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Possível vitória de Arévalo na Guatemala dá esperança a ativistas indígenas exiladas

Andrea e Lucía Ixchiú tem uma longa trajetória de lutas em prol das mulheres e meninas guatemaltecas, servindo de adubo para movimentos como o Semilla
Blanche Petrich
La Jornada
Cidade da Guatemala

Tradução:

O processo eleitoral da Guatemala, que de forma inesperada pôs no umbral da presidência Bernardo Arévalo, um candidato que se define social-democrata, com uma marcada agenda anticorrupção, “nos deu aos exiladas muita esperança de poder regressar ao nosso país”, sustentam Andrea e Lucía Ixchiú, duas irmãs que são, segundo se definem, “duas garotas indígenas, rebeldes e, além do mais, ativistas digitais nerds”.

Quichés da serra de Totonicapán, tinham vinte anos em 2011 quando começaram a se destacar como organizadoras e oradores nas grandes concentrações populares que saíram às ruas exigindo o desaforamento e o julgamento contra os então presidentes Otto Pérez Molina e Roxana Baldetti. O Comitê Internacional contra a Impunidade na Guatemala (CICIG) havia revelado enormes casos de corrupção operados a partir do Palácio Nacional. 

Hoje Pérez Molina e Baldetti estão presos. Mas as irmãs Ixchiú estão no exílio.

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Articulando seu ativismo através do grupo “Festivais solidários”, com outros coletivos juvenis contraculturais e variadas organizações sociais, mantiveram durante 10 anos o protesto e a música nas ruas: pediram o desaforamento e o julgamento contra o presidente Jimmy Morales, depois contra o atual mandatário Alejandro Giammattei. Se rebelaram contra o patriarcado, o extrativismo e a depredação dos bosques, a repressão e a corrupção. Lutaram pelos direitos humanos das meninas e das mulheres. Esse clima de protesto e resistência abriu a brecha que agora desemboca no entusiasmo popular pelo Movimento Semilla.

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A prisão do general Pérez Molina, que sendo coronel do exército foi um dos operadores da terra arrasada que dizimou o triângulo Ixil, e que sendo presidente armou uma trama de corrupção massiva nas aduanas, foi, nas palavras de Andrea Ixchiú, “uma grande vitória pela narrativa. Demonstramos que quando há vontade se pode sim vencer a corrupção”. 

Ela estudou Biologia, depois Direito, Comunicação e agora é cineasta. Não tinha ainda 30 anos quando recebeu o bastão de mando como autoridade do Conselho dos 48 cantões de Totonicapán, a organização quiche mais influente, integrada em sua maioria por anciãos. Foi protagonista do documentário “500 anos”, parte de uma trilogia da cineasta estadunidense Pamela Yates. Foi fundadora e repórter de Prensa Comunitária, o único meio que informa para os territórios indígenas

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Ademais, é baterista (o seu ritmo é o punk), também faz cinema, tem uma argola no nariz e quando decide pôr o traje típico de sua região o faz com minissaia e botas mineiras. Tem 35 anos e teve que sair para o México em 2020, por recomendação de seus advogados, que descobriram na Promotoria-Geral, que é dirigida por Consuelo Porras, que estavam “armando um caso” para metê-la na prisão, acusada sem provas de incendiar o Congresso. 

Lucía, sua irmã, estudou arquitetura na Universidade de San Carlos e foi a primeira mulher indígena na liderança estudantil que se levantou para impedir a nomeação de um reitor espúrio. Ela também foi perseguida e buscou asilo na Espanha. Tem em um braço, como bracelete, uma tatuagem com o desenho do corte tradicional de Toto, sua maneira de levar sua terra com ela.  

Andrea e Lucía Ixchiú tem uma longa trajetória de lutas em prol das mulheres e meninas guatemaltecas, servindo de adubo para movimentos como o Semilla

Foto: Reprodução/Twitter
O que aconteceu nas ruas na última década, cheia de mobilizações e marchas massivas é o relato de suas próprias vidas

“Caminhem, garotas”

Quando tiveram que acatar a recomendação de sair da Guatemala depois dos primeiros e vertiginosos meses da pandemia em 2020 – cheias de protestos, ativismo, ameaças e até surras – toda a família Ixchiú se reuniu na casa paterna com um sacerdote maia em uma cerimônia para a partida. “O avozinho nos disse: lhes fecham as portas da Guatemala, mas lhes abrem as portas do mundo. Caminhem garotas”. 

