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ToggleDonald Trump anotou o primeiro grande triunfo legislativo de sua presidência ao sancionar, na última sexta-feira (4), uma lei que aplica cortes históricos em programas de saúde e alimentação para os pobres, a fim de transferir bilhões aos mais ricos dos Estados Unidos, além da duplicar fundos para a perseguição de imigrantes.
Em 2 de julho, a maioria republicana festejou a aprovação do projeto na câmara baixa como se fosse um evento esportivo, cantando em coro “USA, USA” ao serem contados os votos finais necessários. Enquanto isso, críticos deploravam o que alguns qualificam como a maior transferência de riqueza dos pobres e dos trabalhadores aos mais ricos na história do país.
Com sua característica humildade, Trump declarou na semana passada: “Estamos celebrando a promulgação do maior projeto de lei de seu tipo, e que converterá este país em um foguete espacial”. No entanto, há um debate sobre o destino desse “foguete”.
Trump promoveu a legislação como uma iniciativa que reduzirá impostos para todos e impulsionará o crescimento econômico “como nunca antes”. Mas uma análise da não partidária Oficina do Orçamento do Congresso (CBO) detalha as consequências graves desta legislação, incluindo a perda de seguro de saúde para pelo menos 17 milhões de pobres (sobretudo os que dependem do programa de saúde para os mais necessitados, o Medicaid), extensos fechamentos de hospitais e asilos para idosos, e a perda de assistência alimentar para talvez um milhão de menores de idade, além de um aumento da pobreza em quase todos os estados do país.
O Center for Budget and Policy Priorities conclui que esses cortes em programas de bem-estar social são os mais extensos da história dos Estados Unidos.
Os cortes terão um impacto devastador, sobretudo em zonas rurais do país que são parte essencial da base eleitoral do mandatário. No entanto, como tem feito em outros temas, o governo de Trump busca desviar a atenção dessas consequências ao recorrer, mais uma vez, à manobra já usual de colocar o foco nesse inimigo “estrangeiro” que, ao que parece, está na origem de todos os problemas nacionais: os imigrantes.
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“A coisa que levará este país à bancarrota mais do que qualquer outra política é inundá-lo com imigração ilegal e depois conceder a esses migrantes benefícios generosos”, escreveu o vice-presidente J.D. Vance nas redes sociais ao explicar por que era urgente a aprovação deste projeto de lei. “Todo o resto — a avaliação da CBO, os cálculos adequados, os detalhes sobre o Medicaid — é irrelevante comparado com o dinheiro para o ICE (a agência federal de controle migratório e alfandegário) e as provisões para a aplicação de medidas migratórias”.
Vance se refere às medidas incluídas na legislação para contratar mais 18 mil agentes para o ICE e para a agência de Aduanas e Controle Fronteiriço (CBP), dezenas de bilhões a mais para ampliar o muro fronteiriço, bilhões dedicados a detenções e deportações, assim como ao aumento da militarização da fronteira com o México.
A legislação também inclui um novo imposto de 1% sobre as remessas.
O maior obstáculo para aprovar este megaprojeto de lei de quase mil páginas era a preocupação de alguns republicanos com o impacto da iniciativa sobre o déficit federal. Vários estudos não partidários concluíram que essa legislação aumentará o déficit federal de maneira dramática entre 3,3 e 4 trilhões de dólares – impulsionada por um partido que tradicionalmente se dizia fiscalmente conservador. A Casa Branca contesta essas conclusões, argumentando que o suposto auge econômico eliminará os déficits a longo prazo.
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Como, sob esta legislação, o governo federal arrecadará menos em impostos, a iniciativa exige cortes extraordinários em programas federais de saúde em quase todos os estados da união. Isso implica que, por exemplo, 267 mil pessoas perderão seu seguro médico na Luisiana – estado representado pelo atual presidente da câmara baixa, o republicano Mike Johnson – junto com outros 265 mil no Missouri e mais de um milhão no Texas, todos estados republicanos.
Lei de Trump vai cortar o seguro médido de 267 mil pessoas perderão seu seguro médico na Luisiana – estado representado pelo atual presidente da câmara baixa, o republicano Mike Johnson – junto com outros 265 mil no Missouri e mais de um milhão no Texas, todos estados republicanos.
