Ainda estão frescas as palavras que o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, pronunciou para aludir às limitações que o senhor Donald Trump deveria levar em conta na condução de seu país. “O senhor foi eleito presidente dos Estados Unidos, e não mandatário do Mundo”, disse-lhe com precisão o líder latino-americano, como uma maneira de exigir respeito à Independência e à Soberania dos Estados.
Fez bem, sem dúvida, e fez a tempo, embora, certamente, o inquilino da Casa Branca não tenha levado em consideração essa reflexão. A questão é que o senhor Trump, mais do que presidente de um ou muitos países, sente-se, na verdade, o Rei de todo o mundo.
Por isso, decide que a guerra que se trava nos territórios russos da Ucrânia deve terminar já, mas nos termos que ele considera pertinentes, lançando um salva-vidas ao neonazista Volodymyr Zelensky para preservar os interesses de Washington.
Na realidade, o que importa ao senhor Trump não é a vida dos jovens que perecem nessa contenda, mas sim as “terras raras”, além do trigo ucraniano, o petróleo, os minerais, a riqueza aquífera do país e os 500 bilhões de dólares que o governo ianque entregou à administração de Kiev para que “dessangre” a Rússia o máximo possível, à sombra da Otan.
Mas a nova imagem do Tio Sam não para por aí. Ele também decide que a guerra no Oriente Médio deve terminar e que os palestinos desapareçam da face da Terra, de modo que a Faixa de Gaza se converta em uma Riviera de luxo para descanso de multimilionários — algo como a Côte d’Azur nos mares da França.
Para o senhor Trump, é decisivo também que a Groenlândia se converta em uma base nuclear dos Estados Unidos, que seu país se aproprie do Golfo do México, que “recupere” o Canal do Panamá a qualquer preço e que subjugue o Canadá, a quem não consegue ver como um Estado independente.
Também, é claro, interessa-lhe sobremaneira submeter a historicamente rebelde Cuba, dobrar a Venezuela Bolivariana, destruir a influência sandinista na Nicarágua e até bloquear qualquer aproximação entre os países da América e Rússia e China, que considera seus “inimigos estratégicos”.
Inclusive, pensa no Peru, e por isso enviou para este país seu “emissário”, o senhor Carlos Diaz Rosillo, para dizer que, nas próximas eleições, devemos eleger Keiko Fujimori como presidenta, porque isso lhe é mais conveniente.
Mas, para que ninguém diga que se prende a detalhes, Trump decide também se apoderar do Mar Vermelho, martirizando o povo iemenita, e demolir qualquer resistência que ainda possa encontrar na Síria, após ter entrado ali de mãos dadas com Tel Aviv e com o regime turco de Ancara, empenhado em restaurar, em nosso tempo, o histórico Império Otomano.
De alguma forma conscientes, os países da América, reunidos em Tegucigalpa na Cúpula da Celac, enfrentaram as bravatas do valente do bairro e o intimaram a tirar suas garras da região.
As tarifas
Não obstante, a política de dominação por parcelas parece cansar o senhor Trump e sua trupe de falcões sedentos de sangue e ouro. Por isso, recentemente, lançou mão de outra ferramenta de dominação: as tarifas. Usa-as a seu bel-prazer, em seu afã de humilhar os que considera “mais fracos” e enfrentar “os poderosos”.
Alguns falam de uma “guerra comercial”, mas é muito mais do que isso. É uma expressão da guerra no plano da economia. E é uma forma de “recuperar” a iniciativa espoliadora que ele acredita ter permanecido adormecida sob a administração democrata.
Primeiro ameaçou a todos, ou quase todos. Depois de registrar diversas reações, resolveu suspender essas “sanções” por 90 dias, para concentrar seu ódio contra a China, à qual elevou as tarifas em 125%. Para os demais, manteve a Espada de Dâmocles em plena ação.
Uma maneira de “polarizar” a opinião internacional, obrigando-a a escolher entre “a democracia liberal” — que ele diz representar — e o “totalitarismo”, como chama aqueles que não rendem tributo ao amém imperial.
Essas medidas serviram para evidenciar duas reações no “mundo afetado” por elas. Uns mostraram o rosto da coragem e da dignidade e se levantaram com rejeições e propostas voltadas a preservar e defender a soberania de seus Estados.
Mas outros se retorceram no chão, pedindo algo como “clemência” ao amo imperial. No extremo, houve quem propusesse “negociar” novas possibilidades de “entrega” ao senhor do Norte. O servilismo — como era de se esperar — foi grotescamente imitado em nosso país, o Peru.
O embaixador peruano nos Estados Unidos, o Chanceler da República e a ministra do Comércio Exterior competiram no esforço de ganhar uma medalha que demonstre quem é mais obsequioso ao ditado do Império. Nisso, o exemplo de Dina funcionou plenamente.
Nessa competição, foram aplaudidos pelos porta-vozes desse núcleo privilegiado da oligarquia — “os exportadores” — que são os únicos que se beneficiam com tarifas “baixas” e se prejudicam quando estas “sobem”. Eles se encarregaram de fazer acreditar que seus interesses são os do Peru, e por isso afetá-los seria contraproducente para todos.
Eles, mais do que o Estado, sentem as consequências das medidas adotadas pela Casa Branca nesse campo, mas “as descarregam” sobre os esquálidos ombros dos trabalhadores que exploram de forma iníqua. Por isso, estão empenhados em assegurar a restituição da “Lei Chlimper”, que tantos “benefícios” lhes gerou.
É claro que o vendaval Trump passará logo. E o próprio autor dos desatinos que comentamos cairá em desgraça e chorará sua solidão em alguma cela qualquer. E não lhe faltarão aqueles que, imitando Chavela Vargas, lhe cantarão a rancheira mexicana:
“E tu que te achavas o rei de todo o mundo
E tu que nunca foste capaz de perdoar
E cruel e impiedoso de tudo rias
Hoje imploras carinho, ainda que seja por piedade.”