Gestão de Portos e Terminais Ltda intitulada, atualmente, de Tup Porto São Luís S.A. No ano de 2014, uma decisão judicial garantiu a permanência das famílias no local, no entanto, o juiz Marcelo Oka, emitiu, em julho uma liminar de reintegração de posse a favor da empresa, pedindo a retirada das pessoas. O governo do Maranhão afirma que foram esgotados os processos de mediação, e dessa forma, cabe ao Estado cumprir a determinação judicial. 

Para Cindia Brustolin, doutora em sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenadora de um grupo da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), que estuda os impactos na área há mais de 10 anos, a reintegração de posse é, na verdade, uma expulsão dos moradores. 

“Apesar de ter uma decisão judicial tem uma série de arbitrariedades no processo que já foram apontadas por várias instituições. A gente constatou, inclusive, que se destruiu uma casa que faz parte de outro processo, que é mantido por decreto nulo, uma vez que não foi assinado pelo governador do Estado e sim por um de seus secretários. Ou seja, derrubaram uma casa ilegalmente. A gente tentou falar isso para o oficial de justiça que não ouviu e não sabia muito bem em que terreno estava”, analisa.

Ainda segundo a professora, havia a garantia de que seria fornecido estrutura para as famílias como marmita, água, tendas, assistência saúde, entretanto, apenas água – após exigência – foram entregues para as pessoas.

Conflito judicial

Rafael Silva, advogado da Comissão Pastoral da Terra, por sua vez, explica que um há recurso tramitando no Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA) para que seja definido qual é o campo de cumprimento da decisão a ser priorizado. De forma simplificada, a reintegração de posse realizada hoje na comunidade é ilegal. 

“Em 2014, uma ação civil pública movida pela defensoria pública do Estado, inclusive com sentença judicial, garantiu a posse em benefício dos moradores do Cajueiro contra qualquer ato que beneficiasse a empresa. Contudo, a empresa entrou com outra ação concessória. Então, existe uma liminar que a beneficia emitida em julho de 2019. Mas, é preciso que se entenda que são decisões conflitantes. Dois processos diferentes. Agora, há recurso no Tribunal de Justiça do Maranhão para que ele defina qual é o campo de cumprimento da decisão a ser priorizado. Sem esse esclarecimento judicial não temos como aceitar um cumprimento de uma reintegração de posse violenta, irreversível, seletiva, por parte do governo do Estado do Maranhão para beneficiar uma empresa bilionária. As famílias não foram sequer informadas da data exata do cumprimento da operação. É um absurdo”, diz.

Segundo observadores que acompanham o despejo, funcionários da empresa portam um mapa onde numera as casas e as identifica como invasoras. Os advogados da empresa, segundo o relato, estão “controlando” os oficiais de justiça, que deveriam estar conduzindo a reintegração de posse. 

“Os oficiais vão à reboque dos advogados, chamam a polícia, e eles vão subindo pelas ruas, entram nas casas, tirando as coisas, botam no caminhão, tiram a família, mandam embora e demolem a casa”, afirma uma observadora.

Criança participa de protesto contra remoção de famílias no centro de São Luís (Foto: Yndara Vasques)  

As famílias, que habitam o local há décadas e são reconhecidas como uma comunidade tradicional, dizem não saber o que fazer e nem para onde ir com a determinação. Segundo a Constituição Estadual, é de competência do próprio Governador do Estado, Flávio Dino (PCdoB) determinar as desapropriações, o chamado Decreto de Desapropriação da Terra. Entretanto, o documento foi assinado pelo secretário de Indústria e Comércio, Simplício Araújo. Para além disso, a ação judicial movida pela Promotoria Agrária do Maranhão afirma que o título de propriedade da empresa tem indícios de falsificação documental, ou seja, grilagem de terras. 