Mas, ainda assim, busca-se usar os imigrantes como justificativa. “O Grande e Belo Projeto de Lei expulsa 1,4 milhão de imigrantes ilegais do Medicaid”, escreveu o senador republicano Eric Schmitt. “Por tempo demais, os estadunidenses têm pagado pelo bem-estar de pessoas que nem deveriam estar em nosso país.” Com isso, tenta convencer suas bases de que a legislação não afetará cidadãos, apenas “ilegais”.
Segundo a análise da CBO, apenas 1,2 milhão dos 12 milhões que perderão o seguro do Medicaid são imigrantes – e a maioria deles reside legalmente no país. O presidente, apesar dos fatos, afirma falsamente que esta lei não implicará cortes no Medicaid para os estadunidenses.
O dinheiro vai para onde?
O Yale Budget Lab, um grupo de pesquisadores não partidários da universidade onde estudou o vice-presidente, informou esta semana que essa legislação reduzirá os rendimentos dos 20% mais pobres da população, enquanto o 20% mais rico terá um aumento de aproximadamente 5.700 dólares por ano.

Mais de 30 legisladores democratas progressistas se comprometeram a realizar comícios em distritos republicanos diante de hospitais e asilos que serão fechados pelos efeitos dessa legislação. “Não posso apoiar um projeto de lei que priva famílias trabalhadoras de atendimento médico enquanto estende cheques a multimilionários e ao Serviço de Imigração e Controle de Alfândega”, declarou o deputado federal Jesús “Chuy” García.
O senador Bernie Sanders condenou a aprovação de uma legislação que “representa a maior transferência de riqueza da classe trabalhadora para os obscenamente ricos na história dos Estados Unidos”. Declarou que, no país mais rico do mundo, “não se deve tirar comida da boca de crianças famintas para que multimilionários possam conseguir outra redução de impostos”.
O negócio Trump
O retorno de Donald Trump à Casa Branca literalmente resgatou seu império empresarial do precipício da falência e agora ele e sua família estão usando abertamente a presidência para se enriquecerem a níveis sem precedentes na política estadunidense, algo que gera um aroma preocupante.
Mas até para isso há um produto Trump. “As fragrâncias Trump estão aqui”, anunciou o presidente através de sua rede social, que se tornou leitura obrigatória para todo jornalista, político, fanático e observador do mandatário. “Consiga um frasco, e não se esqueça de adquirir outro para seus entes queridos também.” O perfume Victory 45-47 para mulheres custa 249 dólares, o mesmo que a colônia Victory 45-47 para homens. Com certeza, todo político e empresário que busca favores da Casa Branca agora sabe que aroma deve exalar.
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Desde a Casa Branca, o presidente ofereceu visitas à sua residência para aqueles que compram sua criptomoeda – vale recordar que, no final de abril, ofereceu um jantar exclusivo para quem mais investiu em sua nova criptomoeda $Trump, e com isso elevou o valor desse produto em 60%; os investidores gastaram quase 150 milhões de dólares. Calcula-se que o valor de seu negócio de criptomoedas seja de 2,9 bilhões de dólares.
Indulto de 1 milhão
A maneira tão explícita de vender acesso ao presidente deixou muitos assombrados. “As pessoas estão pagando para se reunir com Trump e ele é o regulador-chefe. É duplamente corrupto. Não creio que se tenha visto algo parecido na história dos Estados Unidos”, declarou ao The Guardian o professor de direito Richard Briffault, especialista em ética governamental na Universidade de Columbia.
Também há jantares caros em troca de favores. Por exemplo, Paul Walczak, executivo de uma empresa de asilos para idosos que reteve ilegalmente milhões em pagamentos de seus empregados, recebeu um indulto presidencial depois que sua mãe compareceu a um jantar de arrecadação de fundos na mansão de Trump na Flórida. O preço por cada lugar à mesa foi de um milhão de dólares.
