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Selo comemorativo estadunidense de 1955 em alusão ao programa Átomos pela Paz (Imagem: Bureau de gravura e impressão - Correio dos EUA)

Programa nuclear do Irã foi inaugurado, financiado e instalado pelos EUA há 70 anos

Criado em 1953, programa Átomos pela Paz buscou transferir tecnologia nuclear para outros Estados além do Irã, incluindo Israel, Índia e Paquistão, num contexto de disputa com a URSS

David Brooks, Jim Cason
La Jornada
Washington

Tradução:

Beatriz Cannabrava

A origem do programa nuclear do Irã é estadunidense, incluindo o primeiro reator, a equipe científica para seu desenvolvimento e até mesmo o próprio material nuclear.

Em 1957, o programa federal estadunidense “Átomos pela Paz”, sob ordens do presidente Dwight Eisenhower, concedeu a base tecnológica e o treinamento inicial para o programa nuclear do Irã, por meio de um acordo com o xá Mohammad Reza Pahlavi.

Reza retomou o poder em 1953 mediante um golpe de Estado organizado pelas agências de inteligência dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha contra o líder democrático progressista Mohammad Mosaddegh. (De fato, a operação foi liderada por Kermit Roosevelt, neto do ex-presidente Theodore Roosevelt).

Em 1959, o xá fundou o Centro de Pesquisa Nuclear, com sede na Universidade de Teerã, e os Estados Unidos passaram a fornecer tecnologia, treinamento e material nuclear. Em 1967, Washington presenteou o Irã com um reator nuclear de pesquisa de 5 megawatts, juntamente com urânio enriquecido para essa planta.

O reator, localizado no Centro de Pesquisa, tinha a capacidade de produzir até 600 gramas de plutônio por ano. Mais tarde, Akbar Etemad, considerado o pai do programa nuclear do país, revelou que haviam sido realizados experimentos para produzir outros elementos que poderiam ser utilizados em armamentos, segundo relatou o Brookings Institution em um informe divulgado em 2013. Ainda se busca entender se Washington tinha ou não conhecimento sobre esses experimentos.

Vários dos que participaram de alguma forma do início e desenvolvimento do programa nuclear iraniano foram, anos depois, os mesmos que promoveram uma guerra contra o país, sob a justificativa do perigo representado por sua capacidade nuclear. Entre eles estavam Donald Rumsfeld e Dick Cheney — o primeiro viria a ser secretário de Defesa do governo de George W. Bush, e o segundo, seu vice-presidente. Também estava Paul Wolfowitz, que foi subsecretário de Defesa nesse mesmo governo, segundo um especialista iraniano citado pela Australian Broadcasting Corporation (ABC).

A corrida armamentista nuclear, que desde quase o início nos Estados Unidos levou à conquista da capacidade de destruir a existência humana no planeta, definiu em grande medida o equilíbrio geoestratégico nos últimos 70 anos (Imagem: Bureau de gravura e impressão – Correio dos EUA / Wikimedia Commons)

Nos anos 1970, os Estados Unidos continuaram promovendo o desenvolvimento da indústria nuclear no Irã e firmaram um acordo no qual Teerã se comprometeu a comprar oito reatores nucleares por um valor total de 15 bilhões de dólares, conforme recorda o professor Mohammed Sahimi, especialista em engenharia energética da Universidade da Califórnia, em entrevista à ABC. Esse pacto seria anulado pelo Irã no final da década, com a Revolução Islâmica que depôs o regime do xá.

Um dos objetivos do programa Átomos pela Paz era transferir tecnologia e promover o desenvolvimento da indústria nuclear em outros países, mas também estabelecer influência sobre essas nações. Sob esse mesmo programa, os Estados Unidos ofereceram assistência nuclear a Israel, Índia e Paquistão — todos desviaram essa ajuda nuclear “pacífica” para fins militares, segundo informou a Arms Control Association em uma avaliação do programa Átomos pela Paz feita há alguns anos. Outros países que também receberam ofertas de assistência para o desenvolvimento de indústrias nucleares incluíram Argentina, Brasil, Taiwan e Coreia do Sul.

O secreto Projeto Manhattan

Tudo isso tem origem no primeiro projeto para desenvolver armas nucleares: o famoso Projeto Manhattan, mantido em absoluto segredo pelo então presidente Franklin Roosevelt — seu próprio vice-presidente, Harry Truman, não sabia de sua existência até a morte de Roosevelt. Pouco depois de ordenar o primeiro uso de uma bomba atômica sobre o Japão, em 1945, Truman determinou que apenas os Estados Unidos deveriam se constituir como guardiões dessa nova força, elaborando um plano para controlar essa nova arma de destruição em massa.

Confira mais notícias na seção especial GUERRA ISRAEL X IRÃ

Naquela época, o próprio governo dos Estados Unidos considerava que o desenvolvimento da energia atômica para fins pacíficos era “intercambiável e interdependente”, e que não se podia confiar em nenhum país, pois programas nucleares pacíficos poderiam gerar o material necessário para uma bomba nuclear.

Objetivo: embate com URSS

Vários anos depois, quando a União Soviética já havia se juntado ao seleto clube das potências nucleares, Eisenhower decidiu promover seu programa em competição com o outro superpoder, oferecendo tecnologia nuclear a outros países. Anunciou seu programa Átomos pela Paz em 1953, na Organização das Nações Unidas, como uma grande iniciativa para desmilitarizar a energia nuclear e utilizá-la para o bem da humanidade.

A corrida armamentista nuclear, que desde quase o início nos Estados Unidos levou à conquista da capacidade de destruir a existência humana no planeta, definiu em grande medida o equilíbrio geoestratégico nos últimos 70 anos.

No caso dos Estados Unidos e do Irã, vale lembrar que a crise atual foi em parte consequência da decisão do presidente Donald Trump de anular, em 2018, durante seu primeiro mandato, o acordo bilateral firmado pelos dois países na presidência de Barack Obama. Embora tenha declarado que se tratava de um “mau acordo” e acusado o Irã de violá-lo, a decisão teve muito mais a ver com o desejo de descartar um dos maiores legados de seu antecessor.

EUA e Israel atacam Irã pois função do direito internacional é subordinar Sul Global

Ou seja, pode-se dizer que a chamada crise nuclear com o Irã começa e, por ora, termina em Washington. Trump, ao atacar o programa nuclear do Irã, deu continuidade a essa trajetória. De fato, as agências de inteligência dos Estados Unidos concluíram em março deste ano que o Irã não havia tomado a decisão de construir armas nucleares.

Mais ainda, observadores nos Estados Unidos, no Irã e em muitos outros países reconhecem que, se Teerã já possuísse armas nucleares, quase certamente Washington não teria se atrevido a bombardear o país, por temor de provocar uma guerra nuclear. Com isso, alertam alguns analistas, a Casa Branca está empurrando a nação iraniana a desenvolver o mais rápido possível uma bomba nuclear.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul Global – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.
Jim Cason Correspondente do La Jornada e membro do Friends Committee On National Legislation nos EUA, trabalhou por mais de 30 anos pela mudança social como ativista e jornalista. Foi ainda editor sênior da AllAfrica.com, o maior distribuidor de notícias e informações sobre a África no mundo.

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