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Ahmed Mulay Ali Hamadi, embaixador da República Árabe Saarauí Democrática (Foto: Leonardo Wexell Severo)

“Última colônia africana, República Saarauí precisa do reconhecimento do Brasil”, diz embaixador

Diplomata e escritor Ahmed Mulay Ali Hamadi ressalta que outros 84 países já respaldaram nossa soberania saarauí: "Mais do que nunca, o apoio do governo Lula se torna essencial"

Leonardo Wexell Severo
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

“Última colônia da África, a República Árabe Saarauí Democrática (RASD) precisa do reconhecimento do Brasil, por ser um país importante como membro da Organização das Nações Unidas (ONU). Outros 84 países já respaldaram a nossa soberania e, mais do que nunca, o apoio do governo Lula se torna essencial para superarmos as décadas de crimes e bloqueios impostos pelo reinado do Marrocos e começarmos a construir de forma independente a nossa nação”.

A afirmação é do embaixador Ahmed Mulay Ali Hamadi, destacando em entrevista exclusiva a relevância da diplomacia brasileira avançar neste caminho, que vê como natural, uma vez que a RASD foi declarada há quase 50 anos, em 27 de fevereiro de 1976, pela Frente Polisário, movimento revolucionário que iniciou a luta armada contra o colonialismo espanhol e que continua atualmente contra o Marrocos. Atualmente, somente 30% do território do Saara Ocidental está liberado e governada pelos saarauís.

“Foi da mesma forma com a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), a quem o Brasil reconheceu primeiro para, posteriormente, abraçar o Estado da Palestina. Ficamos felizes pelo governo ter reconhecido recentemente a Frente Polisário como legítima representante da luta pela autodeterminação do povo saarauí. Acredito que o reconhecimento da RASD será uma consequência”, avalia.

Mas enquanto a comunidade internacional não dá este importante passo, 600 mil saarauís permanecem sob o brutal tacão marroquino, 260 mil nos acampamentos de refugiados na Argélia, 200 mil no território e outros 100 mil no exílio, sem poder usufruir das suas riquezas.

Conforme se pronunciaram o Tribunal da Justiça Europeia, o Departamento de Justiça da Organização das Nações Unidas (ONU), o Movimento dos Países Não Alinhados e as cortes africanas, “todo o mundo apoia o direito do povo saarauí por autodeterminação e independência, mas o Marrocos não aceita porque estão envolvidos os interesses da França, de Israel e dos Estados Unidos”.

Mas, apesar disso, perante a ONU, a RASD permanece como um “território não autônomo, pendente de descolonização” e aguarda a realização de um referendo que o reinado vizinho faz de tudo para inviabilizar, seja com bombas de fósforo, napalm ou termobáricas, todas armas proibidas internacionalmente.

O Marrocos usa para seu próprio consumo e exporta de forma completamente ilegal o abundante peixe e as riquíssimas jazidas de fostato. “Nos bloqueiam o acesso às nossas riquezas com um muro de mais de 2.700 quilômetros, mais de oito milhões de minas e um exército de 150 mil homens”, esclareceu o diplomata.

Para completar, Ahmed lembrou dos “aviões bombardeiros contra civis, do uso de drones e de armas químicas proibidas internacionalmente nos territórios liberados”.

“Marrocos e Saara Ocidental são entes diferentes e separados”

O Tribunal de Justiça Europeia sentenciou que “o reino do Marrocos e o Saara Ocidental são dois entes diferentes e separados” e proibiu que o opressor comercialize a riqueza do país invadido, reforçando a pressão existente para que seja garantida justiça.

Vencida no campo de batalha, a Mauritânia se retirou da área que havia invadido e hoje tem relações diplomáticas com a RASD, da mesma forma que quase todos os países africanos.

“Nossa população é de um pouco mais de um milhão, o que nos fará um dos países mais ricos do mundo e, como nossa concepção de vida é distributiva, socialista, faremos muita gente feliz não só nosso país como entre todos os povos irmãos”, declarou o diplomata.

Degradação dos direitos humanos

A situação de degradação dos direitos humanos no Saara Ocidental impostos pelo governo marroquino é inaceitável, denunciou o embaixador. “São políticas punitivas para encobrir crimes cometidos no nosso território, onde impõem um bloqueio militar e um apagão informativo integral”, condenou Ahmed, apontando que as autoridades da ocupação prosseguem impedindo os órgãos e relatores da ONU, ONGs, meios de comunicação independentes e observadores de se aproximar.

O relatório sobre os direitos humanos nos territórios ocupados de março de 2025 é bastante claro, enfatizou Ahmed, descrevendo a política de terra arrasada, destruição de lares, queima de tendas, abate de animais e envenenamento de poços, “com o objetivo descarado de nos afastar de nossos lugares e assentar mais colonos marroquinos com a invasão e a ocupação ilegal”. “São práticas de opressão e violência, de empobrecimento e inanição, privações e exclusão, discriminação racial e castigo coletivo, a fim de que os saarauís não desfrutem dos direitos sociais e econômicos básicos”, protestou.

Além disso, com o agravamento das condições de vida em Israel, prosseguiu Ahmed, muitos dos judeus que haviam abandonado o Marrocos estão retornando. “Eles haviam deixado casas que os marroquinos ocuparam por 80 anos. Agora, o reinado os está expulsando para ‘devolver’. Isso tudo tem aumentado a pobreza e o desemprego, fazendo com que a situação da saúde e da educação fique cada dia mais crítica no país vizinho. Há muita gente vivendo em barracas nas ruas”, relatou.

Lideranças condenadas à prisão perpétua

Uma das prioridades é ação de solidariedade internacional, que no Brasil inclui desde palestras a mobilizações como a dos Ciclistas pela Paz, na Bahia.   Um dos nossos objetivos “é a libertação dos 100 presos políticos, alguns que estão detrás das grades há mais de 20 anos e condenados à prisão perpétua”. Como os presos ficam em penitenciárias dentro do Marrocos, isso não só impossibilita que muitas famílias os vejam como reduz a frequência das visitas. Há também aproximadamente 650 pessoas desaparecidas, em sua maioria mulheres, que “não sabemos sequer se continuam vivas”.

Ahmed considera essencial que o mandato da Missão das Nações Unidas para o Referendo no Saara Ocidental (Minurso) seja ampliado e se inclua um componente de direitos humanos que lhes permita realizar “um monitoramento independente, imparcial, integral e contínuo” da situação, como indicado repetidamente pelo secretário-geral da ONU em seus sucessivos informes.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Leonardo Wexell Severo

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