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Marco Rubio, secretário de Estado de Donald Trump (Foto: Gage Skidmore / Flickr)

Sem provas, Marco Rubio volta a alegar que carteis controlam governos no México

Secretário de Estado de Donald Trump, Marco Rubio falou ainda, durante visita a El Salvador, que o atual governo está "preocupado" com a soberania do México
Jim Cason, David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

Beatriz Cannabrava

O secretário de Estado dos Estados Unidos, Marco Rubio, afirmou nesta terça-feira (4) que a administração de Donald Trump está “preocupada” com as operações dos cartéis de narcotráfico que, segundo ele, “governam algumas regiões do México”, sem especificar quais.

“Temos preocupações legítimas sobre a presença, não apenas existente, mas em rápido crescimento, de cartéis perigosos que, em alguns casos, operam como governos em partes do México. É um enorme desafio à sua soberania como Estado”, declarou Rubio durante sua visita a El Salvador, sem apresentar fontes que respaldem suas declarações.

Ele acrescentou que os Estados Unidos desejam manter uma boa relação com o país vizinho, já que se trata de “uma nação com a qual temos muitas interações”, e ressaltou que, embora não esteja prevista uma visita ao México como parte desta viagem, ele espera fazê-lo no futuro.

“Existe uma boa relação com o México. Estive em contato com o secretário de Relações Exteriores, Juan Ramón de la Fuente, e estabelecemos uma relação bastante positiva. Tenho certeza de que nos veremos em breve”, destacou.

Rubio reiterou que Trump expressou sua frustração com o fluxo de fentanil e a “migração ilegal”, e classificou como “um bom passo” e uma “boa conversa” a ligação entre a presidente do México, Claudia Sheinbaum, e o republicano, na qual a mandatária conseguiu adiar a imposição de tarifas por parte dos Estados Unidos por um mês.

“Queremos ser bons parceiros nesse sentido. Acredito que o envio de 10 mil guardas nacionais do lado mexicano é um sinal muito positivo”, enfatizou.

A suspensão das taxas contra o México e o Canadá

Nesta segunda-feira (3), o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, declarou que “pausou” a aplicação de tarifas sobre o México e o Canadá a menos de 24 horas de entrarem em vigor, como resultado do acordo com a presidente Claudia Sheinbaum de enviar 10 mil efetivos da Guarda Nacional à fronteira com os Estados Unidos, e do compromisso semelhante do primeiro-ministro Justin Trudeau de enviar o mesmo número de “pessoal de primeira linha” à sua fronteira sul.

Em comentários à imprensa e nas redes sociais, Trump enfatizou que as tarifas de 25% contra o México e o Canadá (e uma de 10% sobre o petróleo canadense) não foram canceladas, apenas suspensas por um período de 30 dias, enquanto os Estados Unidos buscam alcançar “acordos” com cada um de seus vizinhos, sem fornecer mais detalhes.

A montanha-russa deste dia causou uma séria turbulência nos mercados financeiros e especulações sobre as moedas durante o dia, culminando com a notícia – primeiro do México e depois do Canadá – de que a entrada em vigor das tarifas contra os dois principais parceiros comerciais dos Estados Unidos foi suspensa como resultado de ligações telefônicas separadas de Trump com seus homólogos da América do Norte.

Enquanto vários aliados de Trump imediatamente celebraram o “triunfo” do mandatário e caracterizaram as ações anunciadas pelos vizinhos como “rendição” ou “ceder” às demandas de Washington, o próprio presidente surpreendeu com seu tom respeitoso em relação a Sheinbaum após uma conversa com ela na manhã de terça-feira. Ele rejeitou a sugestão de um jornalista de que o México havia “cedido” diante de suas ameaças e elogiou sua contraparte.

“A presidente Sheinbaum é uma mulher. Gosto muito dela. Temos boas relações, mas precisamos deter a entrada de fentanil, gostemos ou não, e precisamos deter a entrada de estrangeiros ilegais”, declarou Trump. Ele acrescentou que sua ligação com Sheinbaum foi “muito boa” e destacou que o México concordou em colocar 10 mil de seus “melhores soldados” na fronteira com os Estados Unidos. “Esses soldados serão especificamente designados para deter o fluxo de fentanil e migrantes ilegais para este país”, explicou Trump em uma mensagem em sua rede social.

“Também concordamos em uma pausa imediata nas tarifas previstas por um mês”, acrescentou Trump. Durante esse mês, ele indicou que o secretário de Estado, Marco Rubio, o secretário de Comércio, Howard Lutnick, e o secretário do Tesouro, Scott Bessent, liderarão as negociações dos Estados Unidos com funcionários mexicanos de alto nível. “Espero participar dessas negociações com a presidente Sheinbaum enquanto tentamos alcançar um ‘acordo’ entre nossos dois países”, escreveu.

