Pesquisar
Pesquisar

Quem combate melhor a manipulação da notícia: o Império dos EUA ou a China comunista?

Será a nova guerra fria da informação o despertar de um novo modelo civilizatório?
Amaro Augusto Dornelles
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

Não é justo mantê-lo privado, já que não existe competição. Justamente por isso precisa de fiscalização intensa, confiável

A lógica tem sido econômica: quando não for possível haver competição é melhor que fique na mão do Estado. O mesmo tem que ser aplicado ao setor de informações.

E o que é pior: a inexistência de competição entre as chamadas “Big Techs”.

É possível existir capitalismo sem competição?

Big Techs monopolizam a informação, mas é possível existir capitalismo sem competição?

Em 1987 o Muro de Berlim/Bonn veio a baixo, junto com a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, URSS. Morria a Guerra fria – Nascia o Império onipotente do Norte.

Décadas de hegemonia depois, o planejamento econômico – levado a ferro, fogo e sangue pela República Popular da China – arrebata, a cada dia que passa, o lugar dos EUA como maior economia do Planeta. É a volta da contenda Capitalismo X Comunismo.

Do conhecimento à informação: novo modelo civilizatório na Era dos Coletivos de Solidão

Desde outubro do corrente ano, a imprensa internacional vem mostrando a forma pela qual a manipulação da informação – além da venda de dados pessoais de clientes da plataforma Facebook – flagrada induzindo britânicos a votar no Brexit – contemplam interesses do Império como se tivessem partido do Pentágono.

Fim do Capitalismo

O “modus operandi” da Rede Antissocial FB foi replicado com sucesso no golpe de Estado que derrubou Dilma Rousseff em 2016 e elegeu o ex-capitão – expulso da caserna por planejar estourar bombas no quartel para pressionar aumento de seu salário.

O professor *Paulo Feldmann, da USP, alerta: o que está mal pode ficar bem pior: “A Amazon tem praticamente o monopólio da nuvem (depósitos colossais que armazenam todo tipo de informação)”.

Assista na TV Diálogos do Sul

Microsoft , Google e outras ‘irmãs’ não ficariam atrás. Nesse tiroteio, os orientais estariam fazendo a coisa certa pra’cabar com o monopólio e suas ilicitudes – que minam o Capitalismo. A solução comunista foi simples: diante da importância estratégica da informação, somente empresas chinesas poderiam fazê-lo.

As irmãs norte-americanas foram impedidas de atuar na China. Para se contrapor, o governo chinês inicialmente estimulou quatro empresas privadas: AliBaba, Huawei, Tencent e Baidu. Por outro lado, ele lembra que no passado, os próprios EUA já quebraram monopólios – como o da AT & T – ressuscitando a concorrência no mercado. 

Para o professor Paulo Feldmann, a situação vivida tem de ser descortinada como um todo. E a questão central, entre os inúmeros problemas atuais da humanidade, o que mais assusta o planeta todo é o aquecimento global.

Mas o segundo lugar entre os países capitalistas está justamente no domínio crescente que poucas empresas possuem sobre o conjunto das informações. E o que é pior: a inexistência de competição entre as chamadas “Big Techs”.

É possível existir capitalismo sem competição?

Será a nova guerra fria da informação o despertar de um novo modelo civilizatório?

adunesp
Quem combate melhor a manipulação da notícia: o Império dos EUA ou a China Comunista?

Confira na entrevista.

Amaro Augusto Dornelles – Mas a economia planificada não é superior ao neoliberalismo irresponsável, que deixa a economia nas mãos do mercado e da concorrência; temor do que? 

Professor Paulo Feldmann – Setores muito importantes da economia mundial capitalista hoje são dominados por uma única empresa. São monopólios. Tais setores são responsáveis pelas informações. Está aí um problema muito sério – tem sido discutido muito na Europa – e aparentemente quem está mais avançado na busca da solução é a China. Ora, a China usa o Capitalismo – mas continua a ser Comunista – ao contrário do que prega a Direita. Ela usa o sistema para o próprio desenvolvimento econômico.

Os chineses dizem que o capitalismo para eles é apenas uma ferramenta operacional para distribuição e produção de produtos e serviços. Mas que precisa ser monitorado para não causar problemas à sociedade. Em junho último, no Congresso do PCC, Xi Jinping anunciou que agora a China está entrando na fase de consertar e ajustar essa ferramenta operacional chamada Capitalismo. Segundo Xi Jinping – presidente da República Popular da China (RPC) desde 2013 – um dos problemas centrais está no fantástico poderio das gigantes da informação.

