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Por que os fascistas e neofascistas odeiam tanto Gramsci e Umberto Eco?

O ódio que os fascistas como o farsante Olavo de Carvalho, devotam a Gramsci e Umberto Eco relaciona-se a necessidade de manter o povo em ignorância
Carlos Russo Jr
Espaço Literário Marcel Proust
São Paulo (SP)

Tradução:

Os estudos sobre o fascismo italiano realizado por Gramsci, nos anos 1920, conduziram-no a uma conclusão:

Até mesmo os delitos comuns tinham aumentado assombrosamente com o advento do fascismo, mesmo com toda a brutal repressão por ele aportada. A causa era a da marginalização e perda dos direitos dos trabalhadores nas regiões mais atrasadas da Itália. O desenvolvimento capitalista, com a destruição da democracia, estava organizado não em proveito do povo, mas no das grandes corporações, que haviam financiado a ascensão de Mussolini ao poder.

E com que ferramentas o fascismo se apossara da Itália? Para Gramsci “a primeira liberdade a ser aniquilada e aniquilada da forma mais brutal, não ocorrera com a adoção ou mesmo a promulgação de leis ou decretos, mas com o exercício da violência pura e simples e com o aumento da criminalidade,” fora a liberdade de organização e do movimento econômico dos operários, dos camponeses, dos pobres; depois, a liberdade de opinião e de expressão e nesse barbarismo todo já estava contida- como germe- a essência do fascismo.

E no avanço do mesmo, Gramsci destacou duas consequências: “A primeira é que, quando o fascismo organizou o poder, primeiramente substituiu ou expulsou o velho pessoal dirigente político, tradicional e corrupto”. A segunda, é que o governo arrastou atrás de si, até o fim, uma “trupe de inconscientes, aventureiros e delinquentes”, tão ou mais corruptos que os políticos socialdemocratas tradicionais.

Condenado a 26 anos de prisão por seus escritos políticos-filosóficos, ao final de sua vida nos cárceres, o filósofo Antônio Gramsci estabeleceu uma série de critérios necessários para o combate ao fascismo:

1. Exigência de seriedade no trato da política.
2. O repúdio das formas superficiais e falsamente populares.
3. A impossibilidade de se adaptar ao regime de leviandade, irresponsabilidade, falta de sinceridade, ganância e vileza política.

O ódio que os fascistas como o farsante Olavo de Carvalho, devotam a Gramsci e Umberto Eco relaciona-se a necessidade de manter o povo em ignorância

Mediun
A característica dos fascismos históricos tem sido o apelo às classes médias frustradas

Aqui no Brasil, o general Nelson Werneck Sodré, gramsciano, desenvolveu um conjunto de crônicas a partir de “pequenas impressões da vida cotidiana”. Trata-se de “O Fascismo Cotidiano”, escrito no princípio da decadência da Ditadura Militar, em 1976: “O fascismo é uma ditadura terrorista declarada conduzida pelos elementos mais reacionários, mais chauvinistas, mais imperialistas do capital financeiro” e “é peculiar ao fascismo uma tendência para uma transformação reacionária de todas as instituições políticas.”

Werneck Sodré também ressalta que: “quando as antigas formas de governo, formalmente democráticas, tornam-se obstáculos para o desenvolvimento do capital monopolista em crise, as elites assumem sua faceta mais reacionária e recorrerem ao fascismo, tal como ocorreu em 1964”.

Os grupos que se reúnem em torno do fascismo “mostram uma mentalidade de capitalismo nascente, do tipo agressivo, que se define no absoluto desprezo pelas leis escritas, pelas leis morais, pela pessoa humana e pelas conquistas da civilização e da cultura realizada pelos povos”.

E a respeito do pensamento do filósofo italiano, Gramsci, assinala Werneck Sodré que o mesmo insere-se na própria contramão do “pensamento único”, tão ao gosto da direita quanto de determinados setores da esquerda.

A dialética gramsciana antecipou em quase um século a “era do fim das certezas” de Hobsbaum, que é o nosso presente, onde o determinismo e as evoluções lineares se desintegram! Gramsci já considerava a realidade como um universo cheio de incertezas e, portanto, de imensas possibilidades de criatividade, do conhecimento como caminho para a preservação da liberdade.

