Pesquisar
Pesquisar
Pais e mães relatam que já não vivem apenas nas sombras, mas também sob um estado constante de incerteza (Protesto pró-imigrantes - Foto: Coalizão pelos Direitos Humanos dos Imigrantes - CHIRLA)

Protestos nos EUA | Pt. 2: Dor, lágrimas e desespero nas rondas anti-imigrantes

Operações ostensivas para identificar e prender imigrantes são verdadeiros espetáculos de terror para semear o medo contra vítimas vulneráveis… e funciona

David Brooks, Jim Cason
La Jornada
Washington

Tradução:

Beatriz Cannabrava

Este texto compõe uma série de três artigos sobre os protestos nos EUA. Leia também:
Protestos nos EUA | Pt. 1: Trump fomenta caos para justificar repressão e ampliar poder
Protestos nos EUA | Pt. 3: Claudia Sheinbaum e bandeira do México sob ataque

Os gritos de uma menina pequena enquanto agentes federais armados e mascarados cercam e algemam sua mãe, o choro de familiares que assistem, impotentes, à prisão de um pai ao sair de um tribunal de imigração em Nova York ou San Francisco, e as rondas em locais de trabalho na Flórida para prender trabalhadores da construção civil são imagens que se repetem por várias partes do país — e cuja característica comum é a crueldade.

Não são necessários agentes com aparência de tropas antimotim ou paramilitares armados para prender uma mãe, um funcionário de restaurante ou alguém que compareceu a um tribunal de imigração. Esse tipo de operação é montado como um espetáculo de terror, para semear o medo. E funciona. As vítimas são as mais vulneráveis. Os vídeos desses episódios tornam-se virais e têm um duplo efeito: por um lado, buscam documentar o que frequentemente são operações que violam a lei ou o direito ao devido processo; por outro, ajudam a propagar o terror oficial.

E o medo está presente em todas as conversas com imigrantes, de leste a oeste. Em entrevistas, pais e mães relatam que já não vivem apenas nas sombras, mas também sob um estado constante de incerteza principalmente quanto ao que acontecerá com seus filhos caso sejam detidos e deportados. As crianças perguntam repetidamente o que pode acontecer a cada dia que vão à escola ou veem seus pais saírem para o trabalho. É inevitável o medo de que talvez seja a última vez que os vejam, ou de que os pais não estejam presentes quando voltarem para casa. Todos os dias.

Uma mãe chora enquanto vários agentes mascarados a prendem em San Antonio, Texas, na frente de seu filho de cerca de sete anos, que, corajosamente, tenta consolá-la: “Fique tranquila, mãe. Estou aqui”. Os agentes a colocam em uma caminhonete para levá-la a um centro de detenção. “Por favor, por favor! Meus filhos estão sozinhos!”, chora outra imigrante enquanto é algemada por agentes ao sair de uma audiência em um tribunal de imigração também em San Antonio.

Esta é a tática da moda: colocar agentes nas saídas dos tribunais de imigração para capturar aqueles que estão cumprindo os requisitos legais ao apresentar seus pedidos de asilo ou solicitar autorização de residência. Os agentes são informados quando os juízes — que não fazem parte do Poder Judiciário, mas do Executivo, já que são funcionários do Departamento de Justiça — rejeitam os pedidos, deixando os solicitantes vulneráveis à detenção.

Desmonte de medidas pró-imigrantes

Enquanto isso, o governo Trump continua tentando revogar programas e leis que conseguiram proteger comunidades imigrantes. Seu governo reafirmou que buscará punir cidades, condados e estados que se declarem “santuários” — onde, por ordem ou lei local, é proibida a cooperação das forças de segurança locais com as agências federais de migração —, acusando-os de abrigar “criminosos” e colocar em risco a segurança nacional. Várias operações ostensivas anti-migrantes têm sido realizadas nesses locais, afirmou Tom Homan, o “czar da fronteira”.

Recentemente, o Departamento de Segurança Interna publicou em seu site uma lista com cerca de 500 “jurisdições santuário”, advertindo que sofreriam consequências. No entanto, pouco depois, a lista foi retirada do ar. Aparentemente, continha diversos erros, incluindo locais que estão cooperando plenamente com o governo federal. Ainda assim, essa iniciativa faz parte da ofensiva anti-imigrante da Casa Branca em todos os níveis.