No caso deles, AliBaba, Huawei, Tencent e Baidu. Justamente é o poder incrível de certas empresas no setor de informações que põe o sistema em alerta, sendo que na China as norte-americanas estão proibidas de atuar.

Mas só os vermelhos se preocupam?

É importante que o mundo perceba o que está acontecendo agora na China. As soluções que vierem a ser dadas pelos chineses serão as soluções adotadas pela maioria dos países Capitalistas. Veja a concentração de muito poder nas mãos de poucas pessoas e de raras empresas. É um problema muito sério, que realmente põe em risco o capitalismo. O mais incrível nisso tudo é que quem está atuando mais fortemente para reformar o capitalismo é um país comunista.

Os próprios EUA já souberam lidar com isso de forma adequada no passado. No século XIX, por exemplo, teve a questão do aço: duas ou três empresas dominavam o setor. Foi feita reforma, criaram-se pequenas siderúrgicas, de tal forma que passou a haver competição. O mesmo foi feito na área de telecomunicações, quando a AT & T foi dividida em várias empresas. Também com o objetivo de não permitir o domínio do segmento por nenhuma empresa.

Amazon Mina Capitalismo

O capitalismo tende a se concentrar em monopólios com o passar do tempo…

Monopólio é uma coisa muito ruim. A sociedade fica sem a competição entre as empresas, que impõe o preço desejado, assim como a qualidade. E isso é muito pior quando a gente fala de informação. O conceito correto para mim – que está sendo considerado agora pela China – é que informação é serviço público e monopólio natural.

O serviço de tráfego de informações – seja Google, Amazon, Facebook – tem de ser atribuição, serviço público. Trata-se de um serviço que sempre será monopólio, pois a economia de escala é muito grande e não há a mínima chance de pequenos sobreviverem, eliminando condições para haver competição. Se não há jeito de haver competição, então que seja um serviço público. Como tal, precisa ser planejado, organizado e administrado pelo Estado.

Falemos do Serviço de Tecnologia das Informações e principalmente do armazenamento de informações as famosas ”clouds”. São poucas empresas, hoje em dia, mas representam um risco muito grande pra economia mundial – por conta da posse de todo tipo de informação existente a respeito das empresas, dos consumidores e dos governos.

Qual a mais periculosa delas?

Sem dúvida é o caso da Amazon no mundo ocidental. E da AliBabá, seu equivalente na China. São empresas muito grandes, que detêm o monopólio do armazenamento das informações. No caso da Amazon, as pessoas desconhecem – sabem do varejo, grande vendedora de livros, roupas, remédios, eletrônicos e acham que a coisa fica por aí.

É interessante pois a população não se dá conta de que a Amazon cresceu de forma impressionante. Pra ter uma ideia, ela domina 20% no setor de roupas e de varejo no vestuário. Desbancou grandes magazines tradicionais, como Walmart, Macy’s, entre outros, que ditam as regras no mercado norte-americano.

O mesmo ocorreu com remédios, eletrônicos – livros nem se fala. Ela quebrou inúmeras livrarias nesses anos todos e hoje domina o setor com diferença enorme do segundo colocado. O mais incrível é que a atuação no varejo não é a atividade mais importante da Amazon.

Ela tem uma unidade de negócios com outra atividade – chamada AWS- Amazon Web Services – que trata da atividade da nuvem, que armazena quase toda informação do mundo ocidental de forma monopolista.

Pior: sem que haja nem controle nem acompanhamento por parte dos governos. Não é à toa que se fala que Jeff Bezos, o onipotente dono da Amazon, é, sim, o homem mais poderoso do planeta.

Informação: Serviço Público

Assista na TV Diálogos do Sul

Isso pra não falar na contrainformação, apelidada de Fake News pra suavizar a punga…

Pois é, veja a atividade do Facebook, por exemplo. Assim como o trabalho da Amazon, deveriam ser atividades públicas, pois existe uma questão fundamental – principalmente na operação do FB – das informações mentirosas que precisam ser fiscalizadas. Aliás, de alguma forma, o FB já se auto fiscaliza: por exemplo já existe determinação mundial para que o FB não permita o tráfego de alguns tipos de informação. Pedofilia é proibido.

Também atua contra atividades antidemocráticas. Agiram contra Trump nos EUA, a invasão do Capitólio, tomaram medidas contra Bolsonaro quando ele atacou Congresso e Democracia. Apesar de ser louvável que o FB faça isso, não é correto que esse tipo de ação seja conduzida por uma empresa privada.

O certo seria esse tipo de ação para proibir determinadas atividades evidentemente deveria ser público. Caso a manipulação e o armazenamento das informações passe a ser feito por agências governamentais, seria viável que a fiscalização de suas respectivas atuações fosse feita por empresas privadas de auditoria e fiscalização.

