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ToggleEm um manicômio, um paciente de repente grita do seu quarto: “Sou Napoleão”. Outro paciente pergunta de outro quarto: “Como é que sabe?”, e o primeiro responde: “Deus me disse”. De um terceiro quarto, uma voz grita: “Não lhe disse tal coisa”. Peço desculpas por usar de novo essa velha piada, mas é necessário porque alguém que crê ser Napoleão tomou o poder nos Estados Unidos.
Trump, respondendo a críticas e demandas legais pelo seu assalto ao governo federal ao buscar ampliar o poder executivo, publicou um tuíte afirmando: “Aquele que salva seu país não viola nenhuma lei”. Essa frase é atribuída a Napoleão justamente quando ele iniciou seu assalto à Constituição francesa para, eventualmente, se declarar imperador. Trump a usa, mas é tão narcisista que se recusou a dar crédito ao original.
O intento de “autogolpe” de Trump continua adiante em meio a expressões de assombro, alarme e incredulidade ao tentar desmantelar agências, partes de secretarias, centros de saúde, meio ambiente, direitos trabalhistas e mais, ampliando seu poder e, com isso, provocando múltiplas disputas judiciais.
De fato, a agência AP calcula cerca de 70 ações legais distintas interpostas nos tribunais para frear o que muitos percebem como abusos da autoridade presidencial. Muito disso não tem precedente e, portanto, não se sabe o que vai acontecer. Juízes federais suspenderam temporariamente várias das ações executivas.
Maioria é contra
Além disso, dois terços dos estadunidenses se opõem a que o presidente receba mais poder, segundo o Pew Research Center. Agora, prevalece a pergunta: e o que acontece se Trump desafiar os tribunais? Em parte, seu tuíte foi uma resposta a isso. “É o presidente mais ilegal da história dos Estados Unidos”, declarou Robert Reich, ex-secretário do Trabalho e analista político do The Guardian.
Alguns supõem que Trump e seus aliados desejam provocar essa crise e que vencerão as disputas nos tribunais. 28% dos juízes federais do país foram nomeados por Trump durante seu primeiro mandato, e esse número continuará crescendo.
Crise constitucional? Para Casa Branca, abusos de Trump expressam “vontade do povo”
Mais importante ainda, a Suprema Corte tem uma maioria de seis conservadores contra três liberais — por isso se diz que Trump não apenas ocupa o poder executivo e conta com a maioria do Congresso, mas também controla o tribunal supremo do país.
No entanto, 65% dos juízes federais foram nomeados por Barack Obama e Joe Biden, o que leva alguns a acreditar que ainda é possível conter os abusos do poder presidencial.
A beira de uma crise
Em entrevista ao The New Yorker, Anthony Romero, diretor da União Americana de Liberdades Civis (ACLU), afirma que o país está à beira de uma crise constitucional e que, por enquanto, a disputa política imediata acontece no âmbito judicial. Mas adverte que “o momento de crise chega quando a Suprema Corte emite uma decisão dizendo que o governo de Trump desafiou uma ordem judicial clara e tem que cumpri-la”, podendo ser necessário aplicar multas ou até pedir o encarceramento do presidente, porque “ninguém está acima da lei, certo?”.
E se, mesmo assim, ele se recusar a cumprir as ordens judiciais? Romero responde: “Então teremos que tomar as ruas de outra maneira. Teremos que paralisar este país… Tem que haver um momento em que as pessoas de boa vontade digam que isso já chegou a um ponto extremo demais”.
CalExit ou guerra civil: como movimento separatista na Califórnia impacta EUA de Trump
O senador independente Bernie Sanders argumenta que o trumpismo só pode ser derrotado por milhões de estadunidenses “unidos em um movimento de base que diz NÃO à oligarquia, ao autoritarismo e à cleptocracia”.
Michael Moore opina que o hubris de Trump e sua jogada extrema de poder provocarão, mais cedo ou mais tarde, uma resposta massiva que, de repente — e não se sabe o que ou quando será o que detonará essa resposta —, o derrotará. “São os liberais e os progressistas que venceram todas as grandes lutas ao longo da história estadunidense”, afirma, mencionando os triunfos na Guerra Civil, o direito ao voto das mulheres, os direitos trabalhistas e os direitos civis, entre outros.
Talvez, para alimentar o otimismo, valha lembrar de Waterloo.
Chumbawawa | The day the Nazi died
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