A Nação, parece, não ficou indignada com as declarações do “Delfim”, evocando um novo AI-5. Só algumas vozes esparsas e a imprensa alternativa se indignaram. Sabem o que significa delfim? Diz o Aurélio: herdeiro presuntivo da coroa de França (e, por extensão, de qualquer coroa, herança, sucessão).
O pai, capitão de turno no governo de ocupação, quando da manifestações multitudinárias do Chile já tinha dito que, se essa situação se repetisse no Brasil, haveria repressão e que já tinha posto as forças armadas em prontidão, se por acaso ocorresse algo.
O delfim quis se mostrar à altura do pai, ou mostrar que ele é quem defende o pai, e ameaçou com o AI-5.
O que se percebe por trás disso? Me diga se não é que essa gente está se borrando de medo.
Sabem o porquê? É simples. Quando as manifestações se fazem com milhões de pessoas -homens e mulheres do centro e das periferias, moços e moças e até casais com crianças- elas se tornam incontidas. Impossíveis de serem contidas pela força bruta da repressão. Só com bomba atômica. Quem é que se atreve?
Como conter as multidões que ocuparam as Alamedas no Chile? Como apagar o eco das últimas palavras do presidente Salvador Allende antes de ser fuzilado por uma força armada a serviço dos Estados Unidos. Não se pode apagar…
“Trabajadores de mi patria: Tengo fe en Chile y su destino. Superarán otros hombres el momento gris y amargo, donde la traición pretende imponerse. Sigan ustedes sabiendo que, mucho más temprano que tarde, se abrirán las grandes alamedas por donde pase el hombre libre, para construir una sociedad mejor.”
É isso que os apavora. É isso que os torna prepotentes. o medo do homem livre.
Vamos analisar com a cabeça fria esses últimos episódios do governo de ocupação e a repercussão na mídia.
Quando da primeira crise entre o Executivo e o Legislativo e com o Supremo Tribunal assumindo o lado da Lei, alertamos que o governo poderia repetir o Pacote de Abril, do general Ernesto Geisel. Fechou o Congresso, o Supremo, tudo e reabriu com novas regras que garantiram a governabilidade: Justiça Militar, governadores nomeados e, para dificultar a hegemonia do MDB que se fortalecia como uma frente de oposição, criou as sublegendas partidárias (dividit et reina) e criou os senadores biônicos para garantir maioria no Senado.
A governabilidade na partidocracia brasileira é um exercício que requer muita habilidade, jogo de cintura, concessões. Fernando Henrique Cardoso disse uma vez que era fácil governar o Brasil. Não é não. Foi para ele que entregou os centros de decisão para os neoliberais a serviço do Império. Fácil só sendo ditador como foram os militares que governaram à sombra do AI-5.
Percebem o que tem por trás das palavras do delfim?
Os néscios que apoiam o clã Bolsonaro sonham com isso todo dia e pedem a volta dos militares. Santa ignorância. O próprio capitão de turno qualificou isso de Bobagem… disse ele.
E tem razão. Tremenda bobagem. Só quem não ainda não percebeu o que aconteceu em outubro de 2018 pode pensar assim, ou alguém que deliberadamente quer enganar o fato concreto de que são os militares que estão no poder.
Lembro que ainda no governo de Dilma Rousseff, pessoas havia que previam um golpe e outras, muitas, que queriam um golpe, as que pediam a volta dos militares. Os chefes militares desmentiam veementemente. Mas, na calada da noite estavam conspirando, planejando, montando uma Operação de Inteligência.
O impeachment foi um complô, uma armação jurídico-parlamentar em cumplicidade com o comando das forças armada. Assume Michel Temer, aquele que quando secretário da Segurança de São Paulo estava na folha da Cia, e é sintomático como ele e o Meirelles trataram de desmontar o Estado, desfazendo-se de ativos, entregando tudo.
Dilma não teria caído se tivesse a seu lado o alto mando militar e os serviços de inteligência. Simples assim. Todas as instituições passaram por cima da Constituição nesse episódio de lesa soberania.
Ao aproximar-se o período eleitoral mandaram prender o Lula. Quem mandou?
Eu nunca tive dúvida de que tudo aquilo foi uma armação do Departamento de Justiça e da Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos, em conluio com o alto mando das forças armadas do Brasil. Denunciamos isso na Diálogos. Já tínhamos nos dado conta da promiscuidade quase total entre os militares ianques e os brasileiros, que vem de longa data.
Interessante que um dos elos que unem esses militares que estão no governo é o fato de terem participado do comando de tropas chamadas de “pacificação” sob a bandeira da ONU mas que na verdade fazem parte da estratégia de preservar a hegemonia dos EUA.
Os oficiais e tropa que participaram no Minustah no Haiti, em operações urbanas de controle social, foram os que ocuparam as favelas no Rio de Janeiro e por várias vezes ocuparam militarmente a cidade do Rio de Janeiro. Para isso é que foram treinados, pelos EUA, nessas operações com a bandeira da ONU. Nas favelas os militares realizaram ensaios de manipulação das redes sociais da web.
Ainda durante o mandato de Michel Temer, respondendo ao eco das vivandeiras dos quartéis (assim eram chamados os udenistas de Carlos Lacerda que viviam atrás dos militares para dar golpe). Quando da greve dos caminhoneiros, insistiram no apelo. Os militares negavam o golpe e enfatizavam que haveria eleições. Vai haver eleições!.