O ódio que os fascistas e seus êmulos atuais, como o farsante Olavo de Carvalho, devotam ao jovem filósofo que aos 41 anos morreu num cárcere de Mussolini tem sua razão de ser. Gramsci desmascara a caterva que já tentou (por exemplo, na tentativa de golpe de Estado Integralista de 1937), ou que se apossou  do poder no Brasil: no Estado Novo em 1935, no golpe militar de 1964 e, agora, nas eleições de 2019.

Quase meio século após Gramsci , nos anos 1980, Humberto Eco avançou na análise dos diversos formatos e manifestações fascistas que, de tão antigas na humanidade, criaram seus próprios arquétipos, impregnando-se nas mais diferentes estruturas sociais. Lista-nos uma série de arquétipos fascistas, que formatam o Ur-fascista primordial:

1. O culto da tradição como uma das bases do fascismo: O tradicionalismo, ainda mais velho que o fascismo, possui como paradigma que todas as mensagens originais contêm pelo menos um germe de sabedoria, um quê de alguma “verdade” dita primitiva. Com isso ele visa claramente estabelecer uma impossibilidade para avanços no saber! A verdade já foi anunciada de uma vez por todas e somente nos restaria continuar a interpretar sua obscura mensagem.

De todo modo, ao cultuar a tradição, o fascismo o realiza de uma maneira sincrética. Apanha conceitos de doutrinas e ideologias diferentes, municiando-se da artificialidade dessa reunião de doutrinas mesmo que teoricamente incongruentes entre si. Logo, é inerente ao fascismo tolerar contradições que são intrínsecas a cada momento histórico em que ele se apresenta.

No momento histórico que atravessamos o fascismo reveste-se de uma determinada superestrutura religiosa que já tivemos oportunidade de descrever em “A religiosidade neopentecostal como superestrutura do poder político-policial-militar”, http://proust.net.br/blog/?p=1444.

2. A recusa da modernidade: Se por um lado os fascistas adoram a tecnologia, por outro, o seu elogio da modernidade não passa de coisificação, dado que são adoradores de máquinas, não de ideias. No século XX, a recusa do modernismo camuflou-se com a “condenação” do modo de vida capitalista ( Mussolini, na Itália). Acontece que esta condenação era tão somente uma roupagem, urdida em conjunto com os grandes capitalistas, já que se tratava de afastar o “fantasma” do comunismo.

O fascista do século XX/XXI opõe-se até mesmo ao iluminismo e à idade da razão, vistos como pontos de partida para a “depravação” moderna. Por este caminho, o arquétipo fascista esteia-se no irracionalismo.

3. Culto da ação pela ação: Trata-se de um fruto necessário do irracionalismo. A ação torna-se bela em si e deve ser realizada sem qualquer reflexão. O fascismo de ontem, de hoje e de sempre odeia “a cultura”, dado ser ela em si, uma atitude de crítica. A suspeita em relação ao mundo intelectual sempre foi e será um sintoma do fascismo.

4. O banimento da crítica: Na medida em que o espírito crítico opera distinções e distinguir é sinal da modernidade, para o fascismo a crítica é sempre lida como desacordo ou traição, não importa o partido político em que o viés fascista se manifeste.

5. A diversidade: Quando o fascismo cresce, ele busca o consenso desfrutando e exacerbando o natural medo da diferença. Logo, é essência do mesmo a xenofobia, a misoginia, a homofobia e as piores demonstrações de racismo.

Os fascismos provem da frustração individual ou social. A característica dos fascismos históricos tem sido o apelo às classes médias frustradas, desvalorizadas por crises econômicas, pela humilhação política, pela corrupção, pela falta de representatividade de seus agentes (os políticos) e assustadas pela pressão de grupos sociais inferiores. E essa ampla classe média consisti e consistirá na maioria do auditório fascista.

6. Para aqueles que se sentem privados de qualquer identidade social, o fascismo lhes diz que seu único privilégio é o mais comum de todos: terem nascido em um mesmo país. Esta é precisamente a origem do “nacionalismo”. O fascismo carrega o viés de que os únicos agentes que podem conferir autenticidade ao “nacional” serão os inimigos da nacionalidade, sejam eles internos, sejam democratas, socialistas ou comunistas, quer sejam inimigos externos. Daí a obsessão pelo complô, pelo golpe, pelas badernas, pelas invasões de outros países, pelas guerras.

