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Repressão aos protestos talvez se trate de uma válvula de escape para Trump, diante do declínio em sua popularidade (Foto: Casa Branca / Flickr)

Começou em 20 de janeiro: revolta em Los Angeles reflete meses de hostilidade trumpista

Protestos são amostra do cansaço da cidadania, e particularmente das comunidades mexicana e latino-americana, diante dos abusos, atropelos e ilegalidades do governo

Beverly Fanon-Clay
Sur y Sur
Washington, DC

Tradução:

Ana Corbisier

Em 9 de junho, terceiro dia consecutivo de protestos em Los Angeles, Califórnia, contra as rondas a migrantes indocumentados, o saldo já era de 27 detenções — agora, já são mais de 200 —, com efetivos da Guarda Nacional dos Estados Unidos enfrentando milhares de manifestantes no centro da cidade com gás lacrimogêneo. Naquele domingo, uma multidão crescente se reuniu em frente a um complexo federal, horas após a chegada dos soldados à cidade por ordem do presidente Donald Trump.

A mobilização foi reprimida em frente ao Centro de Detenção Metropolitano de Los Angeles, enquanto um grupo de pessoas exigia dos membros da força federal, equipados com escudos antimotim, “ICE, fora de Los Angeles!”, em alusão ao Serviço de Imigração e Controle de Alfândegas dos Estados Unidos.

O trumpismo tem no alvo não apenas os trabalhadores estrangeiros e as comunidades mexicanas, mas também autoridades locais preocupadas em proteger setores econômicos que dependem da força de trabalho migrante – a agricultura, a construção civil e a indústria gastronômica, entre outros – e que, caso o governo concretizasse seu objetivo declarado de realizar deportações massivas, enfrentariam uma crise de grandes proporções.

A ofensiva da presidência de Donald Trump contra os trabalhadores migrantes tinha que desembocar numa onda de protestos. Os distúrbios que começaram em Los Angeles em 6 de junho são uma amostra inicial do cansaço da cidadania, e particularmente das comunidades mexicana e latino-americana, diante dos abusos, atropelos e ilegalidades em que o magnata envolveu o governo.

Talvez se trate de uma válvula de escape para Trump, diante do declínio em sua popularidade e dos conflitos surgidos entre seus colaboradores (entre eles, o multimilionário Elon Musk). Mas fato é que Trump insiste em tentar apagar, com a gasolina da repressão militar, o que pode ser o início de um grande incêndio social nos Estados Unidos.

Desde o início de seu governo, somaram-se detenções individuais e coletivas sem a menor justificativa, deportações sem motivo – muitas delas não para os países de origem das vítimas, mas para os infernos carcerários de El Salvador ou da remota África –, expulsões inclusive de pessoas com situação migratória regular e separação de famílias, além de rondas em conjuntos habitacionais, comércios, templos e escolas. Xenofobia e supremacismo racial.

O surpreendente nas manifestações de rua que estouraram em Los Angeles é que tenham demorado tanto para acontecer, considerando que estavam sendo provocadas a partir do gabinete presidencial desde 20 de janeiro passado. Trump não buscou a conciliação diante do que seu assessor Stephen Miller chamou hiperbolicamente de “insurreição”: quis, ao contrário, mostrar um rosto duro e implacável frente aos distúrbios. Nessa lógica, ordenou o envio de tropas da Guarda Nacional à cidade californiana, e estas não demoraram a desencadear uma violenta repressão contra os manifestantes.

Se o que Trump pretendia era manter, desde a Casa Branca, a sedução que exerceu sobre sua base de apoio xenófoba e supremacista — que constituiu o núcleo duro dos eleitores que o levaram à presidência —, está claro que foi longe demais: não podia aprofundar e agravar, sem consequências, o tom de seus insultos e agressões contra dezenas de milhões de pessoas que, goste ou não, fazem parte da população dos Estados Unidos.

Todas essas ações são realizadas apesar da oposição do governador da Califórnia, Gavin Newsom, que descreveu a medida como uma violação da soberania estadual e um alarmante abuso de poder. A Guarda Nacional está subordinada à autoridade local, não à do presidente. Newsom recebeu o apoio de 22 governadores democratas. No mesmo sentido se manifestou a prefeita de Los Angeles, Karen Bass. E em mais um excesso autoritário do trumpismo, o chamado “czar da fronteira”, Tom Homan, ameaçou prender ambos os funcionários.

Trump asseverou em seu perfil na rede Truth Social: “Uma cidade estadunidense que um dia foi uma grande cidade, Los Angeles, foi invadida e ocupada por indocumentados e criminosos. Agora, turbas violentas e insurretas assediam e atacam nossos oficiais federais para tentar deter nossas operações de deportação.”

O vice-presidente, JD Vance, repostou essa mensagem e advertiu: “Este momento exige uma liderança decidida. O presidente não tolerará distúrbios nem violência. Os insurretos que carregam bandeiras estrangeiras estão atacando os agentes de controle da imigração, enquanto metade dos líderes políticos dos Estados Unidos decidiu que o controle fronteiriço é ruim. É hora de aprovar o belo projeto de lei do presidente Trump e assegurar ainda mais a fronteira”, acrescentou.

Os enfrentamentos deixaram à mostra o autoritarismo de Trump em tempo real, escreveu no X o senador independente de Vermont, Bernie Sanders. “Realizar rondas ilegais massivas. Provocar uma contrarresposta. Declarar estado de emergência. Chamar as tropas: inaceitável”, afirmou Sanders.

Sheinbaum protesta

Não é com violência nem com detenções que se pode tratar o fenômeno migratório, enfatizou a presidenta mexicana, Claudia Sheinbaum Pardo, ao reagir contra as rondas do ICE contra migrantes em Los Angeles e outras cidades estadunidenses.

“Não estamos de acordo com essa forma de tratar o fenômeno. Não é com rondas nem com violência que será resolvida a questão migratória; é se sentando, trabalhando numa reforma integral que leve em conta todos os mexicanos que estão do outro lado da fronteira. Essa é nossa posição.”

Ela destacou que Nova York e Los Angeles não seriam o que são se não fosse pelos mexicanos. “Migram por necessidade e, de lá, enviam recursos para suas famílias. Mas reparem no mais importante, que precisa ser reconhecido: as e os mexicanos vão para lá, mas precisam deles lá, porque, caso contrário, não teriam mão de obra. Os Estados Unidos são o que são também graças ao trabalho das mexicanas e dos mexicanos que vivem do outro lado da fronteira.”

Trump diz que “Los Angeles foi invadida e ocupada por imigrantes sem documentos e criminosos”. E é verdade. Isso aconteceu em 1848, quando, com a assinatura do Tratado de Guadalupe Hidalgo, os estadunidenses nos roubaram metade do território do México.

A sensatez de Sheinbaum — ao apontar que a migração não pode ser resolvida com violência e detenções, e aconselhar trabalhar em uma reforma migratória que reconheça a relevância das contribuições dos migrantes mexicanos nos Estados Unidos — contrasta com a delirante agressividade da administração federal do país vizinho.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Beverly Fanon-Clay  Socióloga estadunidense, professora universitária e colaboradora do Centro Latino-americano de Análise Estratégica (CLAE, www.estrategia.la)

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