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Montagem: Diálogos do Sul Global*

Pressão? Após sanções do Chile contra Israel, Rubio telefona para Boric, mas presidente não atende

No último domingo (1º), Boric anunciou que as FFAA do Chile deixarão de comprar armas de Israel, e também responsabilizou Netanyahu por operar um genocídio em Gaza

Aldo Anfossi
La Jornada
Santiago

Tradução:

Beatriz Cannabrava

No último dia 30, o secretário de Estado dos Estados Unidos, Marco Rubio, ligou para Gabriel Boric pouco depois de o presidente do Chile ordenar a retirada de funcionários militares chilenos em Israel. Porém, o mandatário se recusou a atender o telefonema.

Segundo versões, foram duas tentativas, justamente quando circulavam rumores de que a retirada poderia ser o prelúdio de uma ruptura diplomática. A gestão de Rubio foi confirmada pelo chanceler Alberto van Klaveren, que informou ter sido ele quem acabou falando com Rubio, já que Boric estava ocupado.

“Não é incomum que um secretário de Estado fale com presidentes ou chefes de governo. Tampouco é incomum que o presidente se desculpe por estar preparando seu pronunciamento público, como era público e notório”, explicou.

“Como o presidente não estava disponível – e não considero isso uma falta de respeito ao secretário de Estado –, tivemos uma conversa da qual não posso revelar os detalhes; seria uma indiscrição. Foi de caráter diplomático, cordial, amável, amistoso”, acrescentou.

No domingo (1º), durante seu informe ao Congresso, o presidente anunciou que o Chile apoia um embargo de armas contra Israel, que as Forças Armadas deixarão de comprar equipamentos militares do país e que impulsionará uma lei para proibir importações oriundas dos territórios ocupados – Cisjordânia, Jerusalém Oriental e as Colinas de Golã –, além de responsabilizar Benjamin Netanyahu por praticar genocídio e limpeza étnica em Gaza.

As decisões chilenas levaram o presidente do Comitê de Relações Exteriores do Senado dos Estados Unidos, Jim Risch, a afirmar que pode haver um impacto negativo na relação com o Chile.

Em abril de 2024, quando Rubio era senador e integrava o Subcomitê para o Hemisfério Ocidental do Comitê de Relações Exteriores, afirmou que “o Chile é um grande país, mas, lamentavelmente, atualmente tem um presidente anti-Israel/pró-Hamas e empresas do Hezbollah que operam em suas zonas de livre comércio”, em alusão a Boric.

Segundo ele, grupos criminosos transnacionais como o Tren de Aragua e o partido-milícia xiita libanês estão ativos no Chile, e o governo não presta atenção suficiente.

Sobre as aquisições de material bélico, a ministra da Defesa, Adriana Delpiano, detalhou que existem três contratos vigentes: um da Marinha para manutenção de armamento; outro da Força Aérea para reposição de peças de aviões; e outro do Exército para a compra de blindados.

As decisões adotadas levaram setores pró-Israel locais a acusarem o governo de estar “importando o conflito”.

A comunidade palestina no Chile é estimada em aproximadamente 500 mil pessoas, a maior fora do mundo árabe, enquanto se calcula que haja cerca de 20 mil pessoas de ascendência judaica.

Boric: “genocídio” e “limpeza étnica” contra palestinos

No último domingo (1º), Boric anunciou o respaldo do Chile a um embargo internacional de armas contra Israel, “para que deixe de matar crianças”, cujo governo acusou de praticar um “genocídio” e “limpeza étnica” contra o povo palestino.

Ao falar diante do Congresso Pleno, na quarta e última prestação de contas de seu governo, também se comprometeu a, diante da contínua violação do direito internacional por parte de Israel, patrocinar e dar urgência ao projeto de lei que proíbe a importação de produtos provenientes de territórios (palestinos) ilegalmente ocupados.

Da mesma forma, a indústria militar israelense deixará de ser fornecedora das forças armadas chilenas, das quais depende fortemente, particularmente o Exército e a polícia militarizada.

“Dei instruções à Ministra da Defesa para que me apresente um plano de diversificação na área de defesa que nos permita deixar de depender de Israel nesse setor”, disse, entre fortes aplausos — mas também vaias e gritos de parlamentares.

Também recordou: “condenamos o terrorismo do Hamas e exigimos a libertação dos reféns que estão em cativeiro”.

Em meio à intensificação da destruição em Gaza e a reocupação da Cisjordânia pelo regime sionista, Boric determinou o retorno do embaixador em Tel Aviv, impediu a participação de Israel na Feira Internacional do Ar e do Espaço (Fidae) em Santiago, aderiu à denúncia apresentada pela África do Sul por violações à Convenção para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, solicitou junto com o México à Corte Penal Internacional que sejam investigados crimes de guerra e contra a humanidade em Gaza e, conforme mencionado, retirou os funcionários militares chilenos do Estado sionista.

Sobre seu governo

O pronunciamento de Boric no domingo também incluiu outros apontamentos sobre sua administração, admitindo: “houve sinais antecipatórios que não soubemos ler com clareza”. Isso, acrescentou, forçou o governo a “ajustar o rumo e a ênfase em relação” ao “programa original”.

