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Coronavírus nos coloca diante da imagem em alta definição de nossas misérias sociais

Carolina Vásquez Araya
Diálogos do Sul
Cidade da Guatemala

Tradução:

Hoje não é fácil escrever. Entre a confusão provocada pelo cruzamento de informação e desinformação que nos levam de um extremo a outro, da esperança à paranoia. De repente nos damos conta de uma mudança no mapa e nas prioridades; porque aquilo considerado seguro, irredutível e transcendente é, de repente, uma imagem desvanecendo-se diante dos nossos olhos. Mas isso não é o mais duro, mas sim o efeito adormecedor de uma situação inusual como essa de permanecer recluídos pela força dos mandatos oficiais e de circunstâncias próprias de um filme de terror. Então vem o truque mental de acomodar-se da melhor forma possível àquilo que não podemos mudar. 

No entanto, desde nosso pequeno reduto terminamos por esquecer quão afortunados somos por possuir, pelo menos, o privilégio de ficar em casa e ter suficiente alimento para suportar esta tensa espera.

Porque em nossos países, tão abundantes em riquezas, as grandes maiorias vivem em uma pobreza profunda e descarnada que os converte nas primeiras vítimas de qualquer calamidade. Atados às rodas do moinho de suas necessidades não satisfeitas, milhões de trabalhadores acabam por ser escravos de um sistema cujo propósito é explorá-los ao máximo e tirar deles toda a possibilidade de escapar ao seu destino. Talvez o único resgatável do vírus que hoje nos ataca seja sua função como o elemento revelador que, como em um laboratório fotográfico, nos coloca diante da imagem em alta definição de nossas misérias sociais e humanas. 

Unicamp
Talvez o único resgatável do vírus que hoje nos ataca seja sua função como o elemento revelador

É agora quando por fim nos bate na cara a evidência do engano e da manipulação. É nessa estranha circunstância quando a estultícia de nossos governantes e seus anéis de influência alcança plena visibilidade e podemos observar ao vivo e em direto a forma em que aproveitam o momento para reforçar seus redutos de poder, capitalizar o medo da cidadania com fins eleitorais, desviar fundos públicos para proteger os mais ricos e elaborar um discurso enganoso para convencer a população sobre a bondade de seus atos.

Em suas declarações e entrevistas coletivas, a grande massa de seres abandonados à sua sorte não existe; não são mencionados os imigrantes deportados, como tampouco a infância desnutrida e vulnerável a qualquer problema sanitário. Fazem alarde das medidas de contenção, mas não descrevem a situação real dos serviços de saúde, historicamente abandonados por um sistema inescrupuloso. 

A amoralidade de nossos governantes não é um fato fortuito, mas sim um plano cuidadosamente traçado por aqueles que na realidade manejam os fios e possuem todos os recursos de nossos países e nunca, talvez, tenha ficado tão à vista a dicotomia entre as palavras e os fatos. A pandemia que nos ataca, e que nos deixa à mercê de decisões tomadas em um contexto opaco e suspeitosamente inclinado para o estabelecimento de novas restrições às liberdades cidadãs, deve nos pôr em alerta e obrigar-nos a analisar mais detidamente as raízes de nossas carências e as consequências do nosso conformismo. Deve, além disso, despertar sentidos e consciência para ver sem filtros discriminatórios as verdadeiras causas da miséria na qual afundam grandes segmentos da sociedade e, com eles, também nossos sonhos de prosperidade e desenvolvimento. Hoje fomos igualados na incerteza, irmanados no temor por um amanhã desconhecido e igualmente vulneráveis diante de uma emergência sanitária da qual desconhecemos quase tudo. Estamos diante de uma autêntica encruzilhada e de nós depende escolher o caminho correto. 

Como numa revelação fotográfica, aparecem nossas grandes debilidades.

 

Carolina Vásquez Araya, Colaboradora de Diálogos do Sul desde a cidade da Guatemala

Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Carolina Vásquez Araya Jornalista e editora com mais de 30 anos de experiência. Tem como temas centrais de suas reflexões cultura e educação, direitos humanos, justiça, meio ambiente, mulheres e infância

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