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Em seu discurso de vitória, Zohran Mamdani afirmou que usará seu poder político “para rejeitar o fascismo de Donald Trump” (Foto: Reprodução / Facebook)

Vencedor das primárias em Nova York, Zohran Mamdani promete prender Netanyahu

Vitória de Zohran Mamdani, deputado desconhecido até poucos meses atrás, é estudada como uma das grandes surpresas políticas da história recente do EUA

David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

Beatriz Cannabrava

Em um país atropelado pela direita no poder em Washington — onde literalmente se propõe anular programas de alimentação para crianças pobres e assistência médica básica para 12 milhões de pessoas em situação de pobreza, em troca de bilhões em cortes de impostos para os mega ricos, onde agentes não identificados sequestram imigrantes nas ruas e nos campos do país, onde se anulam os direitos civis de minorias, mulheres, gays, entre outros —, de repente surgem raios de luz e sinais de uma resistência vital.

A recente mobilização nacional contra as políticas do novo regime em Washington, no “Dia sem Reis”, em 14 de junho, foi uma das maiores da história dos Estados Unidos.

O segundo evento, com implicações nacionais, foi o triunfo de um jovem imigrante, socialista democrático e muçulmano – quase a antítese do regime em Washington por definição – nas primárias democratas de Nova York, a principal cidade dos Estados Unidos.

A vitória de Zohran Mamdani sacudiu as cúpulas políticas e econômicas não só de Nova York, mas do país inteiro. O próprio presidente Donald Trump e seu círculo imediato expressaram alarme pelo fato de um “lunático comunista” (nas palavras de Trump) ter vencido, enquanto seus aliados comentaram que Nova York acabava de eleger “seu segundo 11 de setembro”, entre outras reações histéricas. Talvez a mais reveladora tenha sido a do “Rasputin” do presidente e arquiteto da política anti-imigratória, Stephen Miller, que afirmou que esse triunfo é resultado de permitir a entrada de imigrantes demais no país. Alguns multimilionários e titãs de Wall Street, pouco acostumados a perder, soaram o alarme de que Nova York “está se tornando socialista”.

Mamdani também derrotou uma figura nacional do Partido Democrata, Andrew Cuomo, junto com a cúpula democrata e os multimilionários que o apoiavam. Sua derrota inesperada diante de um deputado estadual de 33 anos, desconhecido até poucos meses atrás, está agora sendo estudada como uma das grandes surpresas políticas da história recente do país.

Mamdani ampliou o eleitorado, especialmente a participação de jovens e de outros grupos que normalmente não votam, com uma mensagem progressista e populista, focada em como fazer com que a maioria dos 8 milhões de habitantes tenham um nível de vida digno – em uma cidade que, segundo um novo relatório, é a mais desigual dos Estados Unidos (e se aproxima dos níveis do Rio de Janeiro) –, financiado por meio de maior tributação sobre os mais ricos. Mas sua campanha – feita à moda antiga, nas ruas, batendo de porta em porta, e também com ferramentas digitais modernas – foi também uma celebração do mosaico cultural, social e religioso de uma cidade onde 40% da população é imigrante e onde se falam mais de 200 idiomas – incluindo, brincam, até o inglês.

Triunfo de Zohran Mamdani demonstra que, neste país atualmente nas mãos da direita, há apoio massivo para uma guinada à esquerda (Foto: Reprodução / Facebook)

Mamdani está comprometido com a defesa dos imigrantes, sublinhando que ele mesmo é um – sua família migrou de Uganda, mas tem origem indiana – e rejeita tanto a islamofobia quanto o antissemitismo. Ele já declarou que, se Benjamin Netanyahu chegar à cidade e ele for prefeito, buscará prendê-lo por crimes contra a humanidade. Também não aceitaria convites do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, por causa da matança de muçulmanos naquele país.

Em seu discurso de vitória, afirmou que, além de implementar seu projeto econômico, usará seu poder político “para rejeitar o fascismo de Donald Trump”.

Sanders comentou que a lição da campanha de Mamdani é que não basta apenas criticar Trump – é necessário apresentar uma visão positiva. “Em tempos em que há cada vez menos esperança, as pessoas precisam sentir que, se trabalharmos juntos, se tivermos coragem para enfrentar os interesses especiais poderosos, podemos criar um mundo melhor – um mundo de justiça econômica, social, racial e ambiental.”

