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Toggle*editado em 11.08, às 20h27
Sucesso russo no desenvolvimento da vacina para Covid-19 tem raízes históricas
O “momento Sputnik” aconteceu. A vacina russa Sputnik V foi lançada, se tornando a primeira vacina contra a Covid-19 registrada no mundo e evocando memórias do lançamento surpresa de um satélite soviético em 1957, o qual abriu as portas da exploração espacial à humanidade.
Esta nova era levou não somente à competição, mas também a muitos esforços colaborativos, incluindo a missão conjunta Apollo-Soyuz realizada pelos EUA e pela União Soviética.
Uma vacina contra a Covid-19 é a prioridade número um mundial e muitos países, organizações e empresas declaram estar perto de desenvolver uma. Até o final deste ano, alguns outros países já deverão ter suas próprias vacinas. É importante que barreiras políticas não impeçam que as melhores tecnologias disponíveis sejam usadas para o benefício de todas as pessoas na face do mais sério desafio que a humanidade encarou em décadas.
President of Russia
A vacina russa Sputnik V foi lançada, se tornando a primeira vacina contra a Covid-19 registrada no mundo.
Infelizmente, ao invés de olhar para a ciência por trás da comprovada vacina adenoviral e vetorial, testada e desenvolvida pela Rússia, alguns políticos e mídias internacionais decidiram focar na política e nas tentativas de minar a credibilidade da vacina russa.
Acreditamos que tal comportamento é contraprodutivo e apelamos por um “cessar-fogo” político sobre as vacinas em face da pandemia da Covid-19.
Não é do conhecimento geral em todo o mundo que a Rússia tem sido um dos líderes globais em pesquisas de vacinas por séculos. A imperatriz russa Caterina, a Grande, deu um exemplo em 1768, quando ela recebeu a primeira vacinação contra a varíola do país, 30 anos antes do mesmo ter sido feito nos EUA.
Em 1892, o cientista russo Dmitry Ivanovsky observou um efeito incomum enquanto estudava folhas de tabaco infectadas pela doença do mosaico.
As folhas permaneciam contagiosas mesmo depois do cientista ter removido as bactérias. Porém, isso foi feito meio século antes que o primeiro vírus pudesse ser visto por um microscópio, tornando a pesquisa de Ivanovsky o nascimento de uma nova ciência chamada virologia.
Desde a descoberta de Ivanovsky, a Rússia tem sido um dos líderes globais em virologia e pesquisa de vacinas, formando inúmeros cientistas talentosos tais como o pesquisador Nikolai Gamaleya, que estudou no laboratório do biólogo francês Louis Pasteur em Paris e abriu a segunda do mundo estação de vacinação para a raiva na Rússia em 1886.
A União Soviética continuou o apoio às pesquisas de vírus e vacinas. Todos os nascidos depois da Segunda Guerra Mundial receberam vacinas obrigatórias contra a pólio, tuberculose e difteria.
Em um raro exemplo de cooperação durante a Guerra Fria, três importantes virologistas soviéticos foram aos EUA em 1955 oferecer oportunidades de testes na União Soviética para uma vacina americana contra a pólio, uma doença mortal que tirou a vida de milhões de pessoas. Se fomos capazes de cooperar então, nós podemos e devemos fazer isso agora.
Décadas de esforços de cientistas russos e soviéticos levaram à criação de uma excelente infraestrutura de pesquisas, como o Centro Nacional de Pesquisa de Epidemiologia e Microbiologia Gamaleya.
Tal infraestrutura vai desde uma das “bibliotecas virais” mais ricas do mundo, criada usando uma técnica única de preservação, até o centro de experimentos de reprodução animal. Temos orgulho deste legado que nos permitiu criar a primeira vacina contra a Covid-19 aprovada no mundo. Nós já recebemos pedidos internacionais de um bilhão de doses da nossa vacina, e fechamos acordos internacionais para produzir 500 milhões de doses anualmente com a intenção de aumentar ainda mais.
O verdadeiro segredo
Hoje muitas mídias e políticos ocidentais questionam a rapidez da criação da vacina da Covid-19 na Rússia, levantando dúvidas sobre sua eficácia e autenticidade. O segredo por trás de tal rapidez é a experiência da Rússia em pesquisa vacinal. Desde a década de 1980, o Centro Gamaleya tem liderado o esforço para desenvolver uma plataforma tecnológica usando adenovírus, encontrados em adenoides humanos e normalmente transmitindo o resfriado comum, como “vetores” ou veículos que podem induzir material genético de outro vírus dentro de uma célula.
