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A partir do coltan se extrai tântalo, tungstênio e estanho, também conhecidos como 3Ts (Foto: Enough Project / Flickr)

Ruanda, Trump e coltan: os elementos da invasão contra a Rep. Democrática do Congo

Povo da RD Congo luta e resiste por soberania em meio à crescente ofensiva imperialista sobre seus recursos; o país é responsável por cerca de metade da produção de coltan do mundo
Cesar Neto, J.G. Hata
Lit-Qi | Liga Internacional dos Trabalhadores
Luanda

Tradução:

Ligação Internacional dos Trabalhadores

No último dia 20 de janeiro, Trump tomou posse. No dia 26 do mesmo mês, Ruanda invadiu e ocupou a cidade de Goma, na República Democrática do Congo. Foi uma coincidência de datas ou consequência da ascensão de Trump e de sua parceria com as big techs? Essa invasão vinha amadurecendo há alguns anos e deu um salto em poucos dias.

Estamos vendo o povo congolês lutando e resistindo por sua soberania, em meio à crescente agressão imperialista sobre seus recursos nacionais. Luta que tem sido inglória na medida que o presidente Felix Tshisekedi prioriza as negociações nos organismos internacionais ao invés de organizar a defesa da soberania. Ao contrário, quando as massas puseram fogo nas Embaixadas da França, Ruanda, Bélgica e EUA, a polícia ficou contra os manifestantes e ao lado dos imperialistas.

A República Democrática do Congo e Ruanda produzem quase a metade do coltan do mundo. Desse mineral, se extrai tântalo, tungstênio e estanho, também conhecidos como 3Ts (tântalo, tungstênio e tin o estanho). Os 3Ts são amplamente utilizados em equipamentos eletrônicos, computadores e celulares, sistemas automotivos e aeronáuticos.

Não é correto dizer que RD Congo e Ruanda sejam grande produtores, pois na verdade o grande produtor é a RD Congo e sua produção é contrabandeada para Ruanda. De lá, é enviada para grandes centros consumidores onde estão instaladas importantes transnacionais que utilizam os 3Ts como matéria prima essencial. Há dados que confirmam que apenas 10% dos minerais exportados por Ruanda foram extraídos dentro daquele país. Os outros 90% correspondem a minerais contrabandeados da RD Congo. No mapa abaixo, podemos ver a rota do contrabando e as grandes empresas envolvidas.

“Rastreando cadeias de suprimentos, identificamos empresas que provavelmente obtiveram minerais contrabandeados e/ou de conflito, incluindo fundições e intermediários em Hong Kong, Dubai, Tailândia, Cazaquistão, Áustria, Malásia e China. Descobrimos que esses minerais podem acabar em produtos de    marcas internacionais como Apple, Intel, Samsung, Nokia, Motorola e Tesla”[1].

A ocupação dos dois principais estados fronteiriços

A ocupação da cidade de Goma, capital de Kivu Norte, se deu pelas tropas do M23 com seus 6 mil soldados, apoiados pelas Forças de Defesa de Ruanda, como é denominado o exército ruandês. A FDR tem 4 mil soldados estacionados na fronteira. A ocupação de Goma está diretamente relacionado à região mineira de Rubaya, que responde por entre 20% e 30% da produção mundial de coltan (com alto teor de columbita e tantalita).

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Toda semana, parte de Rubaya com destino a Ruanda oito caminhões carregados com coltan, onde cada carregamento vale 500 mil dólares. Em todas essas remessas, o M23 cobra pedágio, auferindo 800 mil dólares por mês. Assim, o contrabando de coltan e também de outros minerais é garantido e executado pelo M23 em troca dos pedágios.

A cumplicidade do governo de Ruanda com o M23 é evidente na medida que esses minerais serão “lavados” naquele país e depois vendidos no mercado internacional como se fossem ruandeses.

Em 16 de fevereiro, as milícias do M23, com o apoio das Forças de Defesa de Ruanda, avançaram para o sul da região e tomaram a cidade Bucavu, capital do Kivu Sul. Desta maneira, Ruanda ocupa e controla toda a faixa de fronteira do Congo com Uganda, Burundi e a própria Ruanda.

China, União Europeia e os EUA: unidos no roubo de matérias primas

A China está envolvida no conflito na medida que fornece drones para o exército congolês e também para Uganda, que apoia o M23 e se utiliza de diversos tipos de armas fornecidos pela China. Durante o governo de Joseph Kabila (2001 a 2019), foram negociados acordos que garantiram às empresas chinesas acesso ilimitado às fontes de materias-primas. Nesse período, os EUA, por exemplo, davam pouca importância ao comercio com a África, razão pela qual o Departamento de Estado autorizou a venda de três empresas de mineração de capital norte americano para grupos chineses.

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A União Europeia tem um papel relevante no conflito na medida que assinou um Memorando de Entendimento (Memorandum of Understanding – MoU), em fevereiro de 2024, que permite acesso aos minerais ruandeses. O acordo de € 40 milhões concedidos a Ruanda por meio do Fundo Europeu para a Paz (EPF) e mais de € 900 milhões por meio do Global Gateway, é a resposta da UE à Iniciativa Cinturão e Rota da China.

