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Palestinos retornando para Gaza em 27 de janeiro de 2025 (Foto: Majdi Fathi / Facebook)

Povo palestino desafia o mundo e reescreve a história de seu Holocausto em Gaza

A ameaça ainda não acabou, pelo contrário, o Holocausto Palestino continua e não há tempo para baixar a guarda; resta saber se o mundo permanecerá inerte ou está pronto para fazer justiça ao povo palestino
Marcos Feres
Diálogos do Sul Global
Rio de Janeiro (RJ)

Tradução:

Escrevo este texto ainda inebriado pelas imagens históricas de um milhão de palestinos retornando para o norte de Gaza após 479 dias de Holocausto Palestino. Prometo ser breve. Ainda há muitos textos a escrever. Porém, há algo especial e mágico nas cenas que testemunhamos hoje, e aqui tomo a liberdade de apenas tentar colocar em palavras a emoção que me atravessa e que acredito atravessar outros milhões de palestinos em todo o mundo.

Corredores humanos com palestinos carregando junto ao corpo seus pertences remetem, em nossa memória, aos piores momentos da história palestina: a Nakba, Catástrofe, a limpeza étnica da Palestina entre 1947 e 1951, com mais de 750 mil palestinos expulsos de suas casas. Minha avó era um deles. Nunca pôde voltar. Depois, a Naksa, o revés, quando sionistas “completam o serviço” e ocupam os 22% que ainda não haviam roubado da Palestina Histórica. O ano é 1967. Outros mais de 300 mil palestinos foram expulsos de casa para nunca mais voltar. Quantos outros ciclos de expulsão massiva de palestinos, a população originária desta terra entre o Mar Mediterrâneo e o Rio Jordão, não testemunhamos nas últimas quase oito décadas?

A limpeza étnica da Palestina é um processo contínuo. Diário. Metódico. Há 78 anos, todos os dias palestinos são expulsos de sua terra ancestral. No Holocausto Palestino, não foi diferente. Mais de 90% da população de Gaza foi deslocada pela força, múltiplas vezes, desde 7 de outubro de 2023. Pelo menos 73% dos 2,3 milhões de palestinos de Gaza já eram refugiados da Nakba. O destino final era conhecido e declarado publicamente pelos genocidas de Tel Aviv: Egito. Tendas no Deserto do Sinai. O mundo que se virasse para lidar com essa população genocidada, feita refugiada mais uma vez para satisfazer os delírios supremacistas, racistas e coloniais desta gangue assassina que se autoproclama “israel”.

Mas hoje, não. Pela primeira vez na história, neste 27 de janeiro de 2025, a multidão de palestinos marchava, muitos deles descalços, mas não fugindo de suas casas. Imagens que reescrevem a Nakba e a nossa memória coletiva da expulsão. Palestinos estão retornando às suas casas, mesmo que sejam escombros, uma vez que 95% da infraestrutura civil do enclave palestino foi reduzida a pó. Mas nem isso é capaz de tirar o peso da imagem de triunfo que desafia a história e contrasta com a paisagem apocalíptica de Gaza, dizimada pelos israelenses.

Na marcha do retorno palestino, um grito ecoa: “Vamos reconstruir Gaza ainda mais bonita do que era antes!”. As bombas estadunidenses, britânicas e alemãs que “israel” jogou às toneladas sobre o enclave palestino podem até destruir o concreto, mas são incapazes de quebrar o espírito e a perseverança inabalável do povo palestino. Palestinos estão perfeitamente cientes do que encontrarão no norte: escombros, devastação, cadáveres. O cheiro de Gaza é o odor dos corpos padecendo há meses nas ruínas do que já foram vibrantes cidades e vilarejos. Mesmo assim, estes palestinos voltam para casa com um sorriso no rosto, vibrando e cantando porque honraram a promessa eterna que fizeram aos nossos ancestrais: não deixaram a história se repetir. Permaneceram na terra e de lá gritam ao mundo: “Não vamos sair.”

Como uma fênix, palestinos se levantarão dos escombros para reconstruir e renovar Gaza

Essa ameaça ainda não acabou, pelo contrário. Nesta semana mesmo, Donald Trump escancarou mais uma vez o plano do consórcio do extermínio, agora liderado por ele e Netanyahu: “Limpar a coisa toda”, se referindo a Gaza. Mandar milhões de palestinos para o Egito e a Jordânia. O Holocausto Palestino continua e não há tempo para baixar a guarda. Resta saber se o mundo permanecerá inerte e permitirá tal atrocidade, da mesma maneira que assistiu inerte à aniquilação de palestinos por mais de 15 meses.

Prefiro acreditar que o 27 de janeiro de 2025 entrará para a história como o início da subversão da Nakba, o processo irreversível de retorno de milhões de palestinos, dos campos de refugiados, da diáspora e de todos os cantos do mundo à sua terra ancestral. De libertação da Palestina. Do Rio ao Mar, de Gaza à Galileia. Que a Nakba, a Catástrofe, se tornará Al-Awda, o Retorno. Que Gaza será o cemitério do projeto colonial de nome fantasia “israel” e dos delírios degenerados supremacistas, genocidas e racistas dos maiores criminosos que a humanidade já conheceu: os sionistas.

Por fim, uma curiosidade (ou ironia?) emblemática: 27 de janeiro também marca um outro acontecimento histórico, a libertação de Auschwitz, o maior campo de extermínio do regime nazista, pelas forças soviéticas, em 1945. Nesta segunda-feira (27), celebrou-se o Dia Internacional de Memória do Holocausto [euro-judeu]. Exatos 80 anos depois, o 27 de janeiro se torna também o dia da libertação do norte de Gaza, o maior campo de extermínio da história. Entre as coincidências, há uma grande diferença. No Holocausto Palestino, ao contrário da Segunda Guerra Mundial, quando o mundo se uniu para frear o nazismo, os palestinos lutaram sozinhos, não apenas contra “israel”, mas contra as maiores potências do mundo. Palestinos desafiaram o mundo e reescrevem a história com sangue e lágrimas. E agora, o mundo está pronto para fazer justiça para o povo palestino?

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Marcos Feres Jornalista brasileiro-palestino e secretário de Comunicação da Federação Árabe Palestina do Brasil (FEPAL).

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