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Foto: Joshua Fernandez / Unsplash

Reforma previdenciária na China: por que país decidiu aumentar idade para aposentadoria?

Longe de se basear na lógica simplista de “trabalhar mais porque a expectativa de vida é cada vez maior”, a mudança da aposentadoria na China leva em conta causas estruturais
Diego Lorca
Estratégia.la
Buenos Aires

Tradução:

Ana Corbisier

“O problema econômico não é – se pensamos no futuro – o problema permanente do gênero humano”. J.M. Keynes, 1930.

O governo chinês de Xi Jinping aprovou em setembro um aumento da idade para aposentadoria pela primeira vez em décadas. O gigante asiático teve um crescimento econômico vertiginoso desde o final do século 20, posicionando-se atualmente como a segunda maior economia global. Seu êxito foi impulsionado por uma estratégia focada na industrialização, no desenvolvimento de alta tecnologia e em um investimento significativo na educação de seu capital humano.

Segundo o Banco Mundial, desde o final da década de 1970, a China tirou da pobreza mais de 800 milhões de pessoas graças às reformas econômicas empreendidas por Deng Xiaoping. Nesse mesmo período, a contribuição da China para a economia mundial passou de 1,5% para os atuais 15,4%. No entanto, este crescimento acelerado veio acompanhado de profundas transformações sociais, incluindo o envelhecimento acelerado da população.

Cómo consiguió China erradicar la pobreza extrema (y las dudas que despierta ese triunfal anuncio del gobierno de Xi) - BBC News Mundo

Ante este desafio demográfico, o governo de Xi Jinping aprovou uma reforma das aposentadorias que busca equilibrar a sustentabilidade do sistema de pensões com as necessidades de um país cuja força de trabalho está diminuindo a um ritmo alarmante. Esta nota analisa, em termos gerais, as causas estruturais que levaram a China a esta reforma, como esta impactará seu mercado de trabalho e que outras alternativas existem para resolver este problema.

A reforma das aposentadorias: trabalhar mais porque se vive mais?

Sempre ouvimos de economistas e políticos neoliberais uma lógica tão simplista quanto superficial segundo a qual “devemos trabalhar mais anos porque a expectativa de vida é cada vez maior”. De lado, fica o debate sobre o aumento da produtividade do trabalho e da distribuição da riqueza, quase como se fossem variáveis insignificantes.

O envelhecimento da população chinesa é uma realidade indiscutível. Em 2023, o país tinha 297 milhões de pessoas com mais de 60 anos, o que representava mais de 21% da população total. Esta tendência, que aumenta ano após ano, obrigou o governo a adotar medidas drásticas para assegurar a sustentabilidade do sistema de pensões que, segundo o governo, poderia esgotar-se em 2035.

Fatalistas o indignados: Los chinos y la reforma jubilatoria • Diario Democracia

A reforma das aposentadorias, aprovada em setembro de 2024, eleva de maneira progressiva a idade para aposentar-se para homens e mulheres. A partir de janeiro de 2025, os homens passarão de se aposentar com 60 anos para 63 anos em 2040. As mulheres, por sua vez, verão sua idade de aposentadoria aumentar de 55 para 58 anos em trabalhos administrativos, e de 50 para 55 anos em trabalhos manuais.

Além disso, a reforma estende o tempo mínimo de contribuição para os fundos de pensões de 15 para 20 anos, antes que os trabalhadores possam ter acesso a uma pensão mensal. Esta medida foi bem recebida por alguns economistas que a consideram crucial para garantir a viabilidade financeira do sistema. No entanto, provocou descontentamento em grandes setores da população trabalhadora, especialmente entre os jovens, que já enfrentam um mercado de trabalho competitivo e com condições muito adversas.

A estrutura de trabalho chinesa

O impacto da reforma não pode ser entendido sem examinar a estrutura de trabalho da China, que continua sendo uma das maiores do mundo. Em 2024, a população economicamente ativa é calculada em 785 milhões de pessoas. À medida que a população envelhece, a pressão sobre a força de trabalho jovem se intensifica, o que explica em parte as políticas de extensão da vida laboral.

O mercado laboral chinês experimentou uma importante transformação nas últimas décadas. Enquanto no passado a agricultura era o principal motor de produção e de trabalho, atualmente caiu até representar 20%, ao passo que o setor de serviços representa mais de 50% do emprego, seguido pela indústria, com 30%.

Así explota el capitalismo chino | Nueva Sociedad

Um dos principais desafios que enfrentam os trabalhadores é a rigidez das condições laborais em certos setores, como o tecnológico, onde o sistema “996” – trabalhar desde as 9 da manhã até as 9 da noite durante seis dias por semana – gerou tensões e protestos. Se bem algumas empresas começaram a flexibilizar estas políticas, o mal-estar persiste, especialmente entre os jovens que veem com pessimismo as possibilidades de progredir neste mercado tão competitivo.

Com a reforma, o governo busca não só assegurar a sustentabilidade do sistema de pensões, como também aliviar parte da carga que recai sobre as e os jovens trabalhadores. No entanto, a competitividade no mercado laboral e as duras condições de trabalho em setores-chave como a tecnologia continuam sendo fontes de tensão.

A distribuição da riqueza: um debate urgente

China 10: sus riquezas - Mundo ancho y ajeno

Em um texto de 1930 chamado “As possibilidades econômicas de nossos netos”, o economista britânico John Maynard Keynes vaticinava que para 2030 o desenvolvimento da tecnologia e o crescimento econômico tornariam possível uma jornada laboral de 3 horas diárias ou 15 horas semanais.

Hoje, perto daquela data, podemos observar que Keynes tinha razão em suas previsões quanto às mudanças tecnológicas e ao aumento da produtividade, assim como também a sua tese de que o problema econômico não é um problema permanente do gênero humano. O que não incluiu em sua análise é que o capitalismo não tem outra finalidade senão se autovalorizar, o que significa que a produção de bens e serviços não é feita a fim de satisfazer necessidades humanas, e sim para acumular mais valor e, portanto, mais capital.

Atualmente vemos como esta acumulação da riqueza socialmente produzida se concentra cada vez em menos mãos, o que significa que os benefícios do aumento da produtividade da força de trabalho não se distribuem na mesma medida em que se produz. Estamos em um momento da história universal em que as condições tecnológicas e científicas poderiam resolver as necessidades básicas de todos os seres humanos, mas a desigualdade social não para de aumentar e com isso a miséria de milhões e milhões de homens e mulheres.

Vale dizer, neste sentido, que o governo chinês poderia buscar uma alternativa em favor da justiça social e da repartição equitativa da riqueza, ao invés de colocar o “problema” do envelhecimento da população nos ombros da classe trabalhadora, aumentando os graus de exploração da mesma. Um caminho para isso seria estimular as grandes empresas ou grandes fortunas a distribuir parte dos lucros para resolver o problema da sustentabilidade do sistema. Se a Inteligência Artificial e a alta tecnologia são fruto do intelecto coletivo da humanidade, não seria justo que seus benefícios fossem aproveitados igualmente por aqueles que trabalharam para seu desenvolvimento?


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Diego Lorca Diretor do Observatório Internacional de Trabalho Futuro (OITRAF) e analista associado ao Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE) na Argentina.

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