Porta-vozes da Comissão Europeia indicaram que não há intenção de revogar o memorando, pois é um elemento essencial para alcançar a chamada transição verde e digital.

No caso dos EUA, veio com a chegada de Trump a sanha das big techs, que necessitam dos 3Ts para suas empresas. A própria negociação em torno do conflito na Ucrânia está relacionado aos minérios ucranianos. Quando perguntado sobre o conflito no Congo, Trump disse: é um problema importante. E nada mais.

Ruanda, Estado agressor, tem papel comparável a Israel

Ruanda é um país minúsculo, se comparado à República Democrática do Congo. Possui um dos mais bem treinados e aparelhados exército de toda África e sem dúvidas da África subsaariana, perdendo apenas para a África do Sul. Com suas Forças de Defesa, Ruanda é o segundo país que mais fornece tropas militares para a ONU. As transnacionais em Cabo Delgado (Moçambique) os contrataram para a defesa de suas instalações.

Em 2012, o M23 e as Forças de Defesa de Ruanda invadiram Goma, no Kivu Norte, e em pouco tempo foram expulsos pelas tropas congolesas e da ONU. A repulsa internacional à época foi grande, mas passados 12 anos, Ruanda foi construindo apoios para a empreitada atual, incluindo: financiar equipes de basquete na NBA e ganhar visibilidade e se credenciar para organizar competição de Formula 1, passando pelo acordo com a Inglaterra para receber migrantes africanos, o fornecimento de soldados para empresas privadas, a manutenção e o desenvolvimento de grupos armados como o M23, entre outras ações.

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Por esse motivo, a comparação de Ruanda com o Estado sionista de Israel não é abusiva. As coincidências entre objetivos e modo de ação confirmam o papel de Ruanda na África subsaariana.

No mapa, é possível comparar o tamanho da República democrática do Congo a Ruanda.

Regime bonapartista a serviço das transnacionais da mineração

Felix Tshisekedi está em seu segundo mandato. No primeiro mandato, ele fez aliança com Joseph Kabila, que estava há 19 anos no poder. Ambos, Felix e Kabila, fraudaram as eleições. A aliança entre os dois era forte e conseguiram validar as eleições. No segundo ano de mandato, Felix começou a se desvincular de Kabila e, para não ser derrubado, negociou com todos os países imperialistas. Sua primeira viagem foi a Israel, onde foi condecorado por uma universidade sionista, comprou armas e assinou acordos de cooperação militar. Depois ampliou as relações, participando de reuniões convocadas por Biden, e também se reuniu com russos e chineses.

É um estado falido e sem controle. Os trabalhadores portuários, por exemplo, fizeram uma greve reivindicando 27 meses de salários atrasados. Desde agosto de 2024, foi restabelecida a pena de morte, e 3 pessoas foram sentenciadas à pena por tentativa de golpe de Estado. No mês de janeiro de 2025, o Ministro da Justiça, Constant Mutanda, anunciou solenemente pelas rede sociais[2] que 170 pessoas seriam executadas. A Anistia Internacional denuncia o aumento de execuções sumárias no país. Há diversos presos políticos por crime de opinião.

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A República Democrática do Congo tem reservas minerais avaliadas em 3 trilhões de dólares, enquanto está classificada entre os 20 piores países para se viver segundo o PNUD. Rober Friedland, fundador da Ivanhoe Miners e operador da gigantesca mina de cobre Kamoa-Kakula, diz: “A África é abençoada por possuir o maior depósito de minerais do planeta, e ele mal começou a ser explorado”. E continuou: “Acho que a África vai liderar o mundo em termos do setor de mineração. E não nas margens de lucro, mas em grande escala”. As transnacionais contam com o governo bonapartista para superexplorar os trabalhadores, destruírem o meio ambiente e levar gigantesca renda mineral.

A ameaça de balcanização e a reação das massas

Há anos se discute no país a possibilidade de balcanização do Congo. O sentimento nacional limitado por diversas questões é mais elevado na capital Kinshasa. Um dia após a ocupação de Goma, na capital, as massas saíram espontaneamente às ruas e tentaram incendiar as Embaixadas de Ruanda, Bélgica, França e Estados Unidos. As ações foram violentamente reprimidas e houve um pedido oficial de desculpas por parte do governo. Nos dias subsequentes, houve novas manifestações com repressão violenta. Na Universidade de Kinshasa, os estudantes fizeram grandes assembleias se propondo a irem para Kivu Norte e depois também para o Kivu Sul para defender a soberania nacional.

A disposição de luta não prosperou pois não há uma organização independente que assuma o chamado e a organização. Há muitas ONGs que cooptam todo novo ativista que surge, se restringem a denunciar os atropelos aos direitos humanos e se abstêm de denunciar o imperialismo. A Fair Cobalt Alliance é uma dessas ONGs, que denuncia o trabalho infantil nas minas: a entidade é financiada por Tesla, Glencore e Fairphone, entre outras corporações.


[1] The ITSCI laundromat How a due diligence scheme appears to launder conflict minerals    https://www.globalwitness.org/en/campaigns/natural-resource-governance/itsci-laundromat/#itsci

[2]   https://www.tiktok.com/@henockbintajournaliste/video/7456418071125888261?_r=1&_t=ZM-8sqGNnG9RkT


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Cesar Neto
J.G. Hata

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