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Porque setores progressistas da América Latina não comemoraram a derrota de Trump?

Conseguiu-se derrotar a um de seus líderes mais perigosos para o planeta, e é estranho que alguns progressistas ao outro lado da fronteira não se somem à festa
David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

No essencial, o que aconteceu nos Estados Unidos foi uma derrota de um projeto neofascista. As grandes coalisões de forças progressistas que foram chaves para derrotar o inquilino da Casa Branca incluem organizações de imigrantes de várias esquinas do mundo, sindicalistas, a comunidade gay, integrantes de movimentos pela justiça racial e de direitos civis, ambientalistas e contra as armas, ou seja, o grande mosaico multirracial que está na luta pelos direitos fundamentais, pela dignidade e pela justiça. 

No sábado dançaram nas ruas, praças, bairros e centros de trabalho porque se triunfou contra uma besta direitista. Mas o notável por sua ausência, e inclusive por seu desdém, nessa festa popular é um dos movimentos progressistas mais importantes do mundo – o do México. O que aconteceu? 

Deixou assombrados, indignados e doídos os progressistas nos Estados Unidos, incluindo líderes sociais mexicanos, escutar aos que se supunha que eram seus aliados no México, e outros países latino-americanos, expressar que a eleição estadunidense nada mais era do que uma contenda entre duas faces do mesmo aparato imperial em Washington e que, portanto, dava na mesma quem ganhasse. Ainda mais alarmante, dirigentes e ativistas no México circularam opiniões de que inclusive Trump seria preferível ou mais conveniente para a relação bilateral. E para cúmulo, alguns até empregam os argumentos pseudo-legalistas dos estrategistas de Trump para justificar sua posição em relação à pugna eleitoral estadunidense.

Conseguiu-se derrotar a um de seus líderes mais perigosos para o planeta, e é estranho que alguns progressistas ao outro lado da fronteira não se somem à festa

Shealah Craighead
Donald Trump em visita ao muro que mandou construir ao longo da fronteira entre EUA-México no Arizona.

Esse argumento em alguns circuitos progressistas no México e em outras partes da América Latina de que os democratas são iguais ou piores que os republicanos é compartilhado ou pelo menos é entendido por suas contrapartes aqui, mas nessa conjuntura esse não é o ponto. Se está lutando contra um projeto neofascista de uma direita com amplos vínculos com forças direitistas na América Latina e na Europa, ou seja, contra um inimigo comum. Esse é o ponto.  

Por ora, conseguiu-se derrotar a um de seus líderes mais perigosos para o planeta, e é estranho que alguns progressistas ao outro lado da fronteira não se somem à festa ou pelo menos enviem felicitações aos que travaram essa luta. 

Parece que de repente funciona o muro de Trump para a esquerda. De repente os que estão em luta contra as mesmas forças da direita, tanto nos Estados Unidos como no México e outros países latino-americanos, são separados por uma barreira. Isto não se trata de cúpulas nem de posições oficiais (embora pareça que há alguns progressistas mareados lá em cima) mas sim de luta populares democratizantes e desses princípios básicos de qualquer um que se identifique como progressistas: a solidariedade e o internacionalismo. 

Aqui esse inimigo chegou ao poder declarando que os mexicanos eram criminosos e por isso era urgente construir um muro para barrar seu ingresso, foi quem deu ordens para arrebatar crianças dos braços de seus pais para coloca-los em jaulas, quem estabeleceu um estado de terror permanente contra os imigrantes obrigando pais a se despedirem de seus filhos a cada dia, recordando a eles que se não voltassem pra casa era porque tinham sido detidos pela migra – com esse terror cotidiano vivem as crianças. Isso dá na mesma? 

Ao que parece, alguns no México e na América Latina que lutaram pela democratização de seus países, pelos direitos humanos e civis, contra a censura e os ataques à imprensa, por um planeta sustentável, pela água, pela saúde, por um salário digno, contra a repressão, se esqueceram que têm suas contrapartes nos Estados Unidos que lutam, e por séculos, por essas mesmas coisas – sim, em diferentes circunstâncias, condições e mais, mas afinal de contas essencialmente pelo mesmo.    

O que estão em luta contra esse projeto neofacista e/ou neoliberal em um país são por definição aliados do que lutam contra esse mesmo monstro em seus países. É assim de simples. É um princípio básico de quem se diz progressista, não? Uma injustiça contra um é um injustiça contra todos, se dizia. 

O que acontece conosco?  

La Jornada, especial para Diálogos do Sul — Direitos reservados.

Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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