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Reminiscência do triunfo da Revolução Sandinista em seu 38 aniversário.
Paulo Cannabrava Filho*
Eu estava em Manágua no momento seguinte à vitória da Frente Sandinista depois de ter participado da luta na frente de comunicação.
Continuei trabalhando na sistematização, processamento e análise de informação e no planejamento e execução de ações de comunicação de massa. O que eu fazia durante a batalha do canal fazia agora em favor dos Sandinistas: reversão de expectativas. E eu também já estava bastante envolvido com os nicaragüenses – os nicas como dizem na região – desde a grande ofensiva guerrilheira desencadeada em meados de outubro de 1977 que havia custado a morte de duas mil pessoas em curtos dez meses. Entre 1977 e 78 entrevistei vários comandantes e escrevi um livro contando um pouco da história do país, colocando a luta Sandinista no seu contexto histórico e dando detalhes sobre o massacre que Somoza dirigia contra o povo e sobre o desenvolvimento da guerrilha de libertação. O livro foi publicado na Itália com relativo sucesso e as entrevistas em várias publicações periódicas por toda parte.
Nessa segunda etapa aprofundei mais ainda meu relacionamento com os Sandinistas e no acompanhamento da evolução da guerra. Eu estava muito bem relacionado com jornalistas de todas partes, principalmente dos Estados Unidos e da América Latina. Além de trabalhar na Secretaria de Informação do Chefe do Governo do Panamá, eu era o diretor da Interpress Service, uma agência italiana de origem, dedicada aos problemas do Terceiro Mundo, na época, com boa penetração nos países latino-americanos. A IPS tem estatuto consultivo nas Nações Unidas, veicula as questões suscitadas pelo PNUD () e servia de canal () para o projeto ASIN – Acción de Sistemas de Información Nacionales -. um pool de agências de notícias estatais dos países latino-americanos, formado sob inspiração da UNESCO, como alternativa ao fluxo informativo mundial monopolizado pelos grandes países. Só o Brasil não participava desse pool.
Tínhamos a nosso favor, muita credibilidade e confiabilidade e logo éramos uma das principais fontes de informação sobre a guerra da Nicarágua já que Somoza e as fontes estadunidenses que lhe apoiavam não eram confiáveis. O apoio dos Estados Unidos era ostensivo e descarado. Em 1978, em plena guerra civil, Carter mandou cumprimentar Somoza pelo respeito aos Direitos Humanos e liberou 20 milhões de dólares de empréstimo para compra de armas. Obedecendo aos Estados Unidos, Brasil, Argentina, Israel, Espanha e França forneciam armas e mercenários. Nessa época havia grande tensão em toda a área centro-americana e do Caribe e confronto armado com guerrilhas em El Salvador e Guatemala.
Outra peça de grande importância no apoio a luta Sandinista na Nicarágua foi a Costa Rica governada então por Rodrigo Carazo, do Partido Liberación (). Nas eleições de 78 o partido de Carazo elegeu seu sucesso, Daniel Oduber, que continuou com a mesma política de apoio aos Sandinistas. O comando e os centros de treinamento da Frente Sul da guerrilha nicaraguense ficavam em território tico (). E havia algumas centenas de voluntários ticos em armas na FSLN.
Somoza, num momento dado, ameaçou invadir a Costa Rica. Torrijos acionou Andrés Pérez, presidente da Venezuela, e este colocou na base aérea de Farallón, em território panamenho, uns dois ou três Mirages artilhados da Força Aérea Venezuelana. Era uma maneira de dizer a Somoza que ficasse quieto em seu canto. Costa Rica, desde a revolução de Figueres, não tem forças armadas, mas no momento tinha quem a defendesse: Panamá e Venezuela.
Chuchu Martinez nos contava que ficou excitadíssimo diante dos Mirages e frustrado por não ter condições técnicas para pilotá-los. Queria usá-los para destruir o bunker onde Somoza se escondia, uma verdadeira fortaleza, e com isso pôr fim à guerra. Não conseguia pensar em outra coisa. Com outros companheiros arquitetou um plano. Na calada da noite, roubaram uma das bombas de um dos Mirages e a puseram a bordo da avioneta de Chuchu. No dia seguinte a avioneta custou para decolar e voava a baixa altitude pois o artefato pesava demais para a sua potência. A intenção era jogar a bomba sobre o bunker. Não demorou muito, contudo, para que os pilotos venezuelanos pusessem a boca no mundo e os radares das inúmeras bases dos Estados Unidos na área descobrissem o vôo. A avioneta estava já sobre território tico quando Torrijos, a pedido de Andrés Pérez e do próprio Carter, conseguiu interceptá-la e fazer com que voltasse à base. Na época eu não sabia se Chuchu sonhara com isso ou se realmente perpetrara. Em agosto de 1980, quando Torrijos me visitou em minha casa em São Paulo, conversando com um grupo de jornalistas, entre os quais o Flávio Tavares (), ele confirmou essa façanha.
*Trecho do livro No Olho do Furacão, América Latina nos Anos 1960-70, editado pela Cortez em São Paulo em 2002