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Thatcher, neoliberalismo e a ideia antipolítica e anti-Estado de que o povo não existe

A democracia dos neoliberais se transformou num mercado onde não há mais que preferências, opções, e não valores propriamente políticos
Fabrizio Mejía Madrid
La Jornada
Cidade do México

Tradução:

Soa a uma frase humorística, mas quem a proferiu foi um conselheiro eleitoral nacional. Ainda agregou: O que existem são sociedades diversas. A frase de que o povo não existe é irmã da ideia que Margaret Thatcher expôs em uma entrevista de 1987: “demasiadas crianças e pessoas dão a entender: ‘Tenho um problema, é trabalho de governo resolvê-lo’ ‘Tenho um problema, irei buscar uma subvenção para enfrentá-lo’ ‘Não tenho moradia, o governo deve dar-me uma casa” e então estão lançando seu problema sobre a sociedade e, quem é a sociedade? Não existe tal coisa! Há homens e mulheres individuais e há famílias, e nenhum governo pode fazer nada exceto através das pessoas e as pessoas se olham primeiro a si mesmas”.

Thatcher esteve menos anos no governo britânico que os conselheiros do INE (Instituto Nacional Eleitoral do México), mas ainda assim foi demasiado: de 1979 a 1990. Combateu os sindicatos como monopólios porque fixavam o preço da força de trabalho, mas nunca atacou as corporações porque, ao concentrar a cadeia de fornecimentos, reduz custos e, na pura teoria, diminui os preços. Mas, além da retórica enganosa da economia, Thatcher, com Ronald Reagan, conseguiu consolidar a ideia antipolítica dos neoliberais, da qual o conselheiro eleitoral é só uma reverberação. 

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Os neoliberais negaram sempre que existisse o povo porque não acreditavam na política nem no Estado, salvo como polícia e quando os resgatava da crise financeira. Em troca, acreditaram em um mecanismo impessoal, anônimo, sem metas deliberadas –como escreveu Friedrich Hayek em 1944– que nomearam o mercado, um conceito fantasmagórico ao que concorrem indivíduos cegos só guiados pelo preço. Os consumidores são como morcegos dentro da cova do preço, da publicidade e do consumo. No mercado, diferentemente da política, não se necessita falar.

Conceitos como povo, justiça social, interesse geral, eram tachados de místicos porque são formas de apelar politicamente ao povo com palavras, valores e princípios. Os neoliberais, mais que os mercados, expandiram a visão de que toda atividade era como uma ação econômica: tudo se vê como um intercâmbio comercial. Assim, a democracia dos neoliberais era um mercado onde não havia mais que preferências, opções, e não valores propriamente políticos. Insistem, por isso, no pluralismo, que é como dizer que existam distintas marcas de iogurte, assim, sem nenhuma valorização política.

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No México, chamaram de pluralismo, inclusive ao que de por si, foi uma redução de opções, isto é, a aliança entre Ação Nacional, o PRI e o PRD

A democracia dos neoliberais se transformou num mercado onde não há mais que preferências, opções, e não valores propriamente políticos

Ciências Sociais e Humanas Aplicadas
Quando neoliberais dizem ditadura ou totalitarismo, se referem ao desejo de que na política as coisas funcionem como no mercado

Não medíveis

Diferentemente do mercado, que converte a incerteza em um preço, o povo, a justiça social ou o público não eram medíveis. Não há um número que os contenha e, pelo contrário, excedem sempre seus próprios limites. Isto, que é tão comum para a linguagem política – que todos os homens são e permanecem iguais, da democracia popular, seja a ideia que excede a qualquer prática – para os neoliberais resulta uma ficção, misticismo, religião. Eles acreditavam em outra coisa: a divindade dos números.

Apesar de que durante décadas quiseram vender a liberdade comercial como liberdade política, ou seja, a irmandade do intercâmbio comercial de mercadorias com a democracia eleitoral, jamais reconheceram o povo como fonte última do poder soberano. Hayek, Ludwig von Mises, Milton Friedman, George Stigler ou James Buchanan acreditaram, em câmbio, na autoridade das regras econômicas. Qualquer intromissão do povo, do Estado, das regulações legais, significava menor liberdade para os indivíduos, esses morcegos moralmente cegos que só buscam maximizar seus lucros.

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Quando os neoliberais dizem ditadura ou totalitarismo, se referem a que pretendem na política que as coisas funcionem como no mercado, isto é, com sujeitos sem moral que competem para obter cada vez mais lucros. É um excesso isso de chamar ditadura porque seu modelo não pode ocultar que sua primeira experiência material ocorreu durante o regime militar de Augusto Pinochet no Chile.

Como em qualquer pensamento totalitário, Hayek mesmo escreveu: A maioria não tem a capacidade de pensar com independência. Por isso a necessidade de que existissem entidades inteligentes que guiassem os enganados pelas ficções da política, essas que não podem abarcar os números e que são linguagem e ética do discurso público.

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Desde que funda a estratégia para formar opinião pública, entre os dias 1º e 10 de abril de 1947, em Monte Pelerine, Suíça, Hayek delineou um poder cuja soberania não prover do povo ou de seus sufrágios e representantes, mas sim da divindade matemática: os think tanks compostos por economistas inundaram os cargos de governo, as universidades, as páginas de opinião, e se solidificaram em organismos autônomos, únicos garantes de pensar com independência.

É por que um funcionário público dedicado a contar os votos do povo nega a existência dele; confunde a autonomia de sua instituição com soberania, uma fonte de poder última que só provém de uma eleição. Por isso, também, o INE burlou o Poder Legislativo, agitando sua autonomia diante da soberania popular. Por isso o povo não deveria existir. 

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Em seus últimos dias, Margaret Thatcher visitava a casa de um amigo só para ver um quadro. Era o de uma caçada de raposas pintada em 1841 por John Frederich Herring. Não é que lhe interessara a representação do caçador com seu chapéu de copa e o enorme carvalho ao seu lado. Ia contar um por um os cachorros. Para ela não era um acontecimento digno de ser pintado, mas sim só um número.

Fabrizio Mejía Madrid | La Jornada, especial para Diálogos do Sul — Direitos reservados.
Tradução: Beatriz Cannabrava.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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