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ToggleQuando o mundo respira com certo alívio ao conhecer o resultado das recentes eleições presidenciais nos Estados Unidos da América do Norte, não o faz propriamente pela vitória de Joe Biden – que é muito pouco conhecido – mas sim pela derrota de Donald Trump, a quem se aprendeu a odiar ou a desprezar, com o devir dos acontecimentos nos últimos quatro anos do processo mundial.
Leia também o texto de abertura da série:
Qual a política de Biden para América Latina? Se engana quem acha que virão dias fáceis
O derrotado republicano foi capaz de incrementar substantivamente a resistência que, em muito amplos setores da cena internacional, suscita hoje a política dos Estados Unidos, um país que tem vivido em permanente estado de guerra nas últimas sete décadas.
Em uma região do mundo como a América do Sul, que não tem sido cenário de conflitos bélicos, o discurso agressivo e belicoso do atual ocupante da Casa Branca só incrementava a preocupação e o temor, que hoje começa a se evaporar.
As primeiras medidas de Biden
A nova gestão da Casa Branca incidirá em cinco linhas básicas: a mudança climática, a pandemia do coronavírus, o incremento desmedido da tensão mundial, o tema migratório e a proliferação de armas nucleares.
Por enquanto, o entorno do novo mandatário tem anunciado a ideia de promover um encontro internacional no qual 44 países — vários deles da América Latina — coincidam em abordar esta agenda de maneira mancomunada.
Nessa linha, provavelmente se marcharia a uma espécie de convergência global que ajude a distensão, mas que ao mesmo tempo gere espaço à nova administração estadunidense, seguramente empenhada em estender a influência decisiva do Partido Democrata nas próximas eleições de 2024, quando provavelmente Biden não estará em condições de postular uma reeleição presidencial.
Se em um evento desta magnitude participarem Rússia, China, Índia e as principais potências europeias, isso implicaria certamente um novo cenário mundial, no qual os problemas da agenda poderiam obter prioridade política mais ou menos significativa.
Para que esta política se efetive, será necessário que os Estados Unidos retornem à Organização Mundial da Saúde (OMS), revise a possibilidade de subscrever o Convênio de Tóquio sobre armas nucleares; retirem suas objeções ao acordo de Escazú e, em geral, vejam com novos olhos os tratados de proteção ao meio ambiente e à biodiversidade.
Montagem Diálogos do Sul
Diálogos do Sul publica uma série sobre as perspectivas de um governo Joe Biden para a América Latina
Na América Latina
Nesta parte do mundo, a derrota de Trump implica um contraste para os partidários da confrontação. Regimes como os de Jair Bolsonaro, Iván Duque e Sebastián Piñera sentirão, antes que todos, a orfandade na qual fica o discursos belicista. Para os ocasionais governantes de Brasil, Colômbia e Chile, mais do que a eleição de Biden, a derrota de Trump implica um contraste severo com suas políticas agressivas.
Nessa ordem de coisas, o Grupo de Lima — já certamente enfraquecido — ficará no maior desamparo. Biden apostará por uma política de distensão regional, não por favorecer à Venezuela Bolivariana, mas simplesmente para não agravar a crise regional em ponto de ebulição. Isto incidirá também no caso do México e no empenho de Trump por fechar as fronteiras, incluída a construção do muro.
E isto debilitará também governos como os de Moreno, no Equador, e o quase anônimo Mario Abdo, do Paraguai. O modelo capitulador do primeiro deles sofrerá seguramente um sério contraste nas eleições de fevereiro de 2021 e o segundo perderá vigência pelo viés progressista de seus vizinhos mais próximos: Argentina e Bolívia.
Inclusive, o cauto governo direitista de Luis Lacalle, no Uruguai, terá que mirar as coisas com mais atenção e não poderá tensionar as forças para desativar os programas sociais aplicados no passado recente pelos governos da Frente Ampla.
A vitória da Bolívia, efetivamente, e a abertura que sugere o recente plebiscito efetuado no Chile em 25 de outubro passado, foram também golpes para Trump nesta parte do mundo, e reforçam um processo que afirmará a recuperação da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL) e da Comunidade de Estados da América Latina e o Caribe (CELAC).
Todo isso abrirá um novo cenário na região, que permitirá desinflar a crise agravada pelo discursos belicista de Trump e da atividade sabotadora impulsionada, sobretudo, por Mark Pompeo contra Cuba, Nicarágua e Venezuela.
