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Ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021 (Foto: Tyler Merbler / Flickr)

Reeleição blinda Trump de processos e abre caminho para indulto a invasores do Capitólio

Trump e seus advogados usaram táticas legais para obstruir e atrasar as ações contra ele, apostando na vitória das eleições
Jim Cason, David Brooks
La Jornada

Tradução:

Beatriz Cannabrava

Como você pode escapar da justiça criminal nos Estados Unidos e até de um possível encarceramento? Ganhe uma eleição presidencial.

Donald Trump é o primeiro ex-presidente e candidato presidencial condenado por acusações criminais e civis, e sob acusação de crimes federais, incluindo sua participação para subverter uma eleição e o manuseio ilícito de documentos de inteligência nacional. Portanto, agora ele é o primeiro presidente eleito com condenação criminal. Mas, com sua vitória, é muito provável que Trump evite pelo menos dois processos criminais em seu nome em nível federal, outro caso pendente em âmbito estadual na Geórgia, e ainda agora há dúvidas sobre se será sentenciado no caso estadual em Nova York, após ter sido considerado culpado por ocultar pagamentos a uma atriz de filmes adultos.

Os processos legais contra o presidente eleito agora estão em dúvida. Em Nova York, a data para sentenciar Trump, após ter sido considerado culpado em maio por um júri por ocultar pagamentos para silenciar uma atriz de filmes adultos antes da eleição de 2016, foi adiada para o dia 19 deste mês pelo juiz Juan Merchan, para avaliar se o assunto seguirá em frente. Foi nesse julgamento que Trump se tornou o primeiro ex-presidente condenado por um crime. Imediatamente após a eleição, os advogados de Trump solicitaram que o caso fosse completamente descartado, pois seu cliente precisa se preparar para liderar o país, à luz da decisão recente da Suprema Corte de que um presidente goza de quase completa imunidade por atos enquanto está na Casa Branca, e também para evitar impedimentos inconstitucionais para que Trump comece a governar.

Os promotores também não sabem como proceder. Estas são circunstâncias sem precedentes, escreveu um dos promotores ao juiz, afirmando que a promotoria está avaliando a maneira de lidar com o veredicto diante de um acusado que está prestes a assumir a presidência.

Esses mesmos argumentos dos advogados de Trump foram usados em relação aos casos criminais que ele enfrenta em nível federal. Mas, após as eleições, o procurador especial Jack Smith já está preparando sua renúncia antes de Trump assumir a presidência e demiti-lo, como prometeu, segundo o New York Times. Todos os especialistas concordam que a aplicação da justiça nos dois casos federais –um de conspiração para subverter os resultados da eleição que perdeu há quatro anos e outro relacionado ao seu manuseio ilícito de documentos secretos de inteligência e segurança nacional depois de sair da Casa Branca– fica efetivamente anulada com sua reeleição.

O Departamento de Justiça se orienta por uma norma de não proceder penalmente contra um presidente em exercício, embora isso não esteja estabelecido nas leis do país. Além disso, a decisão da Suprema Corte sobre imunidade ampliada também desviou parte desse processo.

No centro de ambos os casos estava o argumento do Departamento de Justiça e de seu procurador especial de que ninguém está acima da lei, incluindo um ex-presidente. Agora, o virtual Executivo e seus aliados aparentemente conseguiram comprovar o oposto e, inclusive, estão avançando para cumprir sua ameaça de perseguir seus perseguidores dentro do governo, entre eles o procurador Smith, que está sob proteção contra ameaças de morte por parte de fãs de Trump há dois anos.

Enquanto isso, permanece pendente outro caso criminal em nível estadual na Geórgia, acusando Trump de tentar subverter a eleição de 2020, e ainda não se sabe se este prosseguirá ou não.

Trump, além disso, conta, como presidente, com o poder de conceder perdão, o qual se especulava que poderia ser usado em seu favor caso os processos federais contra ele tivessem seguido em frente. Esse poder não se estende a casos estaduais.

O magnata e seus advogados usaram táticas legais para obstruir e atrasar todos os processos contra ele – o de Nova York ele já não conseguiu evitar – durante os últimos anos, apostando que sua campanha eleitoral e eventual vitória seriam a grande fuga de seus problemas legais, nos quais potencialmente enfrentaria até penas de prisão.

