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Processos culturais e estratégias políticas
Jorge Ángel Hernández*
O socialismo do século XX no poder, ou seja, aquele que foi chamado de “real” logo depois da queda das variáveis no campo da Europa do Leste, transcende, no âmbito da participação democrática, o sistema de Partidos Políticos que hoje rege como democracia legítima no panorama global ocidental. Esta é uma verdade que desapareceu aos olhos do imaginário político da cidadania ocidental graças à rígida teia de opiniões produzida pelos monopólios midiáticos. Monopólios, que respondem a interesses de um sistema de relações sociais que lhes permite continuar crescendo. A estratégia de descrédito do projeto socialista é parceira da que estabeleceu como cultura a produção refinada, e estilizada, dos bens culturais e dos objetos que se converteriam em arte.
Do mesmo modo em que o capitalismo impõe a revolução burguesa, a burguesia no poder estabelece como norma civilizatória a expressão simbólica da classe dominante, ou seja, as bases ideológicas de sua conservação. Torna-se conservadora tanto em política como em cultura artística. As invasões militares imperialistas se justificam pela diferenciação cultural entre o ocidente global e a nação ocupada militarmente e, sobretudo, pelas diferenças essenciais relacionadas às normas de conduta política. Se legitima a ingerência através da opinião pública, que por sua vez estabelece o cânone político-cultural ocidental cujo reconhecimento da liberdade cidadã se fundamenta na essência da produção capitalista. As bases do Direito compartilham por antonomásia esses pontos de partida.
No caso da Revolução cubana é necessário levar em conta que triunfa num momento importante da Guerra Fria e se converte de imediato numa referência para as ideias revolucionárias na América Latina e parte da África subsaariana. Gera assim uma reação de hostilidade extrema na estratégia política estadunidense, aliada à minoria enriquecida cujas empresas monopólicas foram expropriadas pelo processo revolucionário e convertidas em propriedade social. De imediato surge a reação hostil do Bloqueio econômico, comercial e financeiro ordenado pelo presidente John F. Kennedy em 1962, depois do fracasso das tentativas de invasão e apoio logístico ao banditismo armado.
Concretamente: se os cubanos contra revolucionários não são capazes de frear o desenvolvimento da Revolução cubana, é necessário desencadear a ação da potência imperial.
A partir desse momento o Bloqueio foi ganhando em graus de hostilidade e assédio, e estendeu sua extraterritorialidade a várias empresas que mantinham comércio com Cuba. Não obstante, é difícil entender porque os presumidos gestores de uma democracia de centro na Ilha não denunciam sequer sua obsolescência e, sobretudo, sua pobre sustentação do ponto de vista do direito internacional. Embora se socorra com frequência ao chamado estado de direito como ideal que não foi alcançado pelo processo revolucionário cubano.
No âmbito da produção artística e literária, se aplica a equação que equilibra o ato de emigrar com liberdade de expressão e permanência no país com nulidade expressiva e consenso oficialista. Quase 30 anos depois de que se declarou o seu fim, as normas de percepção da Guerra Fria continuam vigentes para a cultura cubana. Se ignora o amplo espectro crítico da produção artística e literária cubana, pois aceitá-lo ficaria sem opções o padrão mais elementar da censura por antonomásia e o exercício ditatorial sobre a criação. Essa produção literária em que predomina uma crítica extensa e relativamente variada se desenvolve sob subvenção estatal, garantindo as publicações com o orçamento outorgado pelas instituições, sem que estas tenham que se preocupar demasiado com a falência. E esta é só uma das arestas de um exemplo de processo cultural a levar-se em conta na hora de julgar a sociedade cubana atual e sua história revolucionária.
E deve ser radical e intransigente pelo menos em três linhas que José Martí concretizou muito cedo: anti-imperialismo, nacionalismo cultura e condução da nação politicamente independente através do partido revolucionário. Fidel Castro e a revolução triunfante de 1959 não inventam artificialmente esses elementos: foram introduzidos na corrente socialista cubana e integram à massa ao processo de transformação da nação e de aplicação dos princípios básicos do socialismo. Assim, a ideologia do partido se transforma em cultura e se reconstitui na ética social.
Há que partir desses preceitos para qualquer debate, para qualquer crítica, para qualquer projeto político na Ilha. Se bem pudesse ser legítimo alguns pensarem em um modelo conservador para o sistema cubano, não é em nada legítimo que se despoje o indivíduo das conquistas sociais que alcançou graças ao processo revolucionário que mudou seu nível de expectativas. A proclamada ineficiência econômica do sistema socialista cubano é na verdade o resultado de resistir sob precárias condições depois de ter se negado à implantação da racionalidade da produção capitalista. Por sua importância, insisto e extraio dois pontos: 1o. Resistir nas condições adversas do bloqueio; 2o. Não sacrificar a resistência à racionalidade produtiva do capitalismo. Os erros e desvios, a aceleração artificial de certos modelos de transformação nas relações de produção internas, que devem ser analisadas, retificadas e atualizadas, são parte dessa resistência e de esse empenho por dar à cidadania sua dignidade soberana. Insisto porque também alguns economistas tentaram, sem se atrever com o discurso político, chamar-nos à lógica da racionalidade capitalista como se isso fosse a inevitável solução para o sistema.
A experiência da Europa do Leste mostra que a mudança à pretendida democracia leva a alienar de imediato a sociedade de suas conquistas socialistas. É algo tão óbvio que assombra que as tendências de confronto centrista não levem isso em conta. Concretamente pergunto; como pensam –se é que o fazem- evitar a regressão da nação ao capitalismo dependente, se propõem uma economia de mercado que renuncie o controle da concentração de capitais e uma política garante dessa economia de mercado desregulada?
Por último, e em termos de cifras: tanto a chamada dissidência como os defensores e defensoras de correntes centristas são tão minoritárias que não obteriam, em proporção, assento nem sequer nos Comitês de Defesa da Revolução. Falamos de uma minoria que apenas teria presença no panorama nacional se não contasse com a logística midiática que o sistema destina para a subversão. Há documentação e testemunho disso, assim que não me prendo a nenhuma paranóia. E não valeria a pena se preocupar, como outros disseram, não fosse o cavalo de Tróia do neoliberalismo.
Abundam também as evidências de que se tenta garantir que os tópicos de descrédito e satanização do processo revolucionário cubano se reconfigurem num discurso que pretenda se apresentar como mediador de soluções compartilhadas. A corporativização da política, e do espectro básico da sociologia política que pretende sustentar academicamente tais propostas, permite que rolam nos fenômenos para avalizar seus argumentos. Há mais sofisma que ciência em seus preceitos. Esta corrente artificial de pensamento busca converter-se em “inimigo endógeno” da prática da Guerra Fria de utilizar a “esquerda descontente’ através do emprego de boa parte de seus quadros, para reeditar seus métodos com variáveis de atualização no pós guerra fria.
Não vai adiante, por mais que se argumento e se dispute.
*Original de la Jiribilla, revista cultural cubana, especial para Diálogos do Sul
Este volume contém vários textos sobre o tema, pode ser baixado gratuitamente através de www.cubasi.cu