Seu triunfo demonstra que, neste país atualmente nas mãos da direita, há apoio massivo para uma guinada à esquerda.

Imprensa em queda

Nos Estados Unidos, calcula-se que desapareceu um terço de todos os periódicos que existiam em 2005. Dos aproximadamente 6 mil periódicos que ainda sobrevivem neste país, mais de dois perecem a cada semana, e a maioria teve que deixar de publicar diariamente para continuar apenas como semanários.

As redações sofreram cortes massivos. Registrou-se uma queda de 70% entre 2006 e 2021 no número de trabalhadores na indústria de periódicos nos EUA; o número de empregados apenas nas redações foi reduzido a menos da metade, de 75 mil para menos de 30 mil nesse período. Como resultado, há o que chamam de “desertos de notícias” em comunidades e até regiões por todo o país, o que beneficiou a direita estadunidense. E esse panorama se estende, em diversos graus, por todo o mundo.

Entre os fatores que levam a essa crise está a transição digital no setor dos meios de comunicação. O modelo de negócios tradicional, que girava em torno de receitas com publicidade, classificados e o aviso oportuno, deixou de funcionar na era digital. O grande desafio para os meios nas últimas três décadas tem sido como navegar o mar digital.

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Mas, além da nova era tecnológica e suas implicações para os meios de notícias, a crise do jornalismo se deve, em grande medida, a forças e pessoas alheias ao jornalismo que estão dispostas, por razões de ganância empresarial ou por um jogo político, a sacrificar um jornal ou um meio.

Por um lado, empresários e investidores cujo interesse central não é o jornalismo, mas sim o negócio, impõem uma estratégia de mercado que leva ao desastre grandes e pequenos periódicos. Os meios de comunicação são adquiridos por empresários como se fossem apenas mais um investimento, e submetidos à lógica absolutamente analfabeta de Wall Street, onde o único critério de avaliação são os lucros e os dividendos para investidores.

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E, para extrair benefícios financeiros, aplicam-se cortes drásticos de repórteres, fotógrafos, editores, caricaturistas, designers, redatores e outros – para “reduzir custos” –, o que inevitavelmente reduz a qualidade do meio e, com isso, provoca a diminuição de seu público até levá-lo ao “suicídio”.

Outro fator nessa crise são os interesses políticos, que buscam usar o jornalismo para suas próprias agendas, algo que às vezes se combina com os interesses empresariais. Neste país, a ilustração disso se vê claramente na relação entre os meios e Trump. Grandes empresas como The Washington Post e os conglomerados empresariais CBS e ABC News, entre outros, estão sacrificando seu jornalismo por interesses comerciais e/ou políticos diante de um presidente que os acusa, hostiliza e ameaça para seus próprios fins políticos.

Todos justificam seus jogos com o jornalismo com grandes frases sobre “a defesa de princípios como a liberdade de expressão”. Mas são muito flexíveis no privado e, de fato, agem como dizia Groucho Marx: “Estes são meus princípios, e se você não gostar deles, eu tenho outros”.

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Por isso, o maior desafio para os jornalistas e periódicos independentes é defender os princípios fundamentais e o propósito do jornalismo.

Ninguém se torna jornalista para enriquecer, nem para subir na escala social, nem para virar empresário. O bom jornalismo, independente em sua essência, tem a missão de tentar se aproximar da verdade, fazer o poder prestar contas, dar voz aos que não são ouvidos, contar a história de cada dia. Os periódicos que cumprem essa missão devem ser vistos como “um bem público” com um propósito moral, como afirma Alan Rusbridger, jornalista e ex-diretor do The Guardian.

Aqueles que tentam reduzir um bom jornal a apenas mais uma empresa, ou só mais um instrumento em algum jogo político, estão atentando contra um esforço coletivo dedicado a algo mais importante que os lucros e o poder pessoal.

Galeano escreveu: “Os cientistas dizem que somos feitos de átomos, mas um passarinho me contou que somos feitos de histórias”. Contá-las com veracidade e carinho, e tecê-las em uma história compartilhada – e não como produtos para vender ou como parte de um jogo político – isso é jornalismo.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul Global – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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