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Putin: A Rússia deve aumentar “o mais rápido possível” a capacidade de combate de suas forças terrestres (Foto: Kremlin)

Rússia pode contribuir para mediação do conflito Irã x Israel, afirma especialista

Segundo o analista político Andrei Kortunov, ex-funcionário do Kremlin, a Rússia poderia contribuir, se não para resolver o conflito, ao menos para uma desescalada

Juan Pablo Duch
La Jornada
Moscou

Tradução:

Beatriz Cannabrava

O conflito armado entre Israel e Irã é, para a Rússia, uma espécie de faca de dois gumes. Por um lado, pode aumentar a demanda por combustíveis russos e posicionar o país como mediador. Por outro, se a atual escalada provocar a queda do governo do Irã, pode haver sérias consequências para Moscou. É o que avalia o analista político Andrei Kortunov, até recentemente diretor do Conselho Russo de Assuntos Internacionais, órgão que assessora a cúpula governante do país.

O especialista sustenta – em um artigo de opinião publicado nesta segunda-feira (16) no diário Kommersant – que a escalada do confronto entre Israel e Irã, “deixando de lado as considerações humanitárias e refletindo com verdadeiro cinismo, em certo grau até resulta proveitosa para a Rússia”. Isso se dá por três razões.

“É óbvio que qualquer aumento da tensão no Oriente Médio se traduz de imediato na alta dos preços dos combustíveis, incluindo os russos. Quanto maior a magnitude dos choques armados, e caso Teerã chegue a fechar o acesso ao Estreito de Ormuz, mais alta será a demanda global por petróleo e gás russos”.

A segunda razão, continua Kortunov, é que “qualquer agravamento da situação no Oriente Médio distrai a atenção dos inimigos de Moscou em relação à Ucrânia, modificando as prioridades dos programas ocidentais de ajuda militar”.

Também não é difícil prever que a agenda dessa região aumentará os desencontros entre os Estados Unidos e seus aliados europeus, o que mais uma vez corresponde aos interesses da Rússia, assinala o analista.

Por fim, reflete: “considerando nossas relações de aliança com Teerã, em teoria Moscou poderia exercer o papel de mediador imparcial entre as partes envolvidas e contribuir, se não para resolver o conflito, ao menos para uma desescalada. Com isso, poderia reforçar sua influência na região após a queda do regime sírio de Bashar al-Assad”.

A mediação russa

O presidente Vladimir Putin, desde os primeiros ataques israelenses, se ofereceu para atuar como mediador em várias ligações telefônicas ao primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e ao presidente do Irã, Masoud Pezeshkian. Também reiterou ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sua oferta de intermediar entre as partes beligerantes, assim como de se encarregar do urânio enriquecido iraniano caso se chegue a um acordo sobre o programa nuclear do país.

Kortunov, porém, vê vários obstáculos para que Moscou seja aceito como mediador: “É um fato incontestável: a Rússia não pôde evitar o bombardeio massivo de Israel contra um país (Irã) com o qual assinou há apenas cinco meses um acordo de associação estratégica integral, que – ainda que não inclua uma cláusula de assistência recíproca em caso de agressão – neste momento exige algo mais do que meras declarações políticas de condenação às ações de Israel”. O Irã necessita de sistemas de defesa antiaérea e caças-bombardeiros que a Rússia não forneceu em razão do conflito na Ucrânia.

Outro aspecto pontuado pelo especialista é que uma escalada no Oriente Médio poderia complicar o diálogo de Moscou com Washington, uma vez que Putin condenou a agressão de Israel, enquanto Trump apoiou os ataques israelenses como forma de pressão adicional para forçar o Irã a aceitar um “acordo” sobre seu programa nuclear sob as condições dos Estados Unidos.

Kortunov acredita que essas discrepâncias não gerem uma crise imediata nas relações entre russos e estadunidenses. Porém, os riscos para Moscou no longo prazo poderiam crescer caso Netanyahu consiga “forçar uma mudança de regime em Teerã”, o que “se traduziria na perda de um aliado importante na região. Mas, por ora, esse ambicioso objetivo de Israel parece inalcançável”.

Reunião sobre a tríade nuclear russa

Putin, ao reunir em 11 de junho membros de seu governo e militares de alta patente para discutir a portas fechadas “os parâmetros principais do projeto do programa estatal para armamentos 2027-2036”, reforçou a necessidade de dedicar atenção especial ao desenvolvimento de sua tríade nuclear: mísseis de longo alcance, bombardeiros estratégicos e submarinos atômicos.