Em um encontro com jornalistas na Casa Branca algumas horas depois, Trump reiterou que não havia sido alcançado um acordo final. “Ainda não concordamos em nada sobre as tarifas, talvez concordemos, talvez não. Mas temos uma relação muito boa.”

No entanto, nem Trump nem os comunicados oficiais de seu governo mencionaram a afirmação de Sheinbaum de que havia sido acordado abordar o fluxo ilegal de armas de alto poder dos Estados Unidos para o México. Trump disse que “concordamos em conversar e considerar várias outras coisas” sem fornecer mais detalhes. O Bureau de Álcool, Tabaco, Armas de Fogo e Explosivos, a agência federal diretamente responsável pelo controle de armas, não respondeu ao pedido do La Jornada para mais detalhes sobre esse ponto.

Trump também afirmou que o México tem interesse em controlar sua fronteira com os Estados Unidos. “Eles também querem protegê-la. Não querem que pessoas passem pelo México para chegar ao nosso país, então vão fazer isso”, comentou ele aos repórteres. Ele enfatizou que “os 10 mil soldados vão manter os estrangeiros ilegais fora, seriamente fora” e advertiu que, “caso contrário, eles receberão uma grande sanção, o México será sancionado”.

Mas ele não deixou de elogiar sua vizinha. “Ela é uma mulher maravilhosa”, acrescentou mais uma vez, referindo-se à presidente do México.

Talvez o mais notável tenha sido o contraste entre as palavras de elogio para sua contraparte mexicana e seus ataques ao Canadá ao longo do dia. Questionado sobre o que o Canadá poderia fazer para evitar a imposição das tarifas durante outro evento mais tarde, Trump respondeu com o que já havia usado para ofender seus vizinhos ao norte: “O que eu gostaria de ver é o Canadá se tornando nosso 51º estado. Não precisamos deles para carros, nem para madeira, nem para energia, temos mais energia do que eles.”

Mas horas depois, ao concluir a segunda ligação do dia entre os líderes, Trump mudou de tom e declarou que essa segunda ligação foi “muito boa”. Minutos depois, em uma mensagem em sua rede social, Trump anunciou que o Canadá não apenas enviará cerca de 10 mil elementos de pessoal de primeira linha para a fronteira com os Estados Unidos, mas também gastará 1,3 bilhão de dólares para fortalecer a fronteira, implantará mais helicópteros e participará de uma força-tarefa conjunta dos Estados Unidos e do Canadá para combater o crime organizado, entre outras ações (muitas das quais já haviam sido planejadas e anunciadas anteriormente pelo Canadá). Com isso, Trudeau e, em seguida, Trump anunciaram a suspensão da implementação das tarifas por 30 dias, e o americano afirmou que, durante esse período, “veremos se um acordo econômico final com o Canadá pode ou não ser estruturado. Equidade para todos!”

O que ainda não se sabe é o que o notoriamente imprevisível Trump exigirá do México e do Canadá para cancelar permanentemente as tarifas. Por enquanto, Trump e sua equipe insistem que “ganharam”.

Vingança, ameaças, mentiras

Mal começou o turbilhão do novo governo – incluindo atos de vingança, purgas, ameaças, mentiras, reformas de direita e, propositalmente, caos – e já há uma iniciativa para emendar a lei a fim de permitir que isso continue ainda mais, com um terceiro mandato de Donald Trump na Casa Branca.

Além das grandes iniciativas sobre migração, política exterior e indultos em massa para aliados e fanáticos do presidente, a primeira semana de Trump também incluiu uma incessante sequência de ordens, declarações e diretivas que, propositalmente, sobrecarregaram o circuito político, midiático e de percepção pública, deixando adversários atônitos e simpatizantes felizes. Ele emitiu mais ordens executivas – 38 – em seus primeiros nove dias do que qualquer outro presidente na história moderna do país, informou o portal Axios.

Várias das iniciativas provocaram alarme e caos, enquanto todos tentam avaliar o que é real, o que é provocação, o que prosperará, qual é o propósito e os impactos em quase todos os aspectos da vida pública e privada. A gama de iniciativas, proclamações e ordens secundárias é vastíssima e, às vezes – sem essa intenção – tragicômica, e algumas parecem buscar alimentar o absurdo. Tudo em nome de “resgatar” os Estados Unidos e “torná-lo grande novamente”.

Por exemplo, em atos de vingança pessoal, a equipe de proteção pessoal do ex-chefe do Estado-Maior, general Mark Milley, foi retirada, e sua autorização para acessar informações secretas foi revogada – algo sem precedentes contra quem foi o militar de mais alta patente da superpotência durante seu primeiro mandato, e tudo porque ele ousou criticar o comandante-em-chefe no final de seu primeiro mandato, chegando a chamá-lo de “fascista“. Até seu retrato oficial entre aqueles que ocuparam esse cargo no Pentágono foi removido, e foi anunciada uma avaliação para possivelmente rebaixá-lo.