Não foi “uma claudicação quanto aos motivos que nos levaram a entrar na política”, mas sim que “uma das virtudes do nosso governo foi a capacidade de ajustar suas prioridades sem abandonar seus princípios e ampliar seu espaço de alianças para tornar possíveis as transformações”, declarou.

Boric reconheceu ainda que não pôde executar seu programa “com a profundidade” que queria, mas destacou: “avançamos nessa direção, levando em conta as condições em que nos coube governar e a correlação de forças não apenas no Congresso, mas em todo o espectro social”.

O presidente reivindicou a explosão social de 2019 como “expressão de um legítimo mal-estar acumulado”, no qual “chilenos e chilenas exigiram o fim dos abusos, acesso a mais direitos e bem-estar e ter uma voz protagonista no futuro da pátria”. Já a direita, asseverou, “tentou ressignificar esse período como um mero exercício de violência desenfreada, chegando a chamá-lo de ‘explosão delituosa’, o que ignora as causas profundas que geraram o mal-estar”.

Direita chilena: pinochetismo e defesa de violadores de direitos humanos

A direita chilena, mais uma vez, tropeçou em seu histórico de justificativas e cumplicidade com a ditadura do general Augusto Pinochet (1973/90) ao rejeitar, de forma indignada, a decisão do presidente Gabriel Boric de acabar com o presídio de Punta Peuco como cárcere exclusivo para militares e civis condenados por crimes contra os direitos humanos. O local, agora, passar a encarcerar também réus comuns.

“Não existe justificativa alguma para esse privilégio. Dei instruções para modificar o decreto e transformá-lo em um presídio comum. Hoje estamos pondo fim ao Punta Peuco como o conhecemos. Isso implica que seus internos passarão a estar sob o mesmo regime do restante do sistema penitenciário”, afirmou Boric.

Evelyn Matthei, a candidata presidencial da coalizão Chile Vamos — que reúne, entre outros, dois partidos que sustentaram política e socialmente o regime pinochetista — reagiu declarando que, se vencer as eleições de novembro, bastará um decreto para reverter a medida. “O grande anúncio é a mudança de denominação em Punta Peuco. É um tremendo anúncio, imagino que vai mudar a vida de todos os chilenos”, ironizou, acrescentando que “não custa nada reverter essa decisão”.

Em abril, em uma entrevista de rádio, a candidata — conhecida por seu temperamento duro — justificou os assassinatos ocorridos durante o golpe de Estado contra o presidente socialista Salvador Allende. Segundo ela, “provavelmente, no início (da ditadura), em 1973 e 1974, era bastante inevitável que houvesse mortos, mas já em 78, em 82, quando continuam ocorrendo, aí já não, porque havia controle do território”.

“Era necessário. Senão, íamos direto para Cuba. Não havia outra alternativa”, disse Matthei, filha do general Fernando Matthei, membro da Junta Militar e comandante-em-chefe da Força Aérea.

Boric anunciou a medida no domingo (1º), durante seu último pronunciamento público.

Questionada pelo governo por meio da ministra porta-voz Aisén Etcheverry, que classificou a declaração de Matthei como um “retrocesso”, ela respondeu de forma ríspida: “que fique calada alguma vez”.

Matthei, no momento favorita para as eleições presidenciais de novembro, está em uma disputa acirrada com outros dois candidatos ultraconservadores e também pinochetistas: o republicano José Antonio Kast, que a persegue de perto, e o deputado Johannes Kaiser, do Partido Social Libertário — uma réplica do “mileísmo” argentino — que considerou que Boric fazia “uma demonstração de vingança contra as forças de ordem e segurança”.

O presidente do Senado e direitista Manuel José Ossandón também comentou o anúncio: “medida estúpida que não faz nenhum sentido. Isso é revanche, são vontades que o presidente quis se dar”.

Em Punta Peuco cumprem pena por crimes contra a humanidade 130 ex-agentes do Estado — de um total de cerca de 500 condenados —, todos idosos, em condições privilegiadas em comparação aos presídios comuns: celas individuais com sala de estar, cozinha, banheiro com chuveiro, acesso a eletrodomésticos e computadores. Sua criação, em 1995, se explica pela fragilidade da incipiente democracia — Pinochet foi comandante-chefe do Exército até 1998 —, para encarcerar os autores ideológicos do assassinato do ex-chanceler Orlando Letelier — morto em 1976 pela explosão de uma bomba sob seu automóvel na capital dos Estados Unidos —, como o general Manuel Contreras (falecido na prisão), ex-chefe da Direção de Inteligência Nacional (DINA), e o brigadeiro Pedro Espinoza, entre muitos outros.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul Global – Direitos reservados.

* Imagens na capa:
– Marco Rubio e Benjamin Netanyahu: Embaixada dos EUA em Jerusalém / Flickr
– Gabriel Boric: Alexandre Durao – G20 – Palácio do Planalto / Flickr


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Aldo Anfossi

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