O governo também tem anulado sistematicamente proteções temporárias obtidas por mais de 350 mil venezuelanos e dezenas de milhares de haitianos, cubanos, nicaraguenses, entre outros. Algumas dessas medidas estão em andamento, outras, suspensas momentaneamente por disputas e ações judiciais. Enquanto isso, quase um milhão de imigrantes que, nos últimos anos, usaram o aplicativo “CBP One” para solicitar asilo e entrar nos EUA, foram notificados, em abril, de que devem sair “imediatamente” do país. Além disso, o governo ameaça anular permissões e vistos de imigrantes “legais”, tendo já cancelado cerca de 1.500 vistos de estudantes estrangeiros — alguns dos quais foram até presos por participarem de protestos contra o genocídio de palestinos.

Embora o Departamento de Justiça, o Departamento de Segurança Interna e até a Casa Branca insistam que estão focados em deter e deportar “criminosos” e pessoas que representem “um perigo”, na prática, isso não se confirma. Todos os dias, seja em tribunais de imigração, locais de trabalho ou residências, a maioria dos detidos não possui antecedentes criminais.

As denúncias de abusos e violações de direitos são constantes: agentes invadem casas ou apartamentos, arrombam portas ou retiram pessoas de seus veículos sem apresentar a ordem judicial obrigatória. Até o momento, essas denúncias não conseguiram conter as ações das autoridades.

Mobilização cidadã

Diante da ausência de uma resposta da cúpula política democrata e de outros setores — com algumas exceções notáveis —, organizações locais e comunidades em todo o país se mobilizam para defender seus vizinhos e divulgar informações sobre os direitos básicos diante de agentes migratórios. Ativistas anunciam com alto-falantes quando a migração está presente, lembram aos residentes que não são obrigados a abrir a porta e que têm o direito de permanecer em silêncio, entre outros. Em alguns casos, amigos e vizinhos estadunidenses têm dificultado a perseguição aos imigrantes, ajudando-os a escapar dos agentes. Ativistas foram presos na frente de tribunais por confrontarem os agentes, como aconteceu recentemente em Manhattan.

Em uma escola de ensino médio em Milford, Massachusetts, centenas de estudantes saíram das salas de aula em protesto e para exigir a libertação de um colega, Marcelo, natural do Brasil, que chegou à cidade aos cinco anos de idade e foi detido por agentes de migração quando viajava com o time de vôlei para um treino.

Agora, até mesmo imigrantes que promoveram o voto em Trump — entre eles venezuelanos, cubanos e mexicanos — estão surpresos por estarem entre os perseguidos. Uma mulher latina que participou de atos de campanha de Trump, em um dos quais gritou “Te amamos!” enquanto ele a abraçava, declarou: “Fomos totalmente traídos e usados”.

“Onde estão os governos que dizem proteger os direitos dos imigrantes? Parece que só se importam com o dinheiro, com as remessas”, critica um veterano da luta pelos direitos dos imigrantes na Califórnia, em entrevista ao La Jornada. Ele aponta que o projeto de lei que inclui o imposto de 3,5% sobre remessas contém várias propostas prejudiciais às comunidades imigrantes, mas isso não está sendo denunciado no México, na América Central ou na América do Sul.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul Global – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.
Jim Cason Correspondente do La Jornada e membro do Friends Committee On National Legislation nos EUA, trabalhou por mais de 30 anos pela mudança social como ativista e jornalista. Foi ainda editor sênior da AllAfrica.com, o maior distribuidor de notícias e informações sobre a África no mundo.

LEIA tAMBÉM

O recado do Irã acabou a era da impunidade de Israel
Cannabrava | O recado do Irã: acabou a era da impunidade de Israel
BRICS municipalista como cidades do sul global estão moldando a nova ordem mundial (3)
BRICS municipalista: como cidades do sul global estão moldando a nova ordem mundial
Rússia pode contribuir para mediação no conflito Irã x Israel, afirma especialista
Rússia pode contribuir para mediação do conflito Irã x Israel, afirma especialista
Revolta em Los Angeles reflete hostilidade iniciada em 20 de janeiro por Trump
Começou em 20 de janeiro: revolta em Los Angeles reflete meses de hostilidade trumpista