Agora, quando retornar à Casa Branca, muitos estarão observando se ele cumprirá, como prometido, o indulto a cúmplices em seus delitos e violações legais, e até a seus simpatizantes. Entre suas primeiras decisões está a de quanto ele cumprirá sua promessa de conceder indulto e/ou clemência executiva aos centenas de condenados penalmente pelo ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021, a quem ele chamou de patriotas celebrando um dia de amor. Se o fizer, estará anulando o maior processo criminal federal da história.

O império da lei?

Diante de tudo isso, pode-se concluir que a ideia de que ninguém está acima da lei –fundamento constitucional desta república, que em parte celebra seu nascimento com esse princípio como dia de libertação de um rei supremo– já não é respeitada nem simbolicamente. Com uma Suprema Corte que abertamente favorece o presidente eleito e seu movimento, e com a ideia de que os limites e normas constitucionais não necessariamente se aplicam em relação a direitos básicos ou no exercício de um governo, a lei se torna algo cada vez menos imperativo, cedendo à impunidade no mais alto nível.

Novas nomeações

Donald Trump e sua equipe de transição anunciaram novos nomeações e vazaram outros não confirmados, todos os quais reiteram posturas anti-imigração, mão pesada na política interna e a ascensão de “falcões” e sionistas em assuntos externos, incluindo um par de  “guerreiros” contra os cartéis mexicanos.

O deputado Mike Waltz, republicano da Flórida, foi oficialmente nomeado pelo presidente eleito Trump como assessor de Segurança Nacional na Casa Branca. Waltz é veterano das forças especiais do Exército, onde chegou ao posto de coronel, e Trump destacou que ele é “especialista em ameaças apresentadas por China, Rússia, Irã e terrorismo global”. Ele não mencionou que Waltz também tem um interesse no México.

No início de janeiro de 2023, o deputado Waltz, junto com seu colega Dan Crenshaw, do Texas, propôs no Congresso um projeto de lei para “Autorização de Uso de Força Militar” — a permissão necessária para o emprego das Forças Armadas — contra cartéis mexicanos que traficam fentanil, entre outras atividades, e que “têm causado desestabilização no hemisfério Ocidental”.

“A situação em nossa fronteira sul tornou-se insustentável para nosso pessoal de aplicação da lei, em grande parte por causa das atividades impulsionadas pelos cartéis de Sinaloa e Jalisco, amplamente armados e bem financiados,” declarou Waltz ao introduzir o projeto de lei. “É hora de tomar a ofensiva. Essas organizações paramilitares criminosas transnacionais não são apenas responsáveis por matar um número sem precedentes de americanos (por fentanil e outras drogas), mas também minam nossa soberania ao desestabilizar nossa fronteira e travar uma guerra contra nosso pessoal de segurança e militares mexicanos,” acrescentou ele, argumentando que a autorização ofereceria ao presidente estadunidense recursos de inteligência e outros para atacar os cartéis, e recordou como precedente o Plano Colômbia.

Nomeações contemplam ícones do “trumpismo”

Em ritmo mais acelerado para integrar seu governo do que em sua primeira vez na Casa Branca, Trump nomeou Pete Hegseth como secretário de Defesa. “Pete dedicou toda a sua vida a ser um guerreiro para as tropas e para o país… é um verdadeiro crente no ‘América Primeiro’. Com Pete no comando, os inimigos dos Estados Unidos estão avisados: nossas Forças Armadas serão grandiosas novamente e a América nunca recuará,” escreveu Trump em seu anúncio oficial. Ele destacou que Hegseth é graduado por Princeton e Harvard, veterano de combate no Exército com operações em Guantánamo, Iraque e Afeganistão, e apresentador de um programa da Fox News. Trump também ressaltou que Hegseth escreveu um best-seller: “A Guerra Contra os Guerreiros”, que “revela a traição dos esquerdistas aos nossos guerreiros”.

