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Donald Trump e Kamala Harris (Fotos: Gage Skidmore / Flickr)

Trump e Harris: fórmulas diferentes para impedir a decadência do Império

Em última análise, tanto Harris quanto Trump representam projetos políticos e geopolíticos agressivos e liberais, comandados hoje por uma classe dominante dividida
Vasco Esteves
Pressenza
Berlim

Tradução:

O sistema eleitoral norte-americano — como aliás também o britânico — torna quase impossível o aparecimento de terceiros partidos que realmente possam concorrer contra o partido dos “Republicanos” ou o dos “Democratas”. O principal problema é que, qualquer um destes dois partidos está firmemente na mão de oligarcas.

As classes trabalhadoras dos EUA, manipuladas pela mídia, mas também indiretamente beneficiadoras dos privilégios do Império há pelo menos 100 anos, lutam agora pela sobrevivência do mesmo para poderem manter o seu padrão de vida, muito embora isso as afundará ainda mais…

Este artigo está sendo publicado hoje, no dia das eleições de 5 de Novembro de 2024 nos EUA. Mas o que vem escrito a seguir é válido independentemente de quem irá ganhar as eleições presidenciais: Kamala Harris pelos “Democratas” ou Donald Trump pelos “Republicanos”! Por que?

Confira nossa seção especial: Eleições nos EUA

A “guerra civil” a frio entre os “Democratas” e os “Republicanos” nos EUA irá de qualquer forma continuar. Para já não falarmos que, nesse mesmo dia, serão eleitos também 1/3 do Senado e 100% da Câmara dos Representantes, duas eleições tão — senão ainda mais — importantes do que as próprias eleições presidenciais.

A divisão interna dos EUA irá assim se aprofundar ainda mais depois das eleições. Uma divisão que poderá conduzir a curto prazo a focos de guerra civil localizados e, a longo prazo, até à separação/cisão de alguns Estados da Federação que se encontram integrados agora.

As estratégias dos “Democratas” e dos “Republicanos”, apesar de distintas, são apenas duas estratégias diferentes dentro das classes dominantes, que se encontram portanto divididas. É sobretudo sobre essas diferenças que quero falar, para percebermos melhor o que está em jogo (e o que continuará em jogo depois das eleições).

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“Deep-state” e o complexo industrial militar

O partido dos “Democratas” de Kamala Harris representa atualmente o clássico “deep-state” norte-americano. Baseia-se no sistema da globalização econóômica e financeira do capitalismo neoliberal (preparado nos anos 1980 e implementado com força a partir dos anos 1990) e no complexo industrial-militar expansivo e agressivo para o exterior. É o partido da continuação do “status quo” atual…

De fato, para forçarem a globalização desejada a partir dos anos 1989 (quando o “Muro de Berlim” caiu e o poder dos EUA atingiu o seu auge), os EUA começaram a transferir as suas indústrias para países mais pobres e mais baratos, o que trouxe por um lado mais desenvolvimento para muitos países do chamado “terceiro-mundo”, mas por outro também muitos constrangimentos econômicos e sociais para os trabalhadores do “primeiro-mundo” dos ricos.

Para consolidarem essa transferência, os EUA precisavam de mais guerras, o que reforçou as tendências expansionistas e agressivas dos seus militares. Foi assim que – no espaço de apenas cerca de 20 anos! — desencadearam ou provocaram inúmeras guerras por todo o mundo (Sérvia, Afeganistão, Iraque, Líbia, Síria, Ucrânia, etc.), quase todas elas ilegais e contra países bastante mais fracos, mas mesmo assim guerras que os EUA acabaram por perder e que foram acelerar a sua decadência!

Em contrapartida, em termos de política interna os “Democratas” foram liberalizando cada vez mais a sociedade estadunidense, pois precisavam de paz na retaguarda para se concentrarem na sua globalização, e com isso foram inventando cada vez novos campos de diversão, novas liberdades individuais como as questões de sexualidade, gênero ou os celulares para manterem as pessoas entretidas…

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Republicanos e a “nova extrema-direita”

O partido dos “Republicanos”, que até há mais ou menos 10 anos defendia uma política semelhante à dos “Democratas”, mas um pouco mais conservadora, de transformou num partido claramente de extrema-direita desde então.

Isso foi resultado do descontentamento da população com a desindustrialização do país e com o aumento da inflação, assim como com a velocidade da introdução das novas “liberdades” individuais para a população, liberdades essas que “ofendem as almas” mais conservadoras do país, em especial no campo das chamadas Igrejas Evangélicas, que sempre tiveram uma grande influência nos EUA.

Essa reação levou a uma enorme radicalização do partido dos “Republicanos” nos EUA, agora completamente sob o controle de Trump e de forças religiosas e fascistoides, autoritáeias e iliberais. A maneira de conseguirem votos é bem clara: protecionismo econômico, reindustrializar os EUA, combater o déficit comercial com o resto do mundo, baixar os impostos … e ao mesmo tempo reduzir os direitos das mulheres e das minorias, sobretudo dos imigrantes, que passam a ser o principal bode expiatório.

De forma a terem as mãos livres para conseguirem tudo isso, os “Republicanos” optaram por uma política externa mais isolacionista e menos intervencionista, uma espécie de “retirada tácita” para não perderem mais guerras, com o que também poderão poupar dinheiro e baixar os impostos.

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No entanto, isso não significa que as guerras no mundo irão se reduzir automaticamente se Trump ganhar! Na Ucrânia, a guerra por procuração da Otan contra a Rússia deverá antes passar a ser paga e conduzida pelos europeus e, no Oriente-Médio, Israel deverá receber um “salvo-conduto” dos EUA para fazer o que quiser com os palestinos e o Irã! Em outras palavras: as guerras americanas passarão antes a ser mais frequentemente “outsorced” para as mãos dos fiéis vassalos do Império!

Resumindo e concluindo: os “Democratas” vão continuar a ser mais ativamente agressivos para o exterior dos EUA e mais “liberais” para o interior, e os “Republicanos” exatamente ao contrário! E o Império, para sobreviver, vai precisar sempre dessas duas “alternativas”: se a primeira falhar, tem sempre a segunda alternativa da “retirada tácita” no exterior para reganhar forças no interior.

Não nos esqueçamos de que o fascismo sempre foi “o plano B” do capitalismo!


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Vasco Esteves

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