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ToggleAnalistas e organizações civis em El Salvador criticaram o anúncio, feito em 3 de fevereiro pelo presidente Nayib Bukele, de que seu país receberá condenados nos EUA, estadunidenses e de outras nacionalidades, para serem encarcerados no país centro-americano, como parte de um acordo com o governo de Donald Trump.
“Não há nenhuma clareza sobre o alcance desse convênio”, disse ao jornal La Jornada o advogado e comentarista político Marvin Maravilla, em referência à falta de informações sobre como esse plano será implementado em aspectos-chave, como o encarceramento de pessoas que cometeram crimes nos Estados Unidos e foram julgadas lá.
Há um preceito na Constituição de El Salvador, acrescentou o advogado, que afirma que ninguém pode ser privado do direito à vida, à liberdade e aos seus bens sem ter sido ouvido e vencido em um julgamento de acordo com as leis salvadorenhas, e não de outros países.
Existem outros entraves legais, observou Maravilla, como os direitos da população reclusa nos Estados Unidos, por exemplo, o direito a visitas de familiares e amigos, algo que está restrito em El Salvador por uma lei de 2016, o que poderia gerar processos nos tribunais estadunidenses para garantir esse direito.
Acordo ainda é “nebuloso”
Bukele concordou em abrir as prisões salvadorenhas para abrigar condenados estadunidenses em troca de um pagamento, cujo valor não foi divulgado, em meio a muitas dúvidas sobre os detalhes legais e operacionais do acordo firmado na semana passada em San Salvador com o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, durante sua visita à América Central.
Além disso, El Salvador continuará recebendo seus cidadãos deportados, mas também imigrantes indocumentados que tenham cometido crimes nos Estados Unidos, independentemente de sua nacionalidade, incluindo membros de grupos criminosos como a MS-13 e o Tren de Aragua, este último de origem venezuelana, afirmou Rubio ao final da assinatura de um acordo sobre o apoio dos Estados Unidos ao desenvolvimento de uma usina nuclear em El Salvador.
Existe ainda a preocupação de que membros dessas organizações criminosas possam estabelecer novas formas de operação a partir das prisões salvadorenhas. “Membros do Tren de Aragua já corromperam sistemas carcerários em outros países, que são muito frágeis”, destacou Maravilla.
Também não se sabe o que acontecerá com essas pessoas ao final de suas penas em El Salvador, e a dúvida é se permanecerão no país ou se serão obrigadas a deixá-lo.
Acordo “não tem precedentes”, diz Bukele
Isso preocupa muito a população salvadorenha, a julgar pelas opiniões expressas em programas de rádio, televisão e nas redes sociais. Muitos temem que, após décadas sob o domínio das violentas gangues salvadorenhas – MS-13 e Barrio 18 –, responsáveis por assassinatos, extorsões e uma série de outros crimes, novas estruturas criminosas possam se configurar. No entanto, Bukele qualificou o acordo migratório “sem precedentes”.
Em suas redes sociais, o mandatário escreveu: “Estamos dispostos a receber apenas criminosos judicialmente condenados (incluindo estadunidenses) em nossa mega prisão (Cecot), em troca de uma tarifa por pessoa”, referindo-se ao Centro de Confinamento do Terrorismo, inaugurado em fevereiro de 2023 e projetado para abrigar até 40 mil detentos.
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A política de mão dura de Bukele conseguiu desarticular, desde março de 2022, as duas gangues mais violentas e disseminadas do país, a MS-13 e o Barrio 18, a ponto de torná-las quase inexistentes, o que lhe garantiu amplo apoio popular, em torno de 80%, segundo várias pesquisas.
Atualmente, cerca de 84 mil pessoas acusadas de pertencer a esses grupos criminosos foram presas e encarceradas em diversas prisões do país, incluindo o Cecot.
Abusos e violações de direitos humanos
No entanto, há muitas denúncias de prisões de pessoas inocentes, sem qualquer vínculo com quadrilhas, assim como de abusos e violações de direitos humanos dentro das prisões.
O presidente salvadorenho acrescentou que a tarifa paga pelo governo dos EUA seria relativamente baixa, “mas significativamente alta” para El Salvador. Parte desse fluxo de dinheiro seria destinado ao sistema de saúde do país, indicou.
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Ruth López, da organização de direitos humanos Cristosal, afirmou em uma entrevista televisiva em 3 de fevereiro que, em vez de firmar um acordo puramente mercantilista, o presidente Bukele deveria ter garantido benefícios migratórios para os milhares de salvadorenhos que vivem irregularmente nos Estados Unidos e que enfrentam o risco de deportação, intensificado com o novo mandato de Donald Trump.
“Estamos em uma situação de soberania pré-paga. Em vez de cobrar por receber essas pessoas, deveríamos ter negociado uma condição migratória regular para nossos compatriotas”, destacou López.
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Por sua vez, Rubio declarou, em São José, na Costa Rica, terceira parada de sua viagem pela América Central, que ninguém havia feito uma proposta como a de Bukele. Mas acrescento: “obviamente, teremos que estudá-la. Há questões legais a considerar”.
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