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ToggleO projeto de reforma eleitoral, que corre à “toque de caixa” na Câmara dos Deputados, traz uma série de mudanças que vão impactar o sistema político do país. Para mulheres, pessoas negras e outros grupos politicamente minoritários, ela também pode significar retrocessos preocupantes.
A derrubada do “distritão”, sistema político que beneficiaria políticos que já estão no poder, pode ser considerada uma vitória, mas abriu as portas para a volta das coligações, que favorece a proliferação dos partidos e afeta a governabilidade. Na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) aprovada em primeiro turno na Câmara, conquistas importantes como a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que garante 30% de financiamento público a campanhas de mulheres e igualdade no financiamento de candidaturas brancas e negras não foram incorporadas como lei. O segundo turno está marcado para a próxima terça-feira (17).
Em paralelo a isso, o Senado Federal aprovou Projeto de Lei (PL) que anistia os partidos que não cumpriram as cotas para candidaturas femininas e os desobriga de fazê-los e determina reserva gradual de assentos para mulheres no Congresso, a partir de 18%. Esse PL agora será votado na Câmara.
A pressa se dá porque tudo tem que estar aprovado e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro até outubro para que possa valer já para as eleições de 2022. “A distância da sociedade e a rapidez que não corresponde ao tamanho da reforma, que é a maior que a gente já teve desde a redemocratização, são problemáticos.
Ela deveria caminhar no sentido de fortalecer a democracia. É para ontem a necessidade de termos medidas que caminhem para a paridade de gênero e de raça, e não é o que está acontecendo.
O não avanço é retrocesso neste momento”, critica Hannah Maruci, professora de ciência política da UFRJ e co-fundadora d’A Tenda das Candidatas (@instadatenda), organização que forma lideranças para aumentar a presença de mulheres negras na política.
A seguir, Hannah Maruci destaca cinco pontos da reforma eleitoral que são especificamente problemáticos para mulheres e pessoas negras que ainda buscam sair da sub-representativade no sistema político brasileiro.
Agência Brasil
É para ontem a necessidade de termos medidas que caminhem para a paridade de gênero e de raça, e não é o que está acontecendo.
1. Proteção às candidaturas
“A gente esperava que medidas como as cotas de financiamento de 30% para candidaturas femininas e a igualdade no financiamento de candidaturas brancas e negras, decisões judiciais [do TSE] que valeram a partir das eleições de 2018, fossem incorporadas como lei, e não foram. Isso é uma coisa muito séria. A redatora da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que altera toda a legislação eleitoral, a deputada Margarete Coelho (PP-PI), fala que é a favor, mas por que não está no texto do código eleitoral? A gente precisa que isso seja transformado em lei para que ganhe perenidade. Se não, ela pode ser derrubada facilmente, não tem segurança.
Ao mesmo tempo, no Senado, foi aprovado um Projeto de Lei (PL), do senador Carlos Fávaro (PSD-MT), que dá anistia aos partidos que não cumpriram essas duas determinações nas eleições anteriores. Esse PL no Senado é o mesmo que coloca reserva de cadeiras para mulheres e retira a obrigatoriedade de os partidos cumprirem as cotas de candidatura feminina de 30%. Esse texto vai ser agora votado na Câmara dos Deputados.
Então, a questão não é o que o TSE vai fazer, mas o que vai acontecer se os partidos não cumprirem. O que acontece na prática se o TSE determina, mas temos um código eleitoral que não pune e uma lei que anistia? Não tem efeito prático. Antes ainda se tinha dúvida, mas agora, sabendo que não haverá punições, será aquela típica regra que não pega. Se os partidos que não cumprirem forem anistiados por uma lei, o que se está dizendo para eles? Que tudo bem não cumprir.
A gente sabe como os partidos políticos funcionam aqui no Brasil quando se trata de políticas afirmativas de gênero e de raça, sempre agindo no mínimo possível. Quando não é obrigatório, eles não cumprem. É só na base das punições mesmo. Quando eles começaram a cumprir as cotas de candidatura feminina nas eleições? A lei existe desde 1995 [a cota de 30% de candidatas mulheres deveria ser reservada, não necessariamente preenchida], mas os partidos só passam a cumprir mesmo em 2012, quando passou a ser obigatório [resolução do TSE determinou o mínimo de 30% e o máximo de 70% de candidaturas de um mesmo sexo]. E então surge o fenômeno das candidaturas “laranjas”, que é toda uma outra questão.
Isso para mostrar como é importante que as decisões judiciais, multas e punições necessárias sejam sistematizados no código eleitoral. Queríamos uma previsão em lei para que os partidos políticos que não cumprem as determinações de incentivo a candidaturas de mulheres não fossem passíveis de anistia. E a gente está indo no sentido contrário disso”.
