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Povos Originários: Sabedorias milenares que deveríamos adotar como exemplos

Nenhuma universidade ensinará tanto como a sabedoria dessas mãos milenares, desses lábios que compartem de geração em geração
Ilka Oliva Corado
Território dos EUA

Tradução:

Se pelo menos tivéssemos um pouco de cabeça e com isso a capacidade básica de raciocínio, entenderíamos que os Povos Originários são tudo e que nós nos devemos a eles, mesmo que tenhamos chegado à cúspide da educação superior ou da falsificação; pois somos seres plásticos e de aparências. Prioridades para muitos de nós que acreditamos que somos de outra paisagem e que está muito longe a raiz da cepa de onde viemos.

Se pelo menos a infinidade de leituras de livros de autores famosos que costumamos fanfarronear nas redes sociais nos servissem de algo. Se pelo menos a infinidade de destinos turísticos e viagens em primeira classe que costumamos presumir nas redes sociais nos servissem de algo. Se os mestrados, se os doutorados nos servissem de algo mais que para confraternizar com gente que como nós também se crê de outra paisagem.

Se pelo menos servisse de algo o bom gosto pela comida fina e pelas bebidas luxuosas que costumamos presumir em redes sociais, nosso bom tino para gritar aos quatro ventos que nossa economia é estável, que nós podemos nos dar luxos que outros não. Luxos em um mundo de plástico e aparências muito longe daquele dos Povos Originários.

Se tudo isso servisse para algo saberíamos que estamos perdidos, que nos lançaram ao cú do abismo e que seguiremos rodando sem parar em um vazio sem fim onde as massas amorfas que conformamos se convertem em cortiça. Que somos os novelos, as marionetes, os fios que outros movem para sua conveniência, criando-nos uma ilusão fantasmagórica do que é o progresso.

Nenhuma universidade ensinará tanto como a sabedoria dessas mãos milenares, desses lábios que compartem de geração em geração

Brasil 247
Oxalá que antes que seja tarde para nós, um dia aprendamos a ser agradecidos e aprendamos a vê-los além do folclore

Acreditamos que eles não têm carro, que não têm loções finas, que não têm carreiras universitárias, que não comem em restaurantes cinco estrelas, que não viajam em primeira classe, que não tiram férias ao redor do mundo, que não sorriem para ficar bem, que não fingem para se encaixar, que não se juntam para obter, que não se avantajam aos demais, que não dão rasteira para ganhar, que não fanfarronam um prato de comida e que desconhecem o mundo das redes sociais, o das pretensões e o do que dirão: são os incultos e manipuláveis.

Acreditamos que os rótulos são os que nos fazem, então vamos pela vida como: graduados, doutores, cientistas políticos, que não sei que, quando e etecetera e tal… E somos o cúmulo da ignorância, porque se os rótulos nos servissem de algo saberíamos que estamos cagados, que nunca fomos, que somos produto  de um sistema de classes que nos tem manejado à sua vontade. Saberíamos que esses povos que nós só vemos como folclore são tudo. Saberíamos que nenhuma universidade nos ensinará tanto como a sabedoria dessas mãos milenares, desses lábios que compartem de geração em geração poções, lendas, sistemas sociopolíticos, conhecimento ancestral que nenhuma educação superior poderá igualar nunca. Porque antes das universidades, dos automóveis, dos aviões, das invenções deste mundo de aparências e de compra e venda, já existiam os Povos Originários.

Se tivéssemos a humildade, o agradecimento, o entendimento e o coração aberto aprenderíamos muito deles porque não houve, não há e não haverá gente tão capaz, humilde, inteligente, honesta e solidária como a dos Povos Originários. E deste lado, nesta paisagem longínqua, muito longe da cepa, onde estamos nós o medíocres e fanfarrões, onde pululam os títulos, os rótulos, as fotografias com filtros, a barbaridade das redes sociais, nunca teremos o nível de consciência, de solidariedade, nem de conhecimento que têm os Povos Originários.

Passaremos nós, insignificantes, como partículas de pó na imensidão da atmosfera e do tempo, e eles permanecerão. Não, não nos necessitam, eles são autossuficientes, em troca nós somos umas marionetes de plástico que com o calor se derretem, eles em troca são a permanência e a origem. Oxalá que antes que seja tarde para nós, um dia aprendamos a ser agradecidos e aprendamos a vê-los além do folclore que este sistema racista nos impôs. Seríamos outra humanidade.

*Colaboradora de Diálogos do Sul de território estadunidense

Tradução: Beatriz Cannabrava 


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Ilka Oliva Corado Nasceu em Comapa, Jutiapa, Guatemala. É imigrante indocumentada em Chicago com mestrado em discriminação e racismo, é escritora e poetisa

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