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Foto: Presidência do Peru / Flickr

Terrorismo à la carte no Peru: fome, corrupção e repressão sob o regime Boluarte

Operações forjadas e prisões injustas intimidam a população do Peru, enquanto órgãos lançam mão de contratos superfaturados e crianças famintas recebem alimentos contaminados
Gustavo Espinoza M.
Diálogos do Sul Global
Lima

Tradução:

Beatriz Cannabrava

Se fazer terrorismo é intimidar a população mediante procedimentos vedados e orientados a incentivar o medo, poderíamos dizer que a política do regime atual no Peru gera um terrorismo à la carte. Vale dizer que expande o pânico em todas as suas modalidades e busca paralisar a população para que não reaja ante nada. 

A seu modo, o disse recentemente um caminhoneiro horrorizado ante o cúmulo de assassinatos registrados em sua região: “não vamos fazer greves nem marchas, porque tudo é inútil. Este governo não se importa com ninguém. Exigimos que renunciem, e não ligam; exigimos que se vão, e ficam. Para que lutar se não escutam nada?”.

Este raciocínio, que parece lógico, tem uma base. Expressa a impunidade com a qual atua a delinquência quando sobe ao Poder. O mesmo teria ocorrido nos Estados Unidos, nos anos 1930 do século passado, se Al Capone tivesse tomado a Casa Branca. A Máfia tapa os ouvidos com cimento para não ouvir ninguém. 

Mas há muitas formas de fazê-lo. Uma delas é reconhecer que se envenena o enlatado dado às crianças nos programas de Qali Warma e livrar de responsabilidades o ministro da região porque “está cumprindo sua função”. Pareceria que, para alguns, o dever do titular da pasta é dar esses conteúdos aos pequenos porque se trata de crianças pobres, que comem o que seus pais lhes dão porque carecem de recursos para alimentá-los. 

Os 10 soles de Dina Boluarte

Ainda se recorda o titular da agricultura: disse que no Peru todos estão bem alimentados, e que ninguém “passa fome”. Mais recentemente, Dina assegurou que com dez soles pode-se dar a uma família sopa e ainda uma sobremesinha, ante o assombro de 23 milhões de peruanos (descontando seus ministros).

Rómulo foi muito censurada porque não fez sua a demanda dos mineiros ilegais. Propôs estender seu benefício por seis meses, mas eles querem 24 meses. E é curioso: os tratam com todo cuidado quando bloqueiam estradas para se impor. Quando o protesto popular fez o mesmo, os acusaram de “terrorismo urbano” e pediram prisão efetiva como castigo.  

“Terrorismo urbano”: o plano de Boluarte para criminalizar protestos no Peru

O mesmo ocorre no caso das detenções. Para a classe dominante, Vladimir Cerrón é um fugitivo que foge da Justiça, enquanto Nicanor Boluarte está fazendo uso de seu “legítimo direito a cautelar sua liberdade”. A irmã de Fujimori é fugitiva da justiça, assim como um ex-congressista condenado a roubar dinheiro de seus trabalhadores. 

No passado, com Fujimori e García, capturavam pessoas em massa em todas as cidades, e depois se anunciava com tambores e pratos a desarticulação de “bandos terroristas”. Hoje se faz o mesmo, fala-se de “Bandos delitivos” e da detenção de sicários e extorsionários.

Prisões forjadas

A denúncia do El Agustino demonstra a fraqueza do argumento: os detidos não eram delinquentes, nem sicários, nem extorsionários. E estavam reunidos por assuntos de trabalho. Intervieram, “semearam” armas e drogas e os apresentaram à imprensa. Depois, os encarceraram, acusando-os de delitos menores, para que os promotores e juízes a liberassem. Quando isso ocorrer, dirão que libertam os delinquentes capturados pela polícia. Até se dão ao luxo de desacreditar promotores e juízes, ao mesmo tempo que mostram a “eficácia” de seu próprio trabalho. 

Na Colômbia, faziam o mesmo nos anos de Uribe. Chamavam isso de “os falsos positivos”.  Eram campesinos assassinados que apresentavam como “guerrilheiros” abatidos. Ao final, tudo será revelado, porque as armas “encontradas com delinquentes” voltarão ao poder da polícia e aparecerão outra vez nas mãos de outros delinquentes. Ao final, todos os círculos se fecham. 

Autoritarismo, impunidade, corrupção: Boluarte conduz Peru à catástrofe

Na Polícia, há homens de honra, como Pedro Baltazar Sánchez, o suboficial que enfrentou delinquentes em San Borja. Mas também há outros, como o assassino de Sheyla Condor. Não o esqueçam. 

Os “operativos” falsos não são gratuitos. Nunca foram. Antes, serviram para entregar “reconhecimentos” ao rendimento policial e conceder medalhas e títulos aos “mandos” implicados neles. Também, naturalmente, para outorgar benefícios econômicos àqueles que considerados “heróis” na “luta contra o terrorismo”. Muitas vezes, o plano saiu perfeito. 

Estados de Emergência

É comum ouvir as pessoas se queixarem quando se fala dos “Estados de Emergência”. “Não servem para nada”, costumam dizer incautos cidadãos desprevenidos. 

Sim, claro que servem. Servem para dispor livremente de partidos sem prestar conta, outorgar concessões sem licitação, contratar pessoas sem concurso, obter benefícios materiais “por baixo do pano”. Em suma, consumar latrocínios que não se poderiam executar sob o império das normas vigentes. Para isso, se requer a “emergência”.

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Mas isso não beneficia só aos fardados. Também aos civis que se inclinam ante eles. Alguns prefeitos – o de Comas, por exemplo – fazem compras milionárias e superfaturadas. Por isso, agora elogiam “os avanços” que permitem o “Estado de Emergência”. Não o descobriram antes. 

Trata-se de diversas modalidades de terrorismo em ação. Oferecem como se fosse “terrorismo à la carte” e estão à disposição de quem tem em suas mãos as rédeas do Poder.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Gustavo Espinoza M. Jornalista e colaborador da Diálogos de Sul em Lima, Peru, é diretor da edição peruana da Resumen Latinoamericano e professor universitário de língua e literatura. Em sua trajetória de lutas, foi líder da Federação de Estudantes do Peru e da Confederação Geral do Trabalho do Peru. Escreveu “Mariátegui y nuestro tiempo” e “Memorias de un comunista peruano”, entre outras obras. Acompanhou e militou contra o golpe de Estado no Chile e a ditadura de Pinochet.

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