Mais ou menos como já ocorre hoje em relação às inúmeras atividades das empresas estatais, das quais a elaboração do balanço contábil talvez seja a mais típica. A lógica aqui em passar para o setor privado a fiscalização é por que trata-se de uma atividade onde a competição é pertinente e certamente não haverá economia de escala.

Assista na TV Diálogos do Sul

Boiada Monopolista

Mas sempre tem o risco de aparecer um Collor ou Bolsonaro, não é?

Claro que isso é muito perigoso, poderemos ter governantes autoritários, ditatoriais que poderão comandar tais empresas em benefício próprio. Tudo é muito complexo, difícil, mas no futuro vai caminhar para isso. Tenho certeza de que no futuro isso será um serviço público. Mais ou menos nos moldes do que ocorre com a BBC no Reino Unido.

No início a proposta de uma empresa estatal cuidando da comunicação foi muito criticada. Mas em pouco tempo foi aceita e nem a Margareth Thatcher cogitou privatizá-la. Claro que vai ter de mudar muitas coisas nos países, principalmente no nosso país, onde a democracia ainda é muito precária, jovem, com pouca experiência.

Em países mais experientes, maduros, como na Europa, é relativamente fácil fazer isso. A discussão lá está muito avançada. Esse é o caminho que a China está trilhando. Então, do ponto de vista da Amazon e do FB, não tenho a menor dúvida de que ambas deveriam se tornar empresas públicas.

A empresa de Mark Zuckerberg, FB, comanda o WhatsApp – a maior central de ‘Fake News’ do Brasil. Não podemos esquecer que Bolsonaro se elegeu graças às notícias mentirosas que circulavam no WhatsApp. Claro que o Whats é um meio perigosíssimo.

Não é justo mantê-lo privado, já que não existe competição. Justamente por isso precisa de fiscalização intensa, confiável. Na minha opinião a mesma poderá ser feita por empresas privadas independentes de auditoria e fiscalização.

E o resto da ‘boiada dos monopolistas’ 

Pois o Google – outra empresa complicada – também é monopolista, praticamente. A busca de informações virou monopólio. Pessoas pensam que o Google é uma empresa de busca de informação. Trata-se de uma empresa de publicidade, por sinal a maior do mundo.

Aliás, outro problema, também muito sério. Essa publicidade é igualmente dirigida pelo Google, quem paga melhor recebe as melhores posições quando a informação é divulgada. Ou seja, na hora em que você vai procurar a informação, a que você recebe é a de quem pagou para isso. Isso é publicidade pura e você acha que recebeu uma pesquisa isenta.

Mas é claro que a questão do Google seja menos importante – do ponto de vista de nossa preocupação com as ditas “FakeNews” – pois estas trafegam conduzidas pelo Facebook na estrada da Amazon e podem ser disseminadas até por ditadores.

Acho que o perigo maior está tanto na Amazon – pelo domínio que ela tem da nuvem – quanto no FB e seu WhatsApp. O caso Google também é complicado, pois também é uma empresa monopolista, importante, portanto, mas não tão perigoso para a sociedade quanto os outros casos.

Professor, explique em miúdos porque o sr. valoriza a postura chinesa nesta questão. 

Acho que o mais importante nessa questão toda é que a gente tem de apreciar com muita atenção o que está acontecendo na China. Ela está querendo saber o que está acontecendo com as diversas empresas de tecnologia (BigTech) e verificar se tudo isso deve seguir nas mãos de empresas privadas. Ou se elas devem se transformar em serviços públicos, na medida em que não é possível haver competição. Esta é a primeira questão.

A Segunda é se está correto tais empresas terem esse tamanho tão grande. É provável que não. E o que a gente lê sobre as iniciativas chinesas é que o governo pretende dividir as atuais empresas enormes e criar várias empresas menores. Elas se especializariam em diversas áreas.

No segmento nuvem, haveria , por exemplo, várias delas, para diversos setores. Nuvem para setor de automóveis, outra para pessoas físicas, bancário – cada uma dessas nuvens seria administrada por uma empresa menor. Trata-se de uma forma de diminuir aquele tamanho enorme de uma única empresa que domina toda a nuvem.

Caso a proposta de novo modelo prospere na China, vão existir várias empresas menores, cada uma voltada para atender um setor da economia. De qualquer forma, ainda há a possibilidade da China optar por manter as atuais mega empresas , especialmente AliBabá, Tencent e Baidu.

Mas não mais como empresas privadas e sim estatais. Um sinal disso é que Jack Ma, que é o dono da AliBabá, foi colocado na “geladeira“ e desapareceu nos últimos meses.

