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ToggleEncontrar uma novidade para dizer hoje sobre Santiago Álvarez resulta algo assim como rebuscar sem descanso em um velho baú, cúmplice da memória olvidada e dos avatares do tempo. No entanto, o fundador da TV Serrana, Daniel Diez, conversou com La Jiribilla sobre a vida de Santiago Álvarez. Nos revelou um homem que mal saia do ICAIC, mantendo viva sua vocação jornalística, com a necessidade intrínseca de contar, inclusive, as imperfeições que testemunhou.
Daniel, que se manteve junto a Santiago durante 12 anos como sonoplasta, tanto no Noticiário ICAIC como em seus documentários, nos aproximou de um Santiago versátil e inquieto, sempre disposto a refletir sua realidade através daquelas lentes que devolviam imagens inesquecíveis em preto e branco. Um homem que vivia por e para sonhar, mas com os pés bem-postos sobre a terra.
Santiago sempre defendeu o Noticiário e o Documentário como formas artísticas de expressão e por isso continuou fazendo documentários até seus últimos dias.
ICAIC
Santiago sempre defendeu o Noticiário e o Documentário como formas artísticas de expressão
Confira a entrevista
La Jiribilla – Quando e como chegou a trabalhar com Santiago Álvarez?
Daniel Diez – Comecei no ICAIC em 1967 como bolsista, estudando a técnica do som para o cinema e já em 1968 comecei a trabalhar no Departamento de Som como técnico. Um dia chegaram do Noticiário ICAIC buscando um sonoplasta para poder filmar uma notícia e como era para isso que eu havia estudado, lhes disse que eu podia e esse foi meu primeiro trabalho com Santiago Álvarez. Ali estive durante 12 anos trabalhando também em muitos de seus Documentários e no de outros Diretores. Algo importante é que antes de chegar ao ICAIC eu estava quase excomungado por ouvir os Beatles e outros grupos dessa época. Lembre-se que naqueles momentos, alguns diziam que isso era diversionismo ideológico. No entanto, nesse organismo não só se escutavam, mas se estudavam os métodos de gravação de seus instrumentos musicais, algo que foi muito importante para mim, tanto técnica, como revolucionariamente: essa música não estava em contradição com a nossa visão revolucionária do mundo.
Havia distância entre o Santiago companheiro e o Santiago diretor?
Ele sempre foi o companheiro de trabalho que tinha a responsabilidade de dirigir, mas nunca acreditou estar por cima da equipe de realização e por isso, mesmo nunca tendo nos dado aulas de como realizar um bom documentário, o fato de observar como ele trabalhava nos serviu de guia para criar uma obra carregada de valores humanos.
Como era a dinâmica com Santiago na hora da realização?
Santiago era exigente com o trabalho, pois sabia que o que não era conseguido durante a filmagem da realidade seria um problema para a edição dessa informação, e a história que se queria contar sofreria por isso. Por sua vez, ele sabia que a equipe era fundamental para o trabalho cinematográfico, e por isso sempre criava as condições para que nós estivéssemos confortáveis durante as filmagens e isso trouxe como resultado o magnífico grupo de trabalho que se conseguiu no Noticiário ICAIC. Toda essa atitude ética e estética, utilizada para realizar um jornalismo cinematográfico, contribuiu para que eu escolhesse, precisamente, ser jornalista.
Santiago, juntamente com sua equipe, abordou em noticiários e documentários arestas tão diversas como a guerra, uma catástrofe, inclusive o encontro com presidentes (como Ho Chi Minh ou Allende); de que forma ele assumia a tarefa de documentar acontecimentos antagônicos por natureza?
Santiago era um ser humano que transpirava jornalismo por todos os poros e tinha esse olhar que possibilitava ver além do próprio fato. Conseguia que cada história tivesse como leitura elementos emocionais que fizessem o espectador raciocinar e encontrar as motivações fundamentais de determinados fatos, ou de situações que moviam a ação de algumas personalidades. Era encontrar as essências. Eu sempre disse que a escola de jornalismo te dá as ferramentas para exercer a profissão, mas ser jornalista é uma atitude perante a vida, ou se a tem ou não.
O noticiário se manteve em diversas e complexas etapas da evolução, nos duros anos 60 e 70, nos críticos 80 e morre no início dos 90, na derrocada do campo socialista. Como conseguiu sobreviver (com êxito) o noticiário nestes períodos particulares, sendo um produto que representava uma ideologia marcada e, ao mesmo tempo, sendo autocrítico com o contexto?
Foi feita uma interpretação correta dessa ideologia, sabendo escutar os outros, e sem ter uma atitude dogmática. Só a Casa de las América, o ICAIC e o Ballet Nacional de Cuba não se deixaram levar pelas correntes do realismo socialista de interpretação cubana daqueles tempos. Por isso se deve mencionar Alfredo Guevara ao fazer essa análise.
Quando Silvio Rodríguez foi expulso do ICRT, Santiago lhe dedicou um Noticiário onde ele cantava “Hay un grupo que dice” e depois se criou o Grupo de Experimentação Sonora com Pablo.
Para Santiago tudo consistia em ter uma “visão revolucionária de nossa Revolução”.
Recentemente, víamos o último noticiário (1490) no Edifício Varona da Universidade de Havana. Como assumiu Santiago a fato de se despedir desse projeto ao qual dedicou seus melhores anos?
Dolorosamente, como assumimos todos, especialmente ele, que era seu pai. Lembro que naqueles tempos fundei a TV Serrana e na primeira viagem a Havana, quando viemos ao Festival de Cinema, levei os jovens realizadores a um encontro com Santiago. Sei quão feliz ele se sentiu ao ver como nas montanhas da Sierra Maestra estavam sendo realizados documentários com esse olhar que ele havia ensinado. Santiago sempre defendeu o Noticiário e o Documentário como formas artísticas de expressão, por isso continuou fazendo documentários até seus últimos dias.
Para você, Santiago é:
Um dos grandes do cinema documental do mundo.
Assista também na Cinemateca Diálogos do Sul