O advogado da Comissão Pastoral da Terra, Rafael Silva, diz ainda que a comunidade vem, desde 2014, sofrendo uma série de violações e arbitrariedades por parte da empresa Tup Porto São Luís S.A. “Desde 2014, a comunidade vem enfrentando um processo violento por parte da empresa que já chegou a utilizar até milícia privada. Na época, fizemos denúncia para a polícia federal e houve prisão, inclusive, de algumas dessas pessoas, sempre com tentativa de intimidação, de cooptação da comunidade. Lembro que derrubaram 19 casas às vésperas do natal de 2014, sem decisão judicial. Então, a empresa vem cometendo uma série de ilegalidades e arbitrariedades”, pontua. 

Trecho retirado de vídeo mostra momento em que policial ataca moradores com spray de pimenta (Foto: Reprodução)  

Casa por cesta básica

Segundo denúncia de moradores, a Secretaria de Estado de Direitos Humanos e Participação Popular (Sedihpop) em mediação com a Comissão de Estadual de Prevenção à Violência no Campo e na Cidade (Coesev) pressionou a comunidade a aceitar a proposta da empresa que ofertava cestas básicas para a retirada dos moradores.

De acordo com representantes da comunidade, a Secretaria Estadual de Direitos Humanos encaminhou, de forma unilateral, a reintegração de posse a ser cumprida pela Polícia Militar sem dar efetivas condições de mediação com a empresa e o próprio Estado do Maranhão, interessado no projeto portuário.

No Maranhão, todo processo de reintegração de posse passa pela Coesev para que sejam assegurados os direitos das pessoas envolvidas no litigio. Participam atualmente da Coesev, a Defensoria Pública do Estado do Maranhão; a Comissão Pastoral da Terra; a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos; entre outras secretarias do Estado. 

Em nota, o governo do Estado afirma que a Secretaria de Direitos Humanos realizou processo de mediação com o Ministério Público, Defensoria Pública e as partes, “a fim de contribuir com a construção de uma solução dialogada”.   

“Após a atuação da Secretaria, chegou-se à proposta de reassentamento de todas as famílias que residem no local, pagamento mensal de aluguel social e cestas básicas e proposta de capacitação e emprego de um membro de cada família”, afirma a nota. 

Cajueiro versus soja

Manoel Ferreira Rocha é agricultor e tem 59 anos. Ele mora na comunidade há nove anos e diz que tem um sítio com plantação de café, laranja, saputi e outras frutas, “tudo plantado por mim e minha esposa”. Para ele, o sentimento de saber que será retirado de sua terra é de revolta e tristeza. “Hoje estou sendo ameaçado de ser despejado com as minhas plantações e isso me dá uma grande tristeza. De ver um pé de café ser destruído pelas máquinas. Como eu sou invasor se tudo o que tem lá foi feito por mim há tanto tempo”, questiona o agricultor.

Além do Seu Manoel, mais 499 famílias vivem na comunidade, local que conta com florestas e manguezais, cuja preservação é imprescindível para a reprodução e sobrevivência de inúmeras espécies de peixes, caranguejos e outros animais. Os estados do Maranhão, Pará e Amapá abrigam 70% dos manguezais existente hoje no Brasil. Apesar do Seu Manoel morar no local há 9 anos, existem moradores que residem no espaço há mais de 40 anos e há indícios de ocupação humana à pelo menos duzentos anos.

A empresa portuária que pretende se instalar no local atenderá ao aumento da produção de grãos na região Nordeste do Brasil, em uma área preservada de cerrado onde vivem atualmente pequenos produtores, indígenas e quilombolas. No local, cerca de metade do bioma já foi extinta, sobretudo, pelo agronegócio. Dessa forma, a manutenção da vegetação de raízes profundas é vital para manter fontes de água e para o enfrentamento das alterações do clima e para a sobrevivência dessas famílias.

O empreendimento  atua com infraestrutura de transportes ligada aos portos de Santos, Paranaguá, e Açu, nos estados de São Paulo, Paraná e Rio de Janeiro. Tem interesse em obras nas regiões Norte, Sul e Nordeste, muitas para escoamento da produção agropecuária. Fora do Brasil, a empresa atua em países africanos, na América Central, Ásia e Oriente Médio. A estatal chinesa tem um faturamento anual de mais de US$ 60 bilhões de dólares.

Edição: Pedro Ribeiro Nogueira

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Catarina Barbosa

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