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Fabiola Campillai: “Deve existir um compromisso real com as vítimas e com as famílias daqueles que foram assassinados pela ação de agentes policiais e militares” (Foto: Reprodução / Facebook)

Prometeu justiça, entregou repressão: senadora do Chile denuncia criminalização de protestos sob Boric

Segundo Fabiola Campillai, governo de Gabriel Boric foi na contramão das promessas de campanha: não garantiu reparação às vítimas de 2019 e aprofundou a violência do Estado contra manifestações

JC Contreras Jara
Resumen LatinoAmericano
Santiago

Tradução:

Ana Corbisier

No início de junho, no Chile, distintas organizações de direitos humanos romperam relações com o Governo de Gabriel Boric devido ao nulo avanço em matéria de justiça, reparação e garantias de não repetição em relação às vítimas de violência estatal durante a Explosão Social de 2019.

Sobre a decisão das entidades, e também sobre o golpe que o governo de Boric deu nas vítimas da violência estatal, conversou com o Resumen Latinoamericano a senadora independente Fabiola Campillai. Na entrevista, Campillai fala da gênese dos acordos hoje ignorados pelo mandatário, os quais foram pactuados não apenas durante a candidatura do presidente, mas também posteriormente à sua chegada ao poder.

Após a última prestação de contas pública de Boric, novamente os acordos relativos às vítimas de agentes do Estado durante a Explosão ficaram de fora. Desde janeiro, as distintas organizações de direitos humanos que, junto ao Executivo, formaram uma mesa de trabalho sobre o tema, esperavam o apoio do mandatário ao Projeto de Reparação Integral, mas este não chegou.

É neste contexto que anúncios como o de Punta Peuco (decisão de transformar um presídio especial para militares em um centro de detenção comum) resultam em um mero aceno simbólico, sobretudo considerando que será a próxima administração presidencial a responsável por colocar em marcha a iniciativa de Boric na questão — iniciativa esta que surge no último período de seu governo.

Em plena campanha do segundo turno, o então candidato Gabriel Boric solicitou se reunir conosco e pediu nosso apoio como sobreviventes. Nesse encontro, comprometeu-se com a justiça, com uma Comissão da Verdade e com uma lei de reparação para as vítimas. Já no governo, foi criada uma Mesa de Reparação Integral que presidi junto à ex-subsecretária de Direitos Humanos, Haydee Oberreuter. Durante um ano percorremos o país para recolher testemunhos e elaborar um informe detalhado que foi entregue ao presidente. Até hoje, esse informe segue láFabiola Campillai

A senadora e vítima da brutalidade policial exercida durante a Explosão acrescentou:

Diante da falta de avanços, em outubro do ano passado constituímos a Mesa de Direitos Humanos por uma Vida Digna, junto a agrupações de direitos humanos históricas e atuais. Elaboramos o projeto de lei de reparação integral, o qual – lamentavelmente – requer o patrocínio do Executivo. O presidente Boric recebeu o documento e comprometeu-se publicamente a entregar uma resposta em janeiro, mas quando chegou a data, não obtivemos respostaFabiola Campillai

A mesa de trabalho composta pela Rede Nacional de Sobreviventes da Explosão Social, a Mesa de Direitos Humanos por uma Vida Digna e a equipe de trabalho da senadora Campillai anunciou o rompimento com o Governo, apontando: “Deve existir um compromisso real com as vítimas e com as famílias daqueles que foram assassinados pela ação de agentes policiais e militares no contexto da Revolta Popular, e este governo já não o fez”.

Poucos direitos, muita repressão

Além das críticas à falta de cumprimento dos acordos assumidos por Boric em matéria de direitos humanos e da Explosão Social, a senadora falou do outro lado da moeda: a repressão, e como esta se fortaleceu com a administração do representante da Frente Ampla.

Aspectos como a Lei Antitomas, a Lei Naín-Retamal ou Gatilho Fácil e a permanência da polícia militarizada em território mapuche fazem parte dos indícios que o Governo entregou em relação ao aprofundamento das políticas repressivas. Sobre essa matéria, Campillai foi categórica:

Eu disse desde o início: este governo girou para uma agenda que criminaliza o protesto social, impulsionando projetos como a Lei Naín-Retamal ou, por exemplo, o que ocorreu há algumas semanas com as Regras do Uso da Força (RUF). Nessa votação, o Executivo não defendeu nem articulou seus senadores para resguardar elementos fundamentais, como a proibição de apontar ou disparar na cabeça. Não quero dizer que as RUF sejam ruins, ao contrário: precisamos que o uso da força esteja regulamentado por lei e não por regulamentos que podem ser modificados segundo quem esteja no poderFabiola Campillai

Campillai, que votou constantemente contra a extensão do estado de exceção no Wallmapu, mostrou-se decepcionada com Gabriel Boric e seu governo, que chegou ao poder justamente apoiado em promessas de justiça e reparação para as centenas de vítimas da violência estatal sistemática exercida durante a Explosão.

Sobre o compromisso anunciado em janeiro pelo Governo, quanto ao apoio ao Projeto de Reparação Integral, Fabiola Campillai conclui: “Enviaram a equipe da Subsecretaria de Direitos Humanos para pedir mais uma semana de prazo para refletir. Estamos às portas de junho, e a resposta ainda não chegou”.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

JC Contreras Jara

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