Um dos efeitos mais pontuais dos avanços tecnológicos em comunicações, foi a maneira como somos manipulados a partir das instâncias midiáticas, com o objetivo de criar em nosso entorno uma asséptica distância emocional a respeito de ações agressivas dos Estados.
Esta espécie de concerto bem afinado, dirigido a grandes audiências, põe uma especial ênfase em dar caráter de inevitabilidade à tragédia de comunidades humanas completamente indefesas, como aquelas encerradas em um entorno bélico ou aqueles que migram para salvar sua vida. Essa táctica induz o espectador a assumir essa realidade, plasmada em imagens, como se ela pertencesse a um mundo remoto e alheio.
Com uma habilidade maquiavélica, a torrente informativa — e, sobretudo, desinformativa — vai criando um universo paralelo, onde a concentração da riqueza e de poder em mãos de entidades inalcançáveis é assumida como uma conquista e não como uma aberração do sistema que nos rege.
Nessa mesma tônica, o retrocesso em questão de direitos civis e proteção dos setores mais vulneráveis — mulheres, infância, idosos, povos originários, personas em condições de deficiência — se consolida por meio de medidas arbitrárias e abertamente discriminatórias.
Em uma década já avançada do novo século, se destaca a maneira ofensiva e abertamente patriarcal como se mantém o cerco contra o direito das mulheres de administrar sua vida reprodutiva de acordo com seu próprio critério, ou o silêncio em torno às práticas misóginas de Estados que as condenam a um status de indignidade e marginação.
Para normalizar este tratamento usam leis contrárias aos acordos e convenções internacionais de caráter obrigatório, como aqueles dirigidos a proteger os direitos humanos e a combater a discriminação. Algo similar sucede em relação à infância, à qual se continua tratando como um subproduto e não como um setor de primeiríssima importância.
Norma Gabriela Galván/ Pexels
Acostumar-se a viver em um mundo incerto é uma forma de sobrevivência
O efeito da manipulação midiática se traduz também em uma abstração da realidade dos outros. Ou seja, uma perfeita anestesia para a consciência quando o golpe é recebido por outro povo, em uma latitude aparentemente longínqua.
O devir do “não nos importa” não só incide em uma maior vulnerabilidade para ações similares que nos afetem, mas em uma perda de contato com esse conceito de Humanidade, ao qual, no entanto, costumamos recorrer quando somos aqueles que recebemos os golpes.
O sistema imperante em nosso hemisfério — neoliberal, capitalista, orientado à concentração da riqueza em poucas mãos e à perda de direitos individuais — tem como característica específica a imposição de um modo de vida capaz de impedir ou entorpecer toda ação coletiva, mantendo a cidadania enfocada na sobrevivência graças à incerteza com relação ao seu trabalho, aos seus direitos, às suas possibilidades de progresso.
O interesse primordial daqueles que possuem o controle da informação e os meios para divulgá-la, consequentemente, está centrado no silêncio e no conformismo, o qual representa a própria base do sistema e garante sua solidez.
Esse lhes permite um espaço privilegiado para continuar com seus planos de expansão econômico-corporativa, incidência na política global graças a uma hábil manipulação financeira e, a partir dessa plataforma, a decisão unilateral sobre as vidas alheias.
O mundo é amplo e alheio, segundo Ciro Alegría. Mas resultou mais alheio que amplo.
*Colaboradora de Diálogos do Sul da Cidade da Guatemala
Tradução: Beatriz Cannabrava
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