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2. Reserva de cadeiras
“O PL do Senado é uma medida superimportante. A gente defende a reserva de cadeiras para mulheres, mas o problema é que ele coloca uma porcentagem gradual, mas baixíssima, começando em 18% [atualmente, mulheres são 15% no Congresso Nacional] de reserva de cadeiras chegando a 30% só em 2038, e aí é importante lembrar que hoje a média mundial de mulheres ocupando cadeiras nos parlamentos é 30%. Essa decisão na verdade coloca a gente em quase 20 anos de atraso em relação aos outros países.
Então, mais uma vez, esse é um PL que traz três coisas muito sérias: a anistia aos partidos; a reserva de assentos que dá uma cara de avanço, e esse é o problema, mas na verdade está produzindo um teto de 30% de mulheres eleitas em 2040; e o fim da obrigatoriedade dos partidos de cumprirem a cota de candidaturas de 30%. O que pode acontecer, se tudo for aprovado, é os partidos passarem a apresentar só 18% mesmo de candidaturas de mulheres”.
3. Peso 2 para votos
“A proposta prevê que os votos em mulheres e candidatos negros sejam contados em dobro nas eleições de 2022 até 2030 para calcular a distribuição do fundo eleitoral. Isso é uma vitória? É, porque quer dizer que o partido tem algum incentivo para fazer com que as mulheres e os candidatos negros tenham mais votos. Qual é a questão aí? Essa medida, que é também chamada de “medida do peso 2”, foi proposta por nós de movimentos de mulheres em 2019 com uma ideia diferente: que fossem contados o número de mulheres e candidaturas negras eleitas.
Isso iria incentivar os partidos porque quando você fala em número de votos, pode ser uma única mulher com esse número de votos, não está querendo dizer que vai aumentar o número de mulheres eleitas. Isso pode significar uma ou poucas mulheres que eles sabem que dão muitos votos e, neste sentido, nas mulheres que têm menos visibilidade, e em sua maioria as que são mais subfinanciadas são as mulheres negras, o partido tende a não arriscar. Ele quer mulheres e candidaturas negras que eles sabem que vão dar muito voto porque é a quantidade de voto que vai dar dinheiro, não a quantidade de eleitos.
Claro que é melhor ter essa medida do que não ter, mas o que a gente queria era realmente que fosse colocado da maneira correta, para que fosse aumentar o número de mulheres e pessoas negras eleitas. Além disso, outra coisa importante: para uma mulher negra, não vai ser contado duas vezes. Vai ser contada ou só como mulher ou só como pessoa negra.
O que é muito injusto porque as mullheres negras são as mais sub-representadas, as mais subfinanciadas, quer dizer, elas têm as maiores desvantagens, e na hora de ter algum incentivo, elas não podem ser contadas pelas duas desvantagens que realmente se concentram nelas”.
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4. Candidaturas coletivas
“Isso foi um dos pouquíssimos pontos positivos da PEC na Câmara. É bem importante porque as candidaturas coletivas são uma importante forma de entrada para os grupos minoritários, politicamente minoritários, porque é uma forma de se “infiltrar” nessa política dominante, de homens brancos. Se a gente olhar para essas candidaturas com mandato coletivo, a gente vê, por exemplo, em Pernambuco, a primeira trans eleita do estado [a advogada Robeyoncé Lima, que faz parte do mandato coletivo Juntas, do PSOL, na Assembleia Legislativa de Pernambuco], a gente vê mais mulheres negras. É uma diversidade muito maior nesses mandatos”.
5. Coligações
“Eu acredito que afeta [mulheres e minorias] de forma indireta. No Brasil, a gente tem 33 partidos, o que é muito caro porque todos recebem dinheiro público. Entre esses partidos, 11 são partidos pequenos ameaçados de extinção. E aí em 2017 teve aquela reforma que colocou a cláusula de desempenho, e essa seria a primeira eleição em que os partidos pequenos sentiriam esse efeito, poderiam deixar de existir. Por isso a gente viu o PC do B, um partido de esquerda, por exemplo, se posicionando a favor. Por quê? Porque é a condição de existência dele.
E o que isso muda para mulheres e negros? Eu acho que tem a questão do cumprimento de cotas, porque quando você permite coligação, permite que um partido não cumpra os 30% de candidatura ou de financiamento, mas se o outro partido ao qual ele se une tiver uma porcentagem um pouquinho mais alta, na média ele consegue cumprir. E você desobriga que cada partido tenha essa preocupação e procure incentivar candidaturas diversas”.
* Sanny Bertoldo é editora da Gênero e Número
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