Não necessariamente serão processadas mudanças decisivas na relação dos Estados Unidos com estes países, mas sim algumas pequenas ações que desalentarão a agressividade e o ódio derivados da administração ianque do passado. Particularmente, no caso de Cuba, é possível que sejam revisadas algumas das políticas migratórias e algumas outras disposições referentes ao bloqueio.
O Peru na agenda
Por todas estas razões, é importante considerar o tema dos vínculos entre a nova administração estadunidense e o Peru.
Por sua extensão, população, localização geográfica e suas ingentes riquezas, o Peru é um dos pratos preferidos na ceia da Casa Branca. Além disso, é o centro de suas políticas, sobretudo as que se referem à costa do Pacífico e proximidades.
Isso foi entendido claramente por Donald Trump, que buscou colocar o Peru como seu sócio mais ativo na política regional contra o processo emancipador latino-americano, em particular contra a Venezuela Bolivariana.
É quase um segredo a vozes que o sonho do hoje derrotado presidente ianque foi trasladar o conflito militar que agora impulsa na Ásia Central para nosso continente. A ideia partia de uma concepção pétrea: dobrar a Venezuela derrotando militarmente esse país e derrubando pela força o governo de Nicolás Maduro.
Nessa linha, Trump aceitou a ação belicista contra a Venezuela, sobretudo desde a fronteira com a Colômbia, mas também do Brasil. A incorporação da Colômbia à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) não teria senão esse propósito: urdir um “conflito armado” na fronteira colombo-venezuelana para justificar o início de uma guerra “defensiva” por parte da Pátria de Nariño e o pedido da Colômbia para a intervenção da Otan no conflito. Resultado? Uma “guerra libertadora” que terminasse com o processo bolivariano.
Como parte dessa estratégia, esteve a designação da nova embaixadora dos Estados Unidos no Peru, em substituição a Krishna R. Urs, que terminou suas funções em Lima em 28 de julho.
Embora ainda não tenha assumido seu cargo, a nova titular do posto, é a senhora Lisa S. Kenna, de Vermont, que foi Secretária Executiva do Departamento de Estado dos Estados Unidos até ser designada embaixadora no Iraque.
Também foi Assessora Principal do Departamento de Estado e Assessora Política da Secretaria de Defesa dos Estados Unidos. Se lhe faltassem credenciais haveria que acrescentar que também foi Chefa dos Serviços Secretos da Embaixada dos Estados Unidos na Jordânia e Diretora do Divisão do Iraque no Conselho de Segurança Nacional da Casa branca, além de outros postos similares.
A embaixadora Kenna trabalhou antes no Iraque, no Paquistão, na Jordânia e em outros países. Sua designação para Lima pintava de corpo inteiro os planos belicistas de Washington no passado recente.
O que vai acontecer agora? O senhor Biden ratificará essa nomeação, ou substituirá a senhora Kenna? Essa é certamente uma incógnita que mostrará o sentido da política da Casa Branca para os próximos quatro anos.
Especificamente, no Peru, o ex-presidente Martin Vizcarra saudou rapidamente a eleição de Biden, quase como se tirasse um peso das costas. E enviou uma mensagem certamente significativa: propunha políticas coincidentes em temas concretos: democracia, multilateralismo, cooperação e meio ambiente.
Quando fala de democracia, Vizcarra estava pensando não tanto na Venezuela, mas sim no Peru, considerando que sua própria estabilidade não está isenta de perigos, dada a agressividade de seus detratores, que de fato o depuseram.
O Tratado de Livre Comércio (TLC) entre os Estados Unidos e o Peru tem dez anos de vigência. Não é previsível que se insiram modificações em um ou outro sentido. Para ambos os governos o conveniado está dentro dos parâmetros formais, e é suficiente. Não requer mudanças.
O que se necessita é alimentar melhor as áreas de cooperação comercial e ajuda econômica. É preciso considerar que 70% das exportações não tradicionais do Peru vão para os Estados Unidos. São produtos com valor agregado, sobretudo agricultura, têxteis, pesca e agroquímica. Mas, sobretudo, a cooperação em duas áreas essenciais: mineração e petróleo.
Trump, como se recorda, adotou algumas medidas orientadas a desalentar o comércio peruano com a China. Mas hoje ao Peru interessa muito diversificar seu comércio exterior. E o mercado chinês, para esse efeito, é ideal.
Se o processo peruano se estabilizar e em abril de 2021 tivermos efetivamente eleições e um governo elementarmente potável, os vínculos entre o Peru e a administração de Joe Biden irão por bom caminho.
(*) Escritor e jornalista. Analista político e ex-parlamentar peruano. Colaborador de Diálogos do Sul.
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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