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Terceira etapa do nazifascismo no Brasil não vai ser derrotada somente nas urnas

País se tornou um dos polos mais importantes no mundo na disseminação da ideologia, que aqui se alia ao racismo estrutural de nossas elites
Carlos Russo Jr
Diálogos do Sul Global

Tradução:

O recente surto de crimes de apologia ao nazifascismo por parte do governo Bolsonaro e seguidores, a existência de células neonazistas, o crescimento do discurso de ódio e da intolerância através do “comitê do ódio do Planalto”, o crescimento de milícias armadas com participação de policiais e até mesmo de militares, o massacre de negros e pobres de periferias, todos estes fatos têm uma relação direta com a existência e as práticas que antecederam o surgimento do Nazismo Alemão e até mesmo dos Partidos Nazista e Fascistas no Brasil do século passado e nos anos pós-ditadura militar de 1964.

A primeira etapa

O partido de Hitler no Brasil chegou a ser o maior Partido Nazista fora da Alemanha! 

Foi fundado em Santa Catarina, na cidade de Timbó, em julho de 1928, sendo o primeiro Partido Nazista a ser reconhecido pelas lideranças do partido em Munique, que já haviam realizado a fracassada tentativa de golpe de estado de 1925.E o Partido Nazista aqui formado se expandiu enormemente e por todo nosso país. Chegou a se estabelecer em 17 Estados, contando com mais de 100 células formadas exclusivamente por alemães. 

País se tornou um dos polos mais importantes no mundo na disseminação da ideologia, que aqui se alia ao racismo estrutural de nossas elites

Outras Palavras
O presidente Jair Bolsonaro recebeu a parlamentar alemã Beatrix von Storch, do partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD)

Frise-se que por ordem expressa do Partido Alemão e, posteriormente, do governo nazista da Alemanha, só era permitida a inscrição de alemães natos, excluindo até mesmo descendentes nascidos aqui. 

E nas décadas de 1930 e 1940, ademais dos membros partidários de origem germânica, os simpatizantes do nazismo espalharam-se por todo o Brasil! 

Fotos de alemães e simpatizantes brasileiros ostentando a suástica em bandeiras e faixas, reportagens racistas sobre o “perigo judeu”, a respeito das maravilhas dos “campos de trabalhos forçados” estabelecidos nos países invadidos, como Auschwitz na Polônia, constituem provas incontestes. 

O jornal nazista “Deutscher Morgen” (“Aurora Alemã”) se encarregou de apregoar por todos os cantos de nossa Pátria a exclusão de raças “inferiores” e grupos sociais como judeus, ciganos, homossexuais, comunistas e portadores de deficiência.

Grande parte da repulsa do Partido Nazista se direcionava também a negros e miscigenados, que compunham nossa própria identidade nacional. 

O sucesso do Partido em solo brasileiro ocorreu justamente por conta do pensamento racista da elite e da classe média, herança do escravagismo. 

A vinda de europeus da Itália e Alemanha fora incentivada, desde meados do século XIX, não só para fornecer mão-de-obra barata na agricultura, mas também como uma forma de “branquear” a identidade brasileira. 

Textos eugenistas apareciam não somente em publicações ligadas ao Partido Nazista, mas também na quase totalidade da imprensa brasileira dependente da publicidade estatal.

De todo modo, a nomeação de Hans Heinnig von Cossel como chefe do Partido Nazista no Brasil, em 1934, aumentou a adesão dos entusiastas da cruz gamada. Sua estratégia era conseguir unir toda a colônia alemã em torno do hitlerismo, evitando manifestações sobre questões políticas brasileiras. 

Afinal, o nazismo já contava com inúmeros simpatizantes no próprio governo e na posterior ditadura Vargas, assim como em nossas Forças Armadas.

Surge um irmão ideológico

Na década de 1930, outro movimento estava em crescimento no país, especialmente nas regiões Sul e Sudeste. 

Fortemente inspirado pelo fascismo italiano, o jornalista paulista Plínio Salgado fundou a Ação Integralista Brasileira, organização política que compartilhava os mesmos preceitos do nazifascismo: nacionalismo, antissemitismo, racismo e combate ao comunismo e ao liberalismo.

“Sim, podemos dizer que são nossos irmãos fascistas”, dizia Cossel.

Na década de 1930 e princípios da de 1940, os governos de Brasil e Alemanha eram mais que amigos. Até a entrada forçada na Segunda Guerra Mundial em 1942, ao lado dos Aliados, o Brasil manteve boas relações com a Alemanha. 

Consequentemente, a existência do Partido Nazista em solo brasileiro foi não apenas tolerada, mas muito bem vista, inclusive por Getúlio Vargas. “Até 1938, o partido não era proibido no país. Pelo contrário, era festejado por ministros de Vargas” afirma o historiador Gertz. 

O próprio Vargas, ao se corresponder oficialmente com Hitler em novembro de 1937 por conta da troca de embaixadores, chamou o ditador alemão de “grande bom amigo” e afirmou esperar um estreitamento de relações. 

O filho de Getúlio, Lutero Vargas, casou-se com a artista plástica alemã nazista Ingeborg ten Haeff, simbolizando o relacionamento estreito entre os países. 

As polícias secretas do Brasil e Gestapo da Alemanha estabeleceram vínculos de cooperação fortíssimos, o que incluiu treinamento de policiais brasileiros pelas SS nazistas. 