O gene do adenovírus que causa a infecção é removido, enquanto um gene com o código da proteína de outro vírus é inserido. Tal elemento inserido é pequeno e é uma parte não perigosa de um vírus, sendo segura para o corpo, mas ajuda o sistema imunológico a reagir e produzir anticorpos que nos protegem da infecção.
A plataforma tecnológica de vetores baseados em adenovírus torna a criação de novas vacinas mais fácil e rápida, através da modificação do vetor transportador inicial com o material genético de novos vírus emergentes.
Tais vacinas geram uma grande resposta do corpo humano com o intuito de criar imunidade, enquanto o processo total de modificação vetorial e a produção em escala piloto demora poucos meses.
Os adenovírus humanos são considerados dos mais fáceis para modificar desta maneira, portanto, eles se tornaram vetores muito populares. Desde o início da pandemia da Covid-19, o que os pesquisadores russos tiveram que fazer foi apenas extrair um gene codificador da espiga do novo coronavírus e o implantar dentro de um vetor adenoviral familiar para o colocar em uma célula humana.
Os estudos mais recentes indicam que apenas duas doses da vacina são necessárias para criar uma imunidade prolongada.
Desde 2015, pesquisadores russos têm trabalhado no modelo de dois vetores, daí a ideia de usar dois tipos de vetores adenovirais, Ad5 e Ad26, na vacina contra a Covid-19.
Desta forma, eles enganam o corpo, que desenvolveu imunidade contra o primeiro tipo de vetor, e impulsionam o efeito da vacina com a segunda dose usando um vetor diferente.
De modo comparativo seria como dois trens que tentam levar uma carga importante a uma fortaleza do corpo humano que necessita da entrega para produzir anticorpos. Você precisa do segundo trem para ter certeza de que a carga chegará a seu destino. Tal trem deverá ser diferente do primeiro, o qual já foi submetido ao ataque do sistema imunológico do corpo e já é conhecido deste. Desta forma, enquanto os outros desenvolvedores de vacinas possuem um trem, nós temos dois.
Usando o método de dois vetores, o Centro Gamaleya também desenvolveu e registrou uma vacina contra o ebola.
Tal vacina tem sido usada por milhares de pessoas nos últimos anos, criando uma plataforma vacinal comprovada que foi usada para a vacina da Covid-19.
Cerca de 2.000 pessoas na Guiné receberam injeções das vacinas do Centro Gamaleya em 2017-18, enquanto o mesmo possui uma patente internacional para sua vacina contra o ebola.
Método de dois vetores
O Centro Gamaleya usou vetores adenovirais para desenvolver vacinas contra influenza e a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS, na sigla em inglês).
Ambas as vacinas estão atualmente em estágios avançados de testes clínicos. Tais conquistas mostram que os laboratórios russos não perderam seu tempo nas últimas décadas, enquanto a indústria farmacêutica internacional frequentemente subestimou a importância da pesquisa de novas vacinas na ausência de ameaças globais à saúde antes da pandemia da Covid-19.
Outros países decidiram seguir nossos passos desenvolvendo vacinas baseadas em vetores adenovirais.
A Universidade de Oxford, Reino Unido, está usando um adenovírus de um macaco, o qual nunca foi usado antes em uma vacina aprovada, ao contrário dos adenovírus humanos.
A companhia americana Johnson & Johnson está usando o adenovírus Ad26 e a chinesa CanSino o adenovírus Ad5, os mesmos vetores usados pelo Centro Gamaleya, mas eles ainda terão de dominar a técnica de dois vetores. Ambas as companhias já receberam grandes quantidades de encomendas de vacinas de seus governos.
O uso de dois vetores é uma tecnologia única, desenvolvida pelos cientistas do Centro Gamaleya, o que diferencia a vacina russa de outras vacinas vetoriais de adenovírus em desenvolvimento ao redor do mundo. É válido ressaltar que vetores adenovirais possuem claras vantagens sobre outras tecnologias, como as vacinas mRNA.