Agora, a partir do México, se assomam ilusionadas às redes socais e aos meios informativos que dão conta da virada política em marcha no seu país. 

Para transformar Guatemala, Semilla deve abraçar luta indígena e camponesa

“Arévalo é o único candidato com legitimidade aos olhos de nossos povos. Com o Movimento Semilla, que teve sete cadeiras na legislatura que está por concluir, foi o único que realmente fez oposição ao governo corrupto de Alejandro Giammattei”. 

Vibram com as notícias dos pronunciamentos de quase todas as organizações indígenas de sua região e muitas outras – Verapaz, Quetzaltenango, Sacatepéquez, Quiché – que prometem mobilizar o voto a favor da dupla Bernardo Arévalo, e Karim Herrera para vice-presidenta. Em diálogo recente, que os dois candidatos sustentaram com autoridades ancestrais dos povos chortí, quiché, mam, pocoman, poqomchi, achii, q´eqchi’, kaqchikel, tzutujil e garífuna, explicaram a profundidade seu plano de governo, sua visão de país, seus desafios e suas aspirações. 

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Afirmam que isso é o que precisamente faz falta nesse momento, que o Movimento Semilla, um partido que atrai principalmente o interesse das classes médias urbanas, aproveita a esperança que despertou nos territórios indígenas e campesinos, onde por inércia, desde a presidência de Álvaro Colom, a população rural vota principalmente pela Unidad Nacional de la Esperanza (UNE) de sua concorrente Sandra Torres. 

O que aconteceu nas ruas na última década, cheia de mobilizações e marchas massivas é o relato de suas próprias vidas.

Começou em 2015. Os escândalos de corrupção do presidente e sua vice-presidenta indignavam a população. Baldetti havia cometido fraude com uma empresa farmacêutica que devia vender tratamentos de hemodiálise ao instituto de seguridade social guatemalteco. Mais de 50 pacientes morreram por falta do medicamento. E houve o caso de “La Linea”, um esquema de defraudação em aduanas operado pelo presidente. Com seu alto-falante nas mãos, Andrea Ixchiú se pôs à frente do movimento que conseguiu tirar o governo. 

Em 2012, um grupo de jornalistas fundou o Prensa Comunitária, que tem crescido em influência nos territórios. Andrea e Lucía faziam reportagens. Enquanto isso, CICIG tinha suas entrevistas coletivas semanais, às quintas-feiras, verdadeiras cátedras de corrupção e poder. No ano seguinte foi o julgamento por genocídio do general Efraín Ríos Montt. Uma cada vez mais poderosa Fundação contra o Terrorismo atacou com fúria os relatos dos massacres dos ixiles com um movimento propagandístico “Não houve genocídio”. Nas ruas, os jovens da resistência enfrentavam os “camisas brancas”, os negacionistas. 

Esta fundação de ultradireita empreendeu campanhas de desprestígio, cheias de racismo e violência sexual, contra as garotas Ixchiú, incluindo ameaças de morte.

O currículo destas garotas seguiu somando: protestos contra a massacre da chamada “Cúpula de Alaska”, em seu amado Totonicapán, mobilizações pelo incêndio de “Hogar Seguro”, uma casa de acolhida de meninas e adolescentes, onde 41 meninas morreram queimadas, concentrações contra a expulsão do CICIG em 2019.

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Em 2020, “estávamos preparando um festival contra a mineração e veio a pandemia e o encerramento”. Um dia Andrea debruçou na janela de sua casa, que domina o vale de Totonicapán. Em todas as casas tremulava uma bandeira branca: sinal de que já não tinham o que comer. “Adeus confinamento. Saímos, nos organizamos: comedores, panelas comuns, máscaras de fibra de milho. Estávamos sozinhos. O governo roubava a ajuda, vacinava com medicamento vencido, implantou um bônus solidário que só beneficiou a classe média. É preciso dizer que na fronteira México, o Estado mexicano vacinou mais guatemaltecos que nosso próprio governo”. 

Cada um desses relatos, vistos em seu conjunto, parecem ser o adubo do que hoje move o Movimento Semilla.

Blanche Petrich | La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.
Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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