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Mas, se alguém não tem milhões para um jantar, pode se sentir parte do movimento comprando Bíblias Deus Abençoe a América (59,99 dólares e inclui cópias da Constituição e da Declaração de Independência), relógios de ouro com sua insígnia, telefones celulares marca Trump e, é claro, uma variedade de camisetas e bonés com sua consigna oficial “Make America Great Again”, incluindo um boné que diz “Trump 2028”, sugerindo que talvez esteja contemplando violar a Constituição e lançar-se a um terceiro mandato na Casa Branca.
O republicano estreou seu mais novo produto em sua viagem à reunião da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), onde relatou que o secretário-geral da organização o chamou de Daddy (ou “Papai”) em público. Agora, Trump oferece uma camiseta com sua imagem e, abaixo, a palavra “Daddy” por apenas 35 dólares.
Derrota a CBS
Além de suas mercadorias, Trump empregou o poder da presidência para ganhar agressivamente demandas legais e conseguir acordos financeiros para resolver disputas. Durante sua campanha, processou a CBS News e acusou o famoso programa 60 Minutes de ter editado de forma desonesta uma entrevista com sua oponente, a então vice-presidente Kamala Harris. Apesar de os jornalistas que realizaram a entrevista terem apresentado provas de que não distorceram o conteúdo, nesta semana a empresa-mãe da CBS, a Paramount Global, anunciou que concordou em pagar a Trump 16 milhões de dólares para encerrar o processo. Especialistas legais assinalaram que a CBS provavelmente venceria a disputa civil em um tribunal, mas a empresa preferiu negociar, já que a Paramount precisa da aprovação do governo federal para uma fusão com a Disney.
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“Com a Paramount cedendo a Donald Trump ao mesmo tempo em que precisa da aprovação de seu governo para uma fusão de bilhões, isso pode ser considerado um suborno às claras”, denunciou a senadora democrata Elizabeth Warren, que pediu uma investigação sobre o caso.
De grandes perdas a projetos globais
Simpatizantes do presidente entrevistados pelo La Jornada argumentam que todos esses negócios apenas oferecem mais provas da habilidade de Trump como empresário, e o fato de nenhum outro presidente ter feito tantos negócios abertamente demonstra que ele é “um tipo extraordinário”.
No entanto, recentemente o New York Times ofereceu outra explicação: antes de ganhar a primária republicana para se coroar como candidato presidencial pela segunda vez, Trump estava à beira de uma crise financeira, com enormes perdas em seus negócios. Grande parte do império Trump deixou de gerar lucro. Há apenas uma loja aberta nos cinco andares de espaço comercial da Trump Tower na Quinta Avenida, em Nova York – o edifício de onde ele geria suas empresas. Um quarto de seu edifício de escritórios em Wall Street está desocupado há mais de um ano, e o espaço comercial em sua torre de 92 andares em Chicago também está vazio.
Ao reportar sobre os problemas empresariais do magnata, o Times sugeriu que Trump estava motivado a regressar à Casa Branca não só pelo poder, mas “por uma necessidade de acesso a dinheiro fácil para manter seu império intacto”.
Documentos privados que o jornal obteve ao revisar casos judiciais indicam que hotéis, campos de golfe e outros investimentos estavam gerando cada vez menos receita.
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“Em seu lugar, a riqueza de Trump agora se constrói sobre novas maneiras de monetização do nome da família e, intencionalmente ou não, do escritório da presidência”, relatou o Times. “É uma iniciativa que busca cheques multimilionários de empreendedores do setor imobiliário, de criptomoedas e de empresas de redes sociais geridas por terceiros.”
Depois de vencer a primária republicana, o dinheiro voltou a fluir para suas contas bancárias, assim como para as contas de seus negócios e de sua família. Em junho deste ano, os relatórios financeiros entregues pelo presidente registravam que sua renda no ano anterior havia sido de pelo menos 630 milhões de dólares.
Mas o futuro é ainda mais promissor. Segundo especialistas locais, a venda de hotéis com o nome Trump ao redor do mundo poderá gerar bilhões de dólares. “Durante os quatro anos do segundo mandato de Trump como presidente, os promotores imobiliários estarão trabalhando para planejar, construir e inaugurar um total de 20 projetos da marca Trump”, informou a organização Citizens for Responsibility and Ethics in Government. “Essa agressiva expansão no exterior levanta questionamentos éticos sem precedentes.”
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