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Por que é necessário refletir sobre como será o mundo e nossa vida após uma pandemia?

Além do surto provocado pelo COVID-19, atualmente a humanidade está enfrentando várias outras epidemias, algumas até mais perigosas e letais
Luis A. Montero Cabrera
Cubadebate
Havana

Tradução:

Uma epidemia é antes de tudo uma tragédia. Assim se classifica qualquer rápida expansão de uma doença entre as pessoas de uma comunidade, ou de muitas. Quando afeta todo o mundo, então se costuma chamar de “pandemia”.

Desde que há seres vivos nesta Terra, têm ocorrido fases de ações biológicas que afetam a uma determinada espécie em seu habitáculo. É parte da própria essência da vida, em constante movimento. No entanto, nossa espécie homo sapiens foi selecionada graças à capacidade de intercambiar volumosas quantidades de informação com respeito a qualquer outra, o que nos permitiu conhecer e interagir com estas desgraças muito mais, e também mais eficientemente.

As epidemias naturais podem custar muitas vidas. Também há as que são criadas pelas anomalias do raciocínio humano. Quando alguém convence seus concidadãos de que são melhores que outros, embora sejam vizinhos e por qualquer coisa, isso costuma conduzir a uma epidemia praticada desde há muito tempo: as guerras.

A doença que as causa é virtual, está na mente daqueles que acreditam que enviando tropas para matar os outros eles podem alcançar estados mais felizes ou satisfazer gostos espúrios. Às vezes, lamentavelmente, uma guerra tem também que ser feita para evitar males maiores, que com o tempo custam mais vidas. São as guerras justas, as que se tornam necessárias por não haver alternativas melhores. Mas essas ocorrem muito menos que as injustas, as supremacistas e as egoístas, que são as verdadeiramente epidêmicas. 

Além do surto provocado pelo COVID-19, atualmente a humanidade está enfrentando várias outras epidemias, algumas até mais perigosas e letais

Foto: Pixabay
O interessante da pandemia viral atual do chamado COVID-19 é que o mundo mudou com ela

Agora a humanidade está enfrentando várias epidemias, tanto naturais como artificiais e locais que são letais diariamente. Há lugares onde bandos armados cobram diariamente uma quota de mortes que só aparece, se aparece, em órgãos de imprensa locais. São “mortes leves” que só são informadas aos próximos. Se chegam aos grandes canais de informação o fazem sem nomes próprios: “perderam a vida 24 participantes de uma festa de casamento que foram confundidos com terroristas” ou “morreram só neste ano mais de 200 personalidades sociais em mãos de paramilitares” ou “25 mulheres foram assassinadas por seus companheiros neste mês”. 

Diz-se que a chamada “praga de Justiniano” liquidou 40% da população documentada no século VI de nossa era na Europa, no Egito e na África Ocidental. A “peste negra” matou pelo menos 75 milhões de europeus, asiáticos e africanos do norte no século XIV. México, o maior país da América nessa época, perdeu no século XVI a maioria da população com vários milhões de mortes por uma epidemia bacteriana entérica. Com dados mais precisos, uma gripe mundial matou um milhão em 1889 e 1890, e outra chamada “espanhola” acabou com a vida de 100 milhões em todas as partes entre 1918 e 1920. Alguns anos antes a chamada Primeira Guerra Mundial havia arrebatado a vida a uns 40 milhões, dos quais aproximadamente a metade nem sequer portavam uma arma quando foram mortos. 

Já a “gripe espanhola” nos mostrou uma notável série de eventos ocasionados por vírus e que sendo doenças às quais se pode sobreviver e até sem sequelas, arrastam uma elevada carga de falecimentos. Não é que não ocorresse antes. É que não se sabia que coisa era. Foram pandemias virais a “gripe asiática” de 1958 que custou 2 milhões, a de Hong-Kong com um milhão em 1969, a influenza de 2009 com meio milhão, um coronavírus agudo no Oriente Médio em 2012, que persiste, e agora o COVID 19 cujo saldo vai sobrepassando os 5000 mortos em todo o mundo. 

Não mencionamos o ebola e o HIV-AIDS. O primeiro se localizou essencialmente na África desde 2004 com diversos brotes e o outro custou milhões de vidas em todo o mundo desde 1960. A estas alturas se aprendeu a tratá-lo, embora ainda não tenha cura. Tampouco mencionamos a chamada Segunda Guerra Mundial, que se diz que custou 75 milhões de vidas, e delas mais de 50 milhões desarmadas no momento de seu final.

O interessante da epidemia viral atual do chamado COVID-19 é que o mundo mudou com ela. Graças ao desenvolvimento notável da ciência chinesa foi possível identificar o vírus muito rapidamente e descrever bem os detalhes da doença e sua transmissão. Sabe-se que a letalidade é menor, mas que sua facilidade de contágio faz com que seja muito perigoso, por aquelas vidas que cobra entre os que não podem resistir a ele. A pandemia de HIV-AIDS demorou anos em ser conhecida depois que havia cobrado muitas vidas. Isto foi por muitos motivos, incluindo as limitações científicas da época e também pelos preconceitos que levava junto. 

O nível de intercâmbio de informação de hoje é tão eficiente que sabemos se alguém foi comprovado positivo no Taiti, onde se diz que vive “Indirita”, do outro lado do mundo e quase no momento em que ocorre. E isso faz que as precauções não tenham outro limite mais que o impossível. Ninguém deseja ficar doente e ninguém é imune, seja do país, cor, religião, ou riqueza econômica que seja. As microgotas aquosas que flutuam portando o vírus são originadas em qualquer humano infectado e o ar que as porta é o que respiramos todos. É um bem comum. As superfícies que tocam e são tocadas por nossas mãos podem manter o vírus ativo muitos minutos. Os pulmões jovens e sadios resistem à rigidez causada por essa doença e lhes permite sobreviver. Os já afetados por outras doenças ou por demasiada maturidade, não podem ter o oxigênio que necessitam e costumam não sobreviver o tempo necessário para que o sistema imune invente a forma de destruir esse vírus alheio e invasor. 

Uma conclusão evidente é a necessidade de pensarmos como teria que ser nossa vida e o mundo depois que passe essa pandemia para que a seguinte epidemia fique como anedótica e limitada, e que não volte a ocorrer outra pandemia. Sempre haverá vírus, enquanto exista a vida, e continuarão mutando para criar novas doenças.

As poderosas ferramentas informativas que a humanidade tem desenvolvido podem permitir que vençamos mais rapidamente esta desgraça, e avancemos todos para fazer ainda melhor com as que venham. Imitar o bem feito e aprender com os erros, mesmo que sejam de outros, tirando vantagens. As frentes de luta são muito diversas, desde os laboratórios até os meios de comunicação, passando pela medicina comunitária e assistencial. Lamentavelmente, as vidas e os mal-estares, as perdas de todo tipo que isso traz, não podem ser evitadas. Mas nossa sabedoria tem que aumentar e devemos saber aproveitá-la.

Luis A. Montero Cabrera, Doutor em Ciências. Membro de mérito e coordenador de ciências naturais e exatas da Academia de Ciências de Cuba. Preside o Conselho Científico da Universidade de Havana.

Original publicado em CubaDebate


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Luis A. Montero Cabrera

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