O presidente russo reforçou que esta “foi e é a garantidora da soberania da Rússia e desempenha um papel primordial para manter o equilíbrio de forças no mundo”. Além disso, destacou que a modernização do armamento e das tecnologias das forças nucleares estratégicas russas “alcança 95%” de seus componentes, o que é “um dado excelente” e, de fato, o “indicador mais alto entre todas as potências nucleares”.

Conforme divulgado pelo serviço de imprensa da presidência russa, Putin encarregou os presentes da tarefa de “desenhar um novo programa de longo prazo que inclua todo o complexo de sistemas e tipos de armamento, levando em conta ao máximo a experiência da operação militar especial (na Ucrânia) e de distintos conflitos regionais”.

Para o mandatário, é importante calcular com antecedência as exigências e preparar bases, arsenais, aeródromos e outras infraestruturas para os novos sistemas de armas. “Os recursos financeiros para construir e modernizar essas instalações devem ser incluídos em um capítulo especial do programa”, acrescentou.

O líder russo comentou que frequentemente se vê obrigado a assinar documentos para autorizar a realocação de recursos do orçamento para outro setor, e questionou: “Por que isso acontece?”, prontamente respondendo: “Porque quando aparecem novos sistemas de armamento, do zero (os diretores de fábricas da indústria militar) exigem com urgência mais dinheiro para uma rápida modernização (das infraestruturas)”.

Putin assinalou que a Rússia deve aumentar “o mais rápido possível” a capacidade de combate de suas forças terrestres e “lançar bases sólidas para seu desenvolvimento”, assim como “incrementar o potencial exportador das armas e tecnologias russas, em especial daquelas que demonstraram sua eficácia em condições reais de combate”.

Reunião do Conselho de Segurança russo

Na semana passada, por meio de sua operação Teia de Aranha, a Ucrânia atacou com drones cinco aeródromos na Rússia e atingiu cerca de 40 aviões militares, incluindo bombardeiros estratégicos que fazem parte do arsenal nuclear do país. A ofensiva fez Putin adiantar em dois dias a reunião do Conselho de Segurança russo a fim de debater “questões para aperfeiçoar o programa estatal em matéria de defesa dos valores tradicionais de caráter espiritual e moral”.

O Kremlin descartou uma resposta com armas nucleares táticas. Porém, afirmou que o ataque ucraniano contra os bombardeiros estratégicos — que podem portar bombas e mísseis nucleares — poderia justificar o uso da Doutrina Nuclear russa, uma vez que inclui a possibilidade de usar as armas nucleares em caso de ataque contra seu arsenal.

Ofensiva na Ucrânia

Já madrugada de 8 de junho, a Ucrânia foi alvo de um ataque massivo russo que combinou mísseis, drones e bombas aéreas. Foram usados 206 drones e nove mísseis, além de um número não quantificado de bombas aéreas guiadas, que se concentraram principalmente contra a cidade de Kharkiv, a segunda mais importante do país vizinho eslavo.

O Ministério da Defesa russo, por meio de um boletim de guerra, confirmou ter lançado “armas de alta precisão e longo alcance, assim como aparatos aéreos não tripulados contra fábricas da indústria militar, oficinas de montagem de drones de assalto, centros de manutenção técnica e reparo de equipamentos militares, bem como armazéns de munições do exército ucraniano”. Assegurou também que “todos os alvos programados foram destruídos”.

Já a Força Aérea da Ucrânia afirmou, na ocasião, ter derrubado ou neutralizado por interferência eletrônica 167 dos 206 drones, além de sete dos nove mísseis. Os dois que atingiram seus alvos eram mísseis balísticos Iskander-M; dos sete restantes, um era míssil de cruzeiro Iskander-K e os outros seis, mísseis guiados KH 59/56 disparados por aviões de combate. Também disse ter derrubado um caça-bombardeiro russo Su-35 na região de Kursk e publicou em suas redes sociais um vídeo que mostra um avião em chamas no solo, filmado do ar.

Blogueiros russos no Telegram que apoiam a operação russa confirmaram a queda do avião de combate e celebraram o fato de o piloto ter conseguido se ejetar. “Perdemos um Su-35C na região de Kursk; o piloto sobreviveu”, escreveu o canal Fighterbomber, ligado à Força Aérea russa.

A cidade de Kharkiv, segundo seu prefeito Igor Terejov, sofreu 48 impactos de mísseis, drones e bombas KAB (sigla russa para bombas aéreas guiadas), que causaram ao menos oito mortos e mais de 40 feridos. Um dia depois, Kharkiv voltou a ser atacada com mais duas bombas KAB, que deixaram cinco vítimas, de acordo com Oleg Siniegubov, chefe da administração político-militar da região.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul Global – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Juan Pablo Duch Correspondente do La Jornada em Moscou.

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