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Em resposta à mobilização popular, o governo de Mulino tem reprimido e perseguido sistematicamente as manifestações violentamente (Foto: Suntracs Panama / X)

Revolta popular no Panamá é decisiva para embate América Latina x imperialismo

Os protestos e greves que hoje tomam o Panamá têm raízes históricas e visam, entre outros objetivos, impedir a entrega do país ao controle de Trump; por isso, a solidariedade latino-americana e internacional é fundamental

Pedro Fuentes
Revista Movimento
São Paulo (SP)

Tradução:

O Panamá é o ponto mais agudo da luta de classes no continente e a forma como ela se desenvolver e terminar será muito importante para a relação entre a América Latina e a política imperialista de Trump. No Panamá de hoje há uma nova revolta dos trabalhadores; os professores estão há dois meses em greve indefinida, à qual se juntaram os trabalhadores da construção civil, os trabalhadores das plantações de banana, os da saúde e que se estende a outros setores. Estudantes e pais apoiam a greve e se juntam ao protesto. Há bloqueios de estradas promovidos por indígenas com apoio popular e mobilizações estudantis.

Ainda assim, essa grande mobilização não se transformou em uma rebelião popular como foram os dias históricos de 2023, nos quais uma insurreição operária e popular derrotou o governo e conquistou o fechamento da mina de cobre a céu aberto explorada pela First Quantum. Mas isso pode ocorrer se a greve indefinida continuar e se ampliar, situação que provocaria um confronto aberto com o governo e sua possível queda. Desde a devolução do Canal ao Panamá em 1999, o país cresceu sem parar, mas não distribuiu a riqueza: é o terceiro país da região com maior desigualdade. O interior é o que mais sofre e é por isso que lá ocorrem as maiores insurgências populares.

Três políticas deste governo são as que voltaram a incendiar o Panamá. O corte de 40% nos benefícios da aposentadoria e sua privatização; a tentativa do governo de reabrir a mina de cobre que fechou a mobilização popular de 2023; os memorandos de acordo com Trump (construir três bases militares no país) como parte de sua ofensiva para recuperar o controle do canal.

Essas medidas significam que o governo Mulino está capitulando à ofensiva de Trump sobre o país — cujo objetivo final é recuperar o canal — e que a vitória da luta em curso pode impedir isso. Trata-se de um governo impopular, desacreditado em todos os setores populares pelos casos de corrupção e pela política neoliberal a serviço da grande burguesia panamenha.

A importância do que está em jogo nesse país é destacada pelo NYT em um artigo no qual alerta: “Uma tentativa séria de pressionar o governo panamenho — por meio de sanções, tarifas ou outras medidas coercitivas — poderia incendiar o país. Para o Panamá, os Estados Unidos e o mundo, esse poderia ser o maior risco de todos”. Esta advertência feita por um jornal do imperialismo deve servir também para reforçar a necessidade de solidariedade internacional com esta importante luta no centro do continente.

A luta entre o povo panamenho e o imperialismo, que é histórica, tornou-se agora presente. Pelo Canal do Panamá passam 40% das mercadorias dos EUA e grande parte do comércio mundial. Em caso de conflito militar com a China, grande parte da frota estadunidense deveria passar por lá. Daí a política de Trump de recuperar o canal e reduzir a influência chinesa nos portos localizados nas saídas do canal.

Historicamente, o imperialismo dos EUA dominou o canal. Para construí-lo, manipulou a independência do Panamá, que até o século 19 fazia parte da Colômbia. A partir de então, foi criada uma faixa que separava o canal do resto do país, onde tremulava a bandeira ianque guardada por suas forças armadas, separada do resto do país por uma cerca. A luta pela recuperação do canal começou em 1964 com a mobilização dos estudantes que invadiram o canal para hastear a bandeira panamenha. A repressão e as mortes provocaram a indignação popular, que fez com que o imperialismo e o governo tivessem que hastear a bandeira panamenha.

Se a greve se estender a mais setores e a mobilização popular crescer, haverá uma vitória contundente que acabará com as medidas do governo (Foto: Suntracs Panama / X)

Foi um primeiro passo. O governo nacionalista do coronel Torrijos conseguiu em 1977 — no contexto do ascenso centro-americano — o acordo com o governo Carter para iniciar um período que culminou com a entrega do canal ao governo panamenho em 1999. Com a diminuição da influência dos Estados Unidos, o neoimperialismo chinês começou a investir na construção de dois grandes portos e a incorporar o Panamá na rota da seda como parte de sua política para a América Latina. Mulino se retirou diante da pressão do governo Trump.

Em resposta à mobilização popular, o governo de Mulino tem reprimido e perseguido sistematicamente as manifestações violentamente com cargas policiais utilizando cassetetes, balas de borracha, gases e prendendo ativistas. Um dos principais líderes do Sindicato Único Nacional dos Trabalhadores da Construção e Similares (Suntracs) – o sindicato da construção civil – está preso e o secretário-geral encontra-se na embaixada boliviana à espera de uma resposta ao seu pedido de asilo político; a polícia invadiu duas sedes sindicais e congelou as contas bancárias do sindicato por ordem do governo, e a cooperativa ligada ao sindicato foi declarada ilegal. Por enquanto, isso não diminuiu a mobilização e enfraqueceu o governo, provocando descontentamento dos setores burgueses que se inclinam a levar adiante negociações que permitam uma saída.

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Se a greve se estender a mais setores e a mobilização popular crescer, haverá uma vitória contundente que acabará com as medidas do governo. Se isso não acontecer, como em toda greve longa, surgirão elementos de desgaste e cansaço que podem levar a uma negociação com concessões parciais ou à derrota do movimento. É uma situação em aberto e, por isso mesmo, a solidariedade latino-americana e internacional se torna fundamental. As organizações sindicais, os partidos políticos, os movimentos populares e os membros da 4ª Internacional devem estar na primeira linha dessa solidariedade.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Pedro Fuentes Dirigente nacional do PSOL e do Movimento Esquerda Socialista (MES).

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