A preterida expansão do imperialismo da Alemanha em países subdesenvolvidos como o Brasil tornava-se mais do que evidente. Foram realizadas expedições nazistas à Amazônia para coletar informações sobre a fauna, flora e cultura indígenas da região, pois um dos objetivos do governo alemão era implantar colônias estratégicas na região. 

No entanto, quando o Brasil é forçado pelos USA a entrar na Segunda Guerra Mundial, empresas alemãs foram fechadas, bancos alemães pediram liquidação e lojas alemãs foram saqueadas. 

Em resposta às proibições e hostilidades, parte da comunidade alemã-nazista deixou o Brasil e foi repatriada, recebendo até mesmo compensações financeiras do III Reich. E desta forma, o primeiro surto nazifascista foi rompido em nosso país. 

O nazi fascismo estrutural, numa segunda etapa, foi uma das bases da Ditadura Militar de 1964. 

O Brasil se tornou o lugar de refúgio de diversos criminosos nazistas, que sempre buscaram refúgio em grupelhos nazifascistas do interior de São Paulo ( Atibaia, por exemplo) e Santa Catarina.

Entretanto, somente após a redemocratização, em 1988, o Neonazismo tentou se reestruturar no Brasil através do Partido Nacional Socialista Brasileiro (PNSB), fundado por Armando Zanine Júnior, em 1988.

A Justiça Eleitoral não o aprovou, afinal, nosso país vivia uma efervescência política de liberdade e reconstrução pós-ditadura militar.

Na busca por alguma relevância política, o PNSB se aproximou publicamente do seu “irmão” ideológico, o movimento integralista representado pela Ação Integralista Brasileira. 

Nas eleições de 1994, Zanine declarou apoio a Éneas Carneiro, do PRONA, mas Carneiro, democrata, rejeitou publicamente o apoio. “Não me alio a nazistas e fascistas”, disse.

E o segundo surto da peste se auto-afogou.

O terceiro surto nazifascista, o Bolsonarismo 

O Brasil vive hoje uma escalada no aumento do número de células neonazistas, explosão de discursos que exaltam a ideologia de ultradireita nos meios digitais, um desrespeito crescente aos direitos das gentes, a ações racistas e homofóbicas.

Esse cenário sinistro acompanha uma onda global de surgimento de grupos de extrema direita, que levaram o secretário-geral das ONU, António Guterres, a buscar a criação de uma aliança global contra o crescimento e o alastramento do neonazismo, dos supremacistas brancos e dos discursos de ódio, especialmente a partir da pandemia da Covid-19

“Tragicamente, depois de décadas nas sombras, os neonazistas e suas ideias agora estão ganhando popularidade”, declarou o chefe da ONU em janeiro de 2021.

O Brasil atingido pela covid-19, após a perda da reeleição e do golpe de Estado tentado por Trump nos USA, tornou-se um dos polos mais importantes no mundo na disseminação dos conceitos nazifascistas, que aqui se aliam ao racismo estrutural de nossas elites. Bolsonaro e seu entorno estão entre seus maiores líderes.

No dia de 9/10, o blog do Kotscho no UOL, reportou de modo didático o avanço do nazifascismo em nosso país: 

“Num dia, jovem negro congolês é massacrado a golpes de taco de beisebol em quiosque da Barra da Tijuca por cobrar diárias atrasadas e a polícia leva dias para começar a investigar o crime. Noutro, jovem negro brasileiro é preso ao comprar pão, em meio a uma blitz policial, e só sai da cadeia após intensa mobilização da sua comunidade”. 

“Num dia, o podcaster Bruno Aiub, vulgo Monark, é apoiado com entusiasmo pelo deputado federal Kim Kataguiri, do Partido do Moro, ao defender a legalização do Partido Nazista no país. Noutro, um apresentador da Jovem Pan, (emissora que é um “puxadinho” de Bolsonaro e porta-vozes) se despede do programa com a saudação nazista do “sieg heil” de Hitler, olha para os lados em busca de aprovação, e abre um sorriso sarcástico”. 

Não se trata de episódios “polêmicos”, mas de graves atentados à vida em sociedade e à democracia. Conclui o colunista: “São o resultado do clima de violência e impunidade implantado no país desde a posse do atual governo, com a liberação de armas e munições a granel, sem nenhum controle, da disseminação nas redes sociais das mensagens do “gabinete do ódio” comandado por um filho do presidente, da licença para matar dada a polícias e milícias, do “estouro da boiada” nas áreas protegidas da Amazônia, entregues a garimpeiros e madeireiros, do vale tudo da política oficial baseada”… 

Ou seja, em sua terceira etapa, o nazifascismo visa enriquecer seus seguidores em terra arrasada para nossa população e seus descendentes!

Nossa frágil e combalida democracia resistirá a esse terceiro surto? O que nos cobrará em sofrimentos e sangue o ano de 2022, tempos de eleições, que deverão despojar a corja do poder central?


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Carlos Russo Jr Carlos Russo Jr., coordenador e editor do Espaço Literário Marcel Proust, é ensaísta e escritor. Pertence à geração de 1968, quando cursou pela primeira vez a Universidade de São Paulo. Mestre em Humanidades, com Monografia sobre “Helenismo e Religiosidade Grega”, foi discípulo de Jean-Pierre Vernant.

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