Não é o único

Ele não é o único: Trump também ordenou a revogação da proteção de segurança pessoal de seu ex-secretário de Estado, Mike Pompeo – que, segundo dizem, enfrenta ameaças dos iranianos, entre outros –, por ter ousado criticar seu ex-chefe e afirmar que ele não é apto para ser comandante-em-chefe; e também de seu ex-“czar” durante a pandemia, o especialista em saúde pública Antony Fauci, que também criticou seu ex-chefe. Ambos receberam ameaças de morte de fanáticos de Trump depois de serem denunciados pelo magnata. Agora, o político que desencadeou os ataques, até agora verbais, contra esses dois, retira sua proteção.

Mais recentemente, o republicano exigiu um pedido de desculpas da bispa Mariann Budde, que presidiu o serviço religioso tradicional no início das presidências na Catedral Nacional, por ousar pedir misericórdia para os gays e imigrantes do país, chegando a chamá-la de “esquerdista radical”. Ela se recusa a responder a tal pedido e, como tem sido o costume, recebeu uma série de insultos e ameaças de fanáticos trumpistas.

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Além dessa série de ataques pessoais contra aqueles que considera traidores, Trump e sua equipe estão impulsionando todo tipo de iniciativas para “refazer” o governo, ampliar o poder do Executivo e cumprir promessas de campanha.

Por exemplo, na educação, Trump ordenou o fim do “doutrinamento radical” e sua substituição por uma “educação patriótica” para alunos desde o jardim de infância. Ao mesmo tempo, está promovendo iniciativas para avançar na privatização da educação pública e, em outro nível, lançou uma investigação sobre universitários que participaram de protestos contra Israel pela guerra em Gaza, classificando-os como “antissemitas”, com a possibilidade de deportá-los se forem estrangeiros.

Desarticular o Estado profundo

Na “reforma” do governo federal, Trump ofereceu a todos os burocratas dos 2 milhões que trabalham para o governo federal um pacote de indenização de oito meses de salário caso renunciem. Enquanto isso, ordenou que a equipe de funcionários de carreira no Conselho Nacional de Segurança da Casa Branca fosse notificada para suspender suas atividades enquanto são avaliados, a fim de garantir que serão leais ao presidente (não ao governo ou à Constituição), como parte da promessa de Trump de desarticular o “Estado profundo”, que, segundo ele, controla Washington. Ele também pediu que o governo seja depurado daqueles burocratas contratados para cumprir requisitos de diversidade racial e preferência sexual, e nesta quinta-feira apontou esses programas de diversidade dos presidentes democratas anteriores como a possível causa do acidente aéreo em Washington entre um avião de passageiros e um helicóptero militar.

Sobre a mudança climática, além de ordenar a retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris e afirmar que os moinhos de energia eólica causaram mortes de baleias, ele repete seu slogan “perfure, baby, perfure” para expandir a produção de hidrocarbonetos. Tudo isso enquanto Nova Orleans está coberta de neve e Los Angeles está queimando.

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Alguns analistas apontam que, em parte, toda essa ofensiva é uma manobra para ampliar, de forma inédita, o poder Executivo. Outros observam que ele e sua equipe sabem que muitas iniciativas violam normas e até leis, e que várias já enfrentam ações judiciais e serão anuladas pelos tribunais, mas em algumas, especialmente se as disputas legais chegarem à Suprema Corte, onde ele conta com uma maioria conservadora, Trump pode danificar permanentemente a separação de poderes. Alguns lembram e alertam que o republicano afirmou que “seria um ditador no primeiro dia” de sua segunda presidência.

O senador Bernie Sanders declarou que, se Trump deseja mudar as leis, tem o direito de solicitar isso ao Congresso, mas, acrescentou: “ele não tem o direito de violar a Constituição dos Estados Unidos. Ele não é um rei”.

Tudo isso, além do já amplamente relatado sobre suas medidas anti-imigração, incluindo tentativas de anular direitos constitucionais, ameaças contra China, Colômbia, Panamá, México, Canadá e até Dinamarca, e a concessão de indultos em massa para golpistas de extrema-direita, é avassalador. Para alguns, esse é o objetivo: criar um caos com lógica.

“O volume avassalador é o ponto – muitos escândalos simultâneos, e o sistema se satura até se desfazer. Não se pode focar. Não se pode responder. As distrações são simplesmente muito distrativas”, comenta Susan Glasser na The New Yorker. “Ele adora nos afogar em indignação”.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul Global – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Jim Cason Correspondente do La Jornada e membro do Friends Committee On National Legislation nos EUA, trabalhou por mais de 30 anos pela mudança social como ativista e jornalista. Foi ainda editor sênior da AllAfrica.com, o maior distribuidor de notícias e informações sobre a África no mundo.
David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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