Hegseth, durante seu tempo na Fox News, foi evidente crítico da política militar do governo democrata de Joe Biden. Em 2021, ao criticar medidas disciplinares de Biden contra agentes de fronteira montados a cavalo que usaram chicotes contra imigrantes na fronteira, Hegseth declarou: “As únicas pessoas tomando medidas brutais e inapropriadas contra inocentes são os cartéis mexicanos que traficam essas pessoas por dinheiro. Mas a Casa Branca nunca menciona isso, porque ao transportar essas pessoas ilegalmente pelo país, nosso governo tornou-se uma extensão da rede dos cartéis… Os cartéis os levam até a fronteira. Joe Biden faz o resto a partir daí”.

De volta à Casa Branca, Trump vai dizimar obstáculos para garantir reinado sem limites

Trump nomeou a governadora de Dakota do Sul, Kristi Noem, como próxima secretária de Segurança Interna, informou a CNN, uma escolha que sublinha a prioridade de impulsionar medidas anti-imigrantes. Noem é conhecida por sua postura firme contra a imigração ilegal e trabalhará com Tom Homan e Stephen Miller, já designados para implementar as medidas prometidas por Trump contra milhões de indocumentados. Ela liderará um departamento que inclui as agências de imigração e aduana (ICE) e de proteção fronteiriça (CBP).

Trump, em seu anúncio, destacou que Noem foi a primeira governadora a enviar soldados da Guarda Nacional (controlada em cada estado pelos governadores) para “ajudar o Texas a enfrentar a crise de fronteira de Biden.” Ela declarou que, “com Trump, garantiremos a fronteira e restauraremos a segurança às comunidades estadunidenses para que as famílias tenham novamente a oportunidade de buscar o sonho americano”. Anteriormente, Noem causou polêmica ao contar em suas memórias como executou seu cachorro por desobediência, como prova de que estava disposta a tomar decisões “difíceis”, comuns nas fazendas de seu estado.

CIA, FBI e Israel

Também oficialmente, Trump nomeou John Ratcliffe como diretor da CIA, que ocupou o cargo de diretor de Inteligência Nacional durante a primeira presidência do magnata, onde destacou-se como fiel servidor de Trump e por desconfiar da comunidade de inteligência. Ele só foi confirmado em uma segunda tentativa, após ter sido obrigado a retirar sua nomeação ao se descobrir que havia exagerado em sua experiência em segurança nacional, ao afirmar falsamente em seu site que havia “prendido mais de 300 estrangeiros ilegais em um único dia” e encarcerado “terroristas”.

A equipe de transição de Trump também anunciou a nomeação do sionista e ex-governador do Arkansas, Mike Huckabee, como embaixador em Israel. Sua filha, Sarah Huckabee Sanders, foi secretária de imprensa durante o primeiro mandato do magnata na Casa Branca. Além disso, houve outras duas nomeações oficiais: Trump escolheu seu amigo Steven Witkoff, outro magnata do setor imobiliário na Flórida e Nova York, como enviado especial para o Oriente Médio, com quem, segundo o presidente eleito, avançará em direção “à paz”. Witkoff é admirador do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu.

Trump estigmatiza mexicanos enquanto EUA têm índices de violência superiores a México, Haiti e Afeganistão

Ele também nomeou William Joseph McGinley como advogado da Casa Branca. Já tarde nesta terça-feira, Trump declarou que nomearia seu grande amigo e o homem mais rico do mundo, Elon Musk, junto com Vivek Ramaswamy — ex-candidato presidencial e empresário — para encabeçar uma nova secretaria, o Departamento de Eficiência Governamental (DOGE), dedicado a cumprir a promessa de desmantelar a burocracia do governo, cortar regulamentos excessivos e gastos desnecessários. “Isso enviará calafrios pelo sistema,” exclamou Musk.

Enquanto isso, continuam circulando piadas e sarcasmos sobre as eleições nos Estados Unidos, como: “Quais países então nas fronteiras da estupidez? México e Canadá.”

La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Jim Cason Correspondente do La Jornada e membro do Friends Committee On National Legislation nos EUA, trabalhou por mais de 30 anos pela mudança social como ativista e jornalista. Foi ainda editor sênior da AllAfrica.com, o maior distribuidor de notícias e informações sobre a África no mundo.
David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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