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Superstições jurássicas ou “Juro por Deus e pelo dinheiro…”

A Constituição não impõe a formalidade do juramento a nenhum outro funcionário, nem aos congressistas
Jorge Rendón Vásquez
Diálogos do Sul Global
Lima

Tradução:

Vimos pela televisão: os congressistas eleitos no Peru juravam, quase todos ajoelhados ante um crucifixo e uma vela, emitindo as fórmulas que desde vários dias antes haviam imaginado e, provavelmente, ensaiado: breves, sérias, variegadas, absurdas, jocosas etc.

No entanto, a Constituição política não lhes impõe a obrigação de jurar para assumir o cargo. Foi criada por outros congressistas, inscrevendo-a no Regulamento do Congresso da República nos seguintes termos: “se procede à incorporação formal dos Congressistas eleitos mediante o juramento” (artigo 11º).

Esta prática arcaica já havia chamado minha atenção em julho de 2011, e deu como resultado o comentário que transcrevo em seguida. É que os costumes, sobretudo os maus, dificilmente se desgastam. Em muitos casos, a razão, a duras penas, só chega a poli-los

A Constituição não impõe a formalidade do juramento a nenhum outro funcionário, nem aos congressistas

a luz da palavra
Superstições jurássicas ou “Juro por Deus e pelo dinheiro…”

Superstições jurássicas

Uma superstição é uma crença contrária à razão. O adjetivo jurássico alude a um mundo que começou há duzentos milhões de anos e desapareceu há cento e cinquenta, com toda a gama de dinossauros que viveram e às expensas da frondosa vegetação desse tempo ou de descuidos semelhantes. 

A simbiose de ambos os termos, usando um procedimento frequente entre certos humoristas limenhos, poderia nos dar algo assim como a designação de certa crença absurda relativa ao juramento. 

Faço-a reluzir pelas apreciações de uma congressista que protagonizou um escândalo de beco, gritando como uma possessa, e dando as costas para o hemiciclo do parlamento, na presença dos titulares do Poder Executivo, de seus pares e, o que é mais grave, diante de uma dúzia de chefes de Estado estrangeiros, dos quais duas são damas de gigantesca estatura pessoal, presidentas de dois países irmãos de grande importância econômica, política e cultural: Argentina e Brasil.

Pelo que se pode entender a essa congressista, seu chilique se devia a que o Presidente da República e os vice-presidentes haviam jurado mencionando a Constituição de 1979. Daí tirou o disparate de que, por isso, eram “de facto”. 

De facto? Por quê? Essa congressista nem sequer teria aprendido algo de Direito Constitucional?

O que diz a Constituição

A Constituição diz que “o Presidente da República presta juramento de lei e assume o cargo, ante o Congresso, em 28 de julho do ano em que se realiza a eleição.” (art. 116º). Como o minucioso e erudito jurista Guillermo Olivera Díaz disse em um artigo publicado na rede, nenhuma lei estabelece a fórmula desse juramento. A Constituição não impõe a formalidade do juramento a nenhum outro funcionário, nem, inclusive, aos congressistas. E uma lei não poderia fazê-lo. 

O Presidente da República, os congressistas e outros funcionários eleitos são investidos para o exercício de suas funções pela vontade dos eleitores. A eleição popular é o ato constitutivo do poder delegado a eles pela cidadania.

O Júri Nacional de Eleições só os reconhece como tais, depois de constatar seu triunfo. Se fosse prescindida a formalidade do juramento presidencial, não por isso o Presidente da República ficaria eximido de cumprir e fazer cumprir as leis. Do mesmo modo, se os parlamentares não jurassem — e não têm por que fazê-lo — não estariam impedidos de intervir no Congresso e de legislar. 

O juramento presidencial é só um ato protocolar. Eu diria, ornamental e simbólico. Mas é também um anacronismo supérfluo de tempos já idos – por sorte – em que se jurava por Deus quando a sociedade padecia o despotismo intolerante da Igreja Católica. 

Código de Procedimentos Civis

O Código de Procedimentos Civis de 1911, reproduzindo uma fórmula criada da Idade Média, permitia a “prova” (?) do juramento decisório”, consistente na faculdade de um dos litigantes de pedir ao outro que assegurasse sob juramento – ante um crucifixo, a Bíblia e uma vela acesa – que sua afirmação era certa, com o qual o juiz podia declarar ganhador quem jurava ou o peticionário do juramento se o contrário se recusasse a prestá-lo.

Esta aberração desapareceu do atual Código de Processo Civil de 1993. Mas suas sequelas subsistem como enferrujadas excrescências que permitem compor a fórmula de juramento, a la carta, digamos.

“Juro por Deus e pelo dinheiro…”

O Congressista de Peru Possível no período 2001 a 2006, Gerardo Saavedra, já falecido, foi sincero ao dizer “Juro por Deus e pelo dinheiro…” No mesmo período, o congressista fujimorista, Alfredo González Salazar jurou “por Deus e pelo Clube Universitário de Esportes” — que o expulsou depois por uma não satisfatória prestação de contas —; a congressista Martha Chávez jurou em julho de 2011 por Fujimori, seu chefe, convicto de assassinato e roubo, determinantes de sua condenação a vinte e cinco anos de prisão (Dado o caso, a mesma coisa teria sido jurar por La Rayo, Tirifilo, Tatán ou qualquer condenado por narcotráfico, corrupção ou lavagem de dinheiro).

Pelo contrário, como adverte o tango dos imensos poetas do sentimento popular: Alfredo Le Pera e Carlos Gardel, a experiência de todos os dias nos recorda com teimosia: “Hoje um juramento/amanhã uma traição”.

Outro tema é o da reforma da Constituição. Mas, creio que, sem dúvida, um dos pontos a tocar seria a eliminação do arcaico juramento.

(1/8/2011)

Jorge Rendón Vasquez, Colaborador de Diálogos do Sul, de Lima, Peru.

Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Jorge Rendón Vásquez Doutor em Direito pela Universidad Nacional Mayor de San Marcos e Docteur en Droit pela Université de Paris I (Sorbonne). É conhecido como autor de livros sobre Direito do Trabalho e Previdência Social. Desde 2003, retomou a antiga vocação literária, tendo publicado os livros “La calle nueva” (2004, 2007), “El cuello de la serpiente y otros relatos” (2005) e “La celebración y otros relatos” (2006).

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