“Face”: 30% da Terra ligada

O processo ocorreria só com a nuvem?

A mesma coisa deve ser feita com o Facebook. Ele também poderia ser dividido – explodido – em empresas menores. Cada uma é responsável por determinado número de assinantes. Sabe-se que hoje o FB tem quase 2 bilhões (população mundial ronda o 7 bi) de assinantes.

Ou seja: 30% dos habitantes da Terra estão no “Face”. Isso é loucura. Isso poderia ser explodido para abrir espaço para empresas menores, com número menor de usuários/consumidores.

Seria uma forma de estimular a competição no mercado, entre elas, inclusive. O cliente escolhe qual empresa ele vai fazer parte. Tudo isso com vistas a eliminar o monopólio – que é muito ruim. Ele estipula o preço que bem entende e a qualidade do serviço que ele estabelece. Com empresas menores, inclusive a fiscalização ficaria mais fácil.

Há décadas se repete que vivemos a sociedade da Informação. Mas ninguém fala que ela se torna mais monopolizada a cada dia que passa.

O setor de tecnologia da informação é importantíssimo e precisa ser considerado Serviço Público. Se energia elétrica é um serviço público – o Brasil é um dos poucos países do mundo que tentou privatizá-lo – mas isso comprovadamente fracassou.

Nos estados em que houve privatização os serviços ficaram mais caros e pioraram. Mesmo nos EUA, o serviço de eletricidade é majoritariamente distribuído por empresas públicas. Mas energia elétrica é Serviço Público, por isso tem de ter empresa pública na gestão, assim como saneamento, água. 

A lógica tem sido econômica: quando não for possível haver competição é melhor que fique na mão do Estado. O mesmo tem que ser aplicado ao setor de informações. Talvez este deva ser um serviço público mais importante do que todos os outros.

Ele precisa ser regulamentado e passar para as mãos do Estado. Tem de ser auditado e fiscalizado de forma permanente. Provavelmente, a solução será a de termos empresas privadas para fiscalizar a atuação do Estado no setor de Tecnologia da Informação.

Não resta dúvida de que se trata de um assunto delicado e polêmico. Mas o fundamental é que essa discussão no Brasil comece logo. O que sabemos é que não está correto colocarmos todas as nossas informações na mão de uma única empresa para armazená-las. Ou então estaremos sujeitos a receber informações falsas, pois a empresa que as propaga não tem interesse e nem quer fazer uma filtragem adequada.

*Conflito político-ideológico travado entre Estados Unidos e União das Repúblicas Soviética, URSS, entre 1947 e 1991. A discórdia entre as duas nações polarizou o mundo semelhante ao que ocorreu no Brasil III Milênio. Eram dois grandes blocos: capitalistas estadunidenses X comunistas russos.

Amaro Augusto Dornelles é colaborador da Diálogos do Sul.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

Assista na TV Diálogos do Sul

 

Se você chegou até aqui é porque valoriza o conteúdo jornalístico e de qualidade.

A Diálogos do Sul é herdeira virtual da Revista Cadernos do Terceiro Mundo. Como defensores deste legado, todos os nossos conteúdos se pautam pela mesma ética e qualidade de produção jornalística.

Você pode apoiar a revista Diálogos do Sul de diversas formas. Veja como:

  • PIX CNPJ: 58.726.829/0001-56 

  • Cartão de crédito no Catarse: acesse aqui
  • Boletoacesse aqui
  • Assinatura pelo Paypalacesse aqui
  • Transferência bancária
    Nova Sociedade
    Banco Itaú
    Agência – 0713
    Conta Corrente – 24192-5
    CNPJ: 58726829/0001-56

Por favor, enviar o comprovante para o e-mail: assinaturas@websul.org.br 


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Amaro Augusto Dornelles

LEIA tAMBÉM

Com Trump, EUA vão retomar política de pressão máxima contra Cuba, diz analista político
Com Trump, EUA vão retomar política de "pressão máxima" contra Cuba, diz analista político
Trump quer desmontar Estado para enriquecer setor privado; Musk é o maior beneficiado
Trump quer desmontar Estado para enriquecer setor privado dos EUA; maior beneficiado é Musk
Modelo falido polarização geopolítica e omissão de potências condenam G20 ao fracasso (2)
Modelo falido: polarização geopolítica e omissão de potências condenam G20 ao fracasso
Rússia Uso de minas antipessoais e mísseis Atacms é manobra dos EUA para prolongar conflito
Rússia: Uso de minas antipessoais e mísseis Atacms é manobra dos EUA para prolongar conflito