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Foto: Duncan C. / Flickr

Trump: um golpe de misericórdia nos EUA?

O retorno de Trump nos EUA é, na prática, resultado de um choque possivelmente fatal contra o que ainda resta dessa república imperial
David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

Beatriz Cannabrava

Entre as primeiras demandas do presidente eleito, justo antes de sua posse, esteve içar as bandeiras oficiais até o topo e anular a ordem do governo anterior, que determinava que as bandeiras deveriam estar a meio mastro como parte do luto nacional pela morte do presidente Jimmy Carter. Para Trump, esta é sua festa e ninguém iria estragá-la.

No entanto, o retorno de Trump, na prática, é resultado de um golpe possivelmente fatal contra o que resta dessa democracia, e sua posse deveria ser um dia de luto pelo que ainda resta dessa república imperial. Alguns alertam que o retorno de Trump é possivelmente o golpe de misericórdia.

O país “da liberdade”, a partir desta segunda-feira, é liderado por um criminoso condenado, um estuprador e abusador sexual, um golpista, um campeão da mentira e um autoritário que ameaçou usar as autoridades judiciais e forças de segurança, incluindo as militares, para reprimir seus opositores. Com ele, continuará a anulação de direitos civis, trabalhistas e ambientais e outras conquistas sociais das últimas décadas no país, impulsionará a xenofobia, continuará a censura de livros, garantirá o direito sagrado às armas de fogo, tudo enquanto os mais ricos ficam ainda mais ricos. Em relação à política externa, teremos um ultranarcisista admirador de autocratas liderando o que Jeffrey Sachs qualifica como “o país mais ilegal e perigoso do mundo” nas últimas décadas.

Em posse, Trump trata com honra magnatas que exploram seus eleitores

Como é possível que ele esteja de volta? Continua sendo a pergunta repetida incansavelmente. São muitos os fatores, incluindo a profunda disfunção do sistema político que o próprio ex-presidente Carter classificou como “uma oligarquia, com suborno político ilimitado”. Por outro lado, sua eleição também comprova o fim do princípio fundamental de que neste país ninguém está acima da lei.

Hannah Arendt, em sua exploração do totalitarismo há décadas — e que agora é leitura obrigatória para entender esta conjuntura — aponta uma das grandes manobras que também explica a atual conjuntura estadunidense: “a mentira constante não tem o propósito de fazer o povo acreditar em uma mentira, mas de garantir que ninguém mais acredite em nada. Um povo que já não pode distinguir entre a verdade e a mentira, entre o certo e o errado… Com esse povo, pode-se fazer o que se quiser”.

O jornalista e analista Chris Hedges lembra que ele, junto a outros como Noam Chomsky, alertou nos últimos 20 anos que a crescente desigualdade social e a erosão das instituições democráticas estavam inevitavelmente conduzindo a um Estado autoritário ou fascista cristão. Ele aponta que escreveu em 2007 que “a desesperança… essa anulação do futuro, levou os desesperados aos braços daqueles que prometem milagres e sonhos de glória apocalíptica”. Mas hoje ele ressalta que Trump é um sintoma, não a doença, já que “a perda das normas democráticas começou muito antes”, e seu retorno ao poder é parte da morte do sistema político do país.

A Estátua da Liberdade chora, mas as comunidades que ela convidou desde que chegou como imigrante da França, e que construíram e deram vida a este país, se preparam para enfrentar as forças das trevas e o clássico valentão covarde de escola secundária, que sempre ataca os mais vulneráveis para demonstrar sua força. Têm como aliados uma vasta gama de defensores de direitos e liberdades civis das mulheres, dos imigrantes, das chamadas minorias, dos gays, junto com setores progressistas de sindicatos, ambientalistas e outros progressistas em todos os cantos deste país.

Depois de ter permitido o triunfo da direita eleita por uma minoria, essas forças agora enfrentam o desafio de criar a resistência necessária para a ressurreição dos direitos e liberdades que são os sinais de vida de uma democracia. Dependerá, sobretudo, das dimensões de uma indignação coletiva (aquela convocação de Stéphane Hessel: indigne-se) diante da injustiça que proclama seu triunfo a partir de hoje.

B.B. King – Stormy Monday Blues

Mavis Staples – No time for crying

La Jornada, especial para Diálogos do Sul Global – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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