As futuras vacinas mRNA, ainda sob testes clínicos nos EUA e em outros países, não usam vetores como transporte e representam uma molécula RNA com um código de proteína de coronavírus envolto em uma membrana lipídica. Tal tecnologia é promissora, mas seus efeitos colaterais, especialmente os impactos na fertilidade, não foram estudados em profundidade.
Nenhuma vacina mRNA recebeu por enquanto qualquer aprovação oficial no mundo.
Acreditamos que na corrida mundial por uma vacina contra o coronavírus, vacinas vetoriais adenovirais serão as vitoriosas, mas até mesmo nesta categoria a vacina do Centro Gamaleya está na frente.
Confrontando o ceticismo
A vacina russa já está pronta e registrada. As duas primeiras fases de testes clínicos foram concluídas e seus resultados serão publicados neste mês de acordo com exigências internacionais.
Tais documentos proverão informação detalhada sobre a vacina, incluindo os exatos níveis de anticorpos mostrados tanto por diversos testes de terceiras partes como pelo teste do proprietário Centro Gamaleya, os quais identificam os anticorpos mais eficientes no ataque à espiga do coronavírus.
Eles também mostrarão que todos os participantes dos testes clínicos desenvolveram imunidade de 100% contra a Covid-19.
Estudos em hamsters sírios, animais que normalmente morrem com a Covid-19, mostraram proteção em 100% e ausência de danos nos pulmões depois de terem recebido uma dose letal da infecção.
Após o registro, nós iremos conduzir testes clínicos internacionais em outros três países. A produção em massa da vacina está prevista para setembro e nós já testemunhamos forte interesse global pela vacina.
O ceticismo entre os políticos e mídias internacionais emergiu assim que a Rússia anunciou seus planos para a produção em massa da vacina contra a Covid-19.
Quando eu falei com algumas mídias ocidentais, eles recusaram incluir fatos-chave sobre a vacina russa da Covid-19 em suas histórias. Vemos tal ceticismo como uma tentativa de prejudicar nossos esforços em desenvolver uma vacina funcional que parará a pandemia e ajudará na reabertura da economia global.
Não é a primeira vez que a Rússia encarou a desconfiança em sua liderança na ciência quando a política cria obstáculos a avanços científicos e põe a saúde pública em risco.
Durante o surto de pólio no Japão nos anos 1950, mães japonesas cujos filhos estavam morrendo de pólio foram se manifestar contra seu próprio governo, o qual havia banido a importação da vacina soviética contra a pólio por razões políticas.
As manifestantes alcançaram seu objetivo e a proibição foi retirada, salvando a vida de mais de 20 milhões de crianças japonesas.
Hoje, a política está novamente no meio do caminho da tecnologia russa, a qual pode salvar vidas no mundo.
A Rússia está aberta para a cooperação internacional na luta contra esta e as futuras pandemias. Em uma conferência internacional de vacinas contra a pólio em 1960 em Washington, um delegado soviético disse, respondendo a perguntas sobre a segurança da vacina desenvolvida na Rússia, que “nós amamos nossas crianças e estamos preocupados com seu bem-estar tanto quanto as pessoas nos EUA ou em qualquer outra parte do mundo estão [preocupados] com suas crianças”.
Após tais palavras, a delegação soviética recebeu grande ovação da audiência e os trabalhos conjuntos sobre vacinas continuaram.
No que precisamos pensar agora é no bem-estar e na prosperidade das futuras gerações. Todos os países no mundo precisam deixar a política para trás e focar no descobrimento das melhores soluções e tecnologias para proteger vidas e retomar a atividade econômica.
Nosso fundo já assegurou parcerias de produção conjunta da vacina russa em cinco países.
Talvez em algum momento, graças a tal parceria na luta contra a Covid-19, nós possamos rever e abandonar as restrições politicamente motivadas nas relações internacionais, que já se tornaram obsoletas e representam um obstáculo aos esforços coordenados para lidar com os desafios globais.
* Kirill Dmitriev é formado em Economia e ocupa o cargo de presidente do Fundo Russo de Investimentos Diretos (RFPI, na sigla em russo). Na década de 1990 ele trabalhou para diversas instituições financeiras estrangeiras, incluindo o banco de investimentos Goldman Sachs em Nova York.
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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