Para levar os “nacionalistas” aos extremos, os defensores do fascismo precisam se sentir sitiados e o modo mais rasteiro e facilmente sentido são novamente, a xenofobia, a intolerância e o racismo.

Se os adeptos do fascismo sentirem-se humilhados pela riqueza ostensiva ou pela força do inimigo, a doutrina do “faccio” leva-o a supor que pode vencê-lo. É por isso que, os regimes fascistas se fortalecem com a visão de que os inimigos, quer os internos, quer os externos, sejam ao mesmo tempo, fortes e fracos demais.

7. Para o fascismo não há luta pela vida, mas, sim, vida pela luta. Logo, o pacifismo é conluio com o inimigo, a vida uma guerra permanente contra todo e qualquer oponente de seus valores.

8. O elitismo é típico de qualquer ideologia reacionária. No curso da história, todo elitismo aristocrático ou militarista implicou em desprezo pelos fracos. O fascismo prega um “elitismo popular”. Logo, todos os cidadãos pertencem ao melhor dos povos, os membros dos partidos, são os melhores cidadãos. E todo cidadão que se queira fazer respeitar, deve pertencer ao partido. Embora o líder fascista saiba que seu poder não foi obtido por delegação, mas conquistado pela pressão, pela mentira e pelo uso da força, sabe igualmente que sua força se baseia na debilidade das massas populares, tão fracas que têm necessidade e merecem um dominador.

9. Cada membro de uma organização fascista é educado para tornar-se um “herói”, mito, ou um ser que se espelha no mito criado. E no fascismo de hoje e de sempre, este culto liga-se a outro: o da morte! Enquanto sua própria morte não chega, ele assassina “banalmente” outros mortais.
Como tanto a guerra permanente quanto o heroísmo são jogos difíceis de jogar, o fascista deriva sua vontade de poder para jogos sexuais. Aí está a origem do machismo, da intolerância para com os homossexuais, a base de uma “cultura” de estupro e abuso dos seres imediatamente inferiores ao macho: da mulher.

10. O populismo qualitativo: No populismo qualitativo, os indivíduos enquanto indivíduos não têm direitos e o “povo” é concebido como uma entidade de personalidade monolítica, que somente expressa uma vontade comum a qual tem em seu líder o único intérprete. E os cidadãos, tendo perdido o poder de delegar, não agem mais, sendo chamados exclusivamente para assumirem o papel de “turba”. O populismo qualitativo hoje é disseminado por televisões e mídias sociais, e ele se opõe quando o deseja aos “pútridos partidos parlamentares”.

11. A utilização de uma linguagem empobrecida: O fascismo fala sempre uma nova língua, língua onde o léxico é pobre, a sintaxe elementar, tudo é simplificado e “popular”, um excelente instrumento voltado a limitar o surgimento de qualquer tipo de raciocínio complexo ou crítico.

Ao final de sua prolífica vida intelectual, Eco nos propõe alguns antídotos antifascistas que enumeramos:

1. Um destes contravenenos, talvez o mais importante, seria o pensamento crítico, a reflexão sobre o próprio pensar, a formatação de um pensamento modesto e, finalmente, a popularização do pensar filosófico, por si só questionador.

2. Buscar a razão sempre, dado que o problema da irreflexão é que aqueles que se conduzem por códigos e regras são os primeiros a aderir e a obedecer. Aquele que não pensa por si mesmo possui um eu que não fundou raízes, é um ninguém. São seres humanos que se recusam a serem pessoas.

No entender de Karl Jaspers, psiquiatra e filósofo alemão, Ser Ninguém é pior que ser Mau! O fascista se sabe Ninguém, se revela inadequado para o relacionamento com os outros, porque os bons e os maus são, no mínimo, pessoas.
É isto que faz da banalidade do mal, do fascismo, o pior dos males: espalha-se rapidamente sem necessidade de qualquer ideologia, ou apesar de qualquer que seja o viés ideológico.

*Carlos Russo Junior é colaborador da Diálogos do Sul


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Carlos Russo Jr Carlos Russo Jr., coordenador e editor do Espaço Literário Marcel Proust, é ensaísta e escritor. Pertence à geração de 1968, quando cursou pela primeira vez a Universidade de São Paulo. Mestre em Humanidades, com Monografia sobre “Helenismo e Religiosidade Grega”, foi discípulo de Jean-Pierre Vernant.

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