Entrementes, estavam se preparando para isso. Em todos os cargos a serem disputados -deputados estaduais e governadores, deputados federais, senadores e candidatos a Presidência- lá estavam os militares. Milhares de candidatos fardados por esse país afora.
O comitê de campanha era quase que só de militares. A eles se juntaram empresários e dirigentes de associações de empresários, e um batalhão de milicianos espalhados por todo o Brasil recrutando operadores para a manipulação das redes. No auge da campanha Steve Bannon, da Cambridge Analytica, que participará da fraude eleitoral que levou Donald Trump ao poder, veio ajudar com as tecnologias de manipulação das redes. Igualmente a equipe que elaborou o programa e depois conformou o governo de transição era de maioria militar.
Hoje, no Palácio do Planalto, mandam: 8 generais, 1 almirante e 1 brigadeiro. Outra centena de oficiais ocupam cargos de 1o e 2o escalão em todos os demais órgãos de governo. No cômputo total dá mais de mil. Nunca na história deste país houve tal quantidade de militares. Nem nos períodos mais duros da ditadura de 1964 a 1995.
Só não são militares o Sergio Moro, superministro da Justiça que garantiu o afastamento do candidato opositor necessário para a vitória; e o superministro da Economia, o neoliberal Paulo Guedes que assumiu com a missão de destruir o Estado e acabar com os ativos nacionais.
Em abril, 6 meses antes do pleito, os militares anunciavam que já tinham pronta a equipe com quem iriam governar.
Foi o general Villas Boas quem foi ao STF dizer que não admitiria a libertação de Lula, no dia em que o Supremo devia julgar o habeas corpus do ex-presidente. Concomitantemente, as milícias espalhavam nas redes vídeos com declarações de generais, coronéis da reserva e alguns da ativa, afirmando que haveria guerra civil ou golpe se não ganhassem a eleição.
Pra que pacote de abril? Não precisou nem mandar um jeep com um cabo e 4 soldados pra dobrar o STF. No lugar do jeep foi o carrão de um cinco estrela. Mais chique.
Diálogos do Sul descreveu o que foi a Operação de Inteligência que levou os militares à captura do poder.
Vocês podem ganhar um ebook com o resumo dessa operação contribuindo para manter a Diálogos do Sul. Temos outros livros a disposição de nossos contribuintes. Nós precisamos de vocês e o que sabemos fazer é escrever a história.
Mídia Ninja
É isso que os apavora. É isso que os torna prepotentes. o medo do homem livre.
Voltemos à sequência dos fatos.
Em todo agrupamento de poder há divergências, disputas por hierarquia e mais dinheiro, ciúmes, inveja, e há um núcleo duro que é quem realmente dita as ordens. Não é um capitão que foi expulso do Exército por insubordinado. Um general não bate continência pra um capitão, imagine 8 generais. Então o que há na realidade é uma junta militar no poder.
O resto é diversionismo. Só que… parece que está chegando ao limite do suportável.
Se o capitão mandasse ele não teria ido à China nem muito menos a países árabes. Teria ido a Israel para transferir a embaixada de Tel Aviv pra Jerusalém para satisfazer os neopentecostais sionistas que o estão pressionando.
Perdeu a oportunidade de ficar quieto e cumprir as ordens direitinho e lançou diatribes a torta e a direita, e comprou uma briga com a Rede Globo. Gravou impropérios contra a emissora em rede nacional. Despiu-se de toda e qualquer dignidade. Comportamento de colegial adolescente rebelde, absolutamente inaceitável a um porteiro de condomínio.
É mais do que sintomático, o esporro que deu em rede nacional, atitude não de um leão, mas de uma hiena covarde acuada. É a raiva diante da própria incompetência o que ele expôs em rede nacional. É o despeito que contagia todo o clã e o coloca na ofensiva espalhado caca pelo ventilador.
O delfim queria ser líder de uma direita latino-americana, o chefão do clã quer acabar com o Mercosul para ajudar seu amigo Donald Trump, ou seja, abrir a Nossa América para o livre comércio com Estados Unidos. Suicídio pátrio.
Tá difícil, para eles, engolir a derrota massacrante, mais de 20 pontos, do neoliberalismo de Macri na Argentina e ouvir dos candidatos vitoriosos, dois Fernandez, gritarem Lula Livre diante de uma multidão em festa pela vitória.
Tá difícil, para eles, ver o presidente do Chile, Sebastián Piñera ceder ante a multidão e atender as demandas mais urgentes.
Os meninos mimados do clã não foram educados para ceder. Tampouco foram educados para ser líder do que quer que seja. Como suportar o possível pedido de perda do mandato por atitude indecorosa e de apelo à violência contra as instituições.
O capitão esteve 27 anos de deputado federal e só utilizou o mandato pra beneficiar a família. Uma demonstração atrás da outra de incompetência e irracionalidade. Duas coisas muito perigosas num chefe pois compensa sua ignorância com o abuso da autoridade e o uso da força. É o que explica as intempéries verbais mas não justifica.
Está na hora de acabar com essa farra. Já não serve mais de diversionismo. Só atrapalha. Penso que vai acabar. Golpe? Imagine… pra que?
O governo de ocupação já é resultado de um golpe branco, eleitoral. Dá um pontapé no traseiro do trapalhão e fica tudo como dantes no quartel de Abrantes. Até que… até que o povo se levante.
*Paulo Cannabrava Filho é editor da Diálogos do Sul
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