“Não tem dinheiro, não tem água.” A fala direta e contundente do sociólogo e ativista Roberto Malvezzi resume o que está em jogo na nova fase da transposição do Rio São Francisco. Em entrevista ao Dialogando com Paulo Cannabrava desta terça-feira (6), Malvezzi denunciou a Parceria Público-Privada (PPP) anunciada pelo Governo Lula para administrar os canais do projeto, afirmando que a medida vai, na prática, privatizar o uso da água e transformar um bem essencial em produto controlado pelo mercado.
A promessa inicial de levar água para 12 milhões de pessoas em situação de vulnerabilidade no semiárido foi abandonada, assevera o entrevistado. “70% da água é destinada ao agronegócio e à indústria. Só 4% vai para a população mais necessitada”, explica. Para Malvezzi, isso cria um verdadeiro “mercado da água” no Nordeste, onde o acesso depende da capacidade de pagar: “A água da transposição será vendida no atacado, e a conta vai cair no colo da população.”
Atuando há mais de 40 anos no semiárido baiano, o militante da Comissão Pastoral da Terra (CPT) critica também o descaso com a revitalização do São Francisco: “Prometeram reflorestamento, saneamento, adutoras para comunidades ribeirinhas, mas nada foi concluído. Enquanto isso, mais de dois bilhões de reais serão repassados a uma empresa privada para gerir os canais.”
Ele reforça que a lógica por trás da transposição é a do “hidronegócio”, conceito forjado pela CPT para nomear o sistema de exploração econômica da água. “O mesmo discurso que transformou a terra em commodity está sendo aplicado à água. O capital inventa uma nova narrativa: diz que a água é escassa e precisa ser bem gerida — o que significa privatizada”, destaca.
Malvezzi também alerta que o modelo atual é insustentável: “O São Francisco perdeu quase 40% de seu volume. Sem revitalização, o rio vai secar.” Nesse sentido, ele propõe soluções alternativas baseadas em tecnologias sociais de captação de água da chuva, saneamento rural e recatingamento de áreas degradadas. “Já temos um milhão de cisternas instaladas. É isso que muda a vida das pessoas, e não grandes obras voltadas ao lucro.”
Por fim, ele cobra uma reação dos governadores do Nordeste, que hoje dependem da água do São Francisco. “Se eles não se unirem para exigir a revitalização, vão matar a galinha dos ovos de ouro.”
A entrevista completa está disponível no canal da TV